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22-01-2025 

Validade da convenção arbitral e a recuperação judicial

A coexistência harmônica entre os processos de recuperação judicial e de arbitragem tem sido amplamente reconhecida pelos nossos tribunais.

No entanto, na última semana, foi noticiada decisão que surpreendeu a comunidade jurídica [1], pois, à primeira vista, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida em um conflito de competência, poderia nos levar à conclusão de que o procedimento arbitral não seria aplicável em contratos celebrados com empresas em recuperação judicial.

Isto porque, o ministro Raul Araújo, nos autos do Conflito de Competência nº 203.888, do Superior Tribunal de Justiça, entendeu que “em contratos entre empresas que dependem de autorização do juízo da recuperação judicial para serem firmados, as cláusulas arbitrais são inaplicáveis” [2].

A surpresa inicial decorre do fato da arbitragem, como meio alternativo de resolução de conflitos, e a recuperação judicial, como mecanismo de reestruturação de empresas, até aqui, terem coexistido de forma harmônica, existindo inúmeros julgados validando as cláusulas arbitrais e limitando a atuação do juízo da recuperação judicial [3].

Como se sabe, o inciso 1º do artigo 6º da LRF dispõe que “terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”, ao passo que o inciso 9º do mesmo artigo dispõe que “o processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração do procedimento arbitral.”

A análise desses artigos nos leva à conclusão de que uma discussão contratual que seja alcançada pela convenção arbitral, até que seja resolvida, estará sujeita a competência arbitral, quando, ao final, haverá uma decisão condenatória, liquida, certa e exigível [4], podendo, por consequência, ser habilitada perante o juízo da recuperação judicial, ou, da falência [5].

O Superior Tribunal de Justiça, através do julgamento do Recurso Especial nº 1.953.212-RJ, o qual teve como relatora a ministra Nancy Andrighi, já concluiu desta forma ao declarar que “o deferimento do pedido de recuperação judicial não tem o condão de transmudar a natureza de direito patrimonial disponível do crédito que a recorrida procura ver reconhecido e quantificado no procedimento arbitral. Reconhecida a competência do tribunal arbitral para processamento e julgamento da demanda que se limita à apuração dos créditos inadimplidos no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrados entre as partes”.

Cumpre notar que o Conflito de Competência número 203.888-SP não teve como objeto eventual decisão do juízo arbitral em conflito com as demais decisões do juízo da recuperação judicial.

O processo trazido à análise do Superior Tribunal de Justiça deveria dirimir qual o juízo competente para julgar os limites de uma execução lastreada em Contrato de Financiamento DIP celebrado com o devedor em recuperação judicial, nos termos do artigo 69-A da LRF [6], não tendo como objeto eventual decisão acerca da certeza ou da liquidez da obrigação discutida.

Com efeito, ao analisarmos a decisão do conflito de competência concluímos que a decisão do juiz da recuperação judicial não versava sobre o contrato em si, mas regulava providências cabíveis decorrentes diretamente da decisão homologatória do Contrato de Financiamento DIP e do seu descumprimento, portanto, as suas determinações não exorbitariam a sua própria competência.

Harmonia

Os fatos acima foram bem esclarecidos pelo ministro Raul Araújo, nos autos do Conflito de Competência nº 203.888-SP, ao esclarecer que “o contrato em evidência é típico do procedimento de recuperação judicial e previsto pela lei 11.101/2005, como instrumento para financiar a atividade de recuperandos durante a recuperação judicial, com anuência do Comitê de Credores e com a autorização do juízo recuperacional. Desse modo, se a própria contratação do DIP Finance dependeu da autorização do juízo recuperacional, insere-se na sua competência resolver o contrato firmado pelo devedor, regulando, ademais, as providências cabíveis decorrentes diretamente dessa decisão”.

Desta forma, ainda que se possa acreditar que os fatos noticiados na última semana pudessem levar à conclusão da desarmonia entre as decisões do Superior Tribunal de Justiça relacionadas à recuperação judicial e arbitragem, o que se conclui é que a decisão noticiada está em harmonia com as demais decisões do Superior Tribunal de Justiça.

Isso porque, quando há convenção arbitral, caberá ao tribunal arbitral julgar a relação obrigacional havida entre as partes, sendo certo que, se uma das partes estiver em recuperação judicial, caberá a parte ganhadora habilitar seu crédito após a decisão arbitral.

Contudo, caso exista um título executivo não sujeito ao concurso de credores, este deve se submeter às decisões do juízo da recuperação judicial referentes à expropriação dos bens do devedor, não existindo competência do juízo arbitral para tanto, em razão da submissão deste título aos atos expropriatórios do juízo da recuperação judicial [7].

O que não se pode confundir é a competência executiva (sujeita, como se disse, ao juízo recuperacional) com a competência para se analisar as cláusulas contratuais e obrigações constituídas entre as partes (sujeita, evidentemente, a arbitragem, nos termos do artigo 8º da Lei de Arbitragem [8]).

Por todo exposto, o Superior Tribunal de Justiça prestigiou a harmonia das suas decisões e resguardou a competência do juízo arbitral aos casos em que não há um título executivo, zelando pela competência do juízo da recuperação judicial quando há um título executivo que pode ser executado, ou ainda, habilitado, no concurso de credores.

 

[1] https://www.conjur.com.br/2025-jan-13/clausula-arbitral-e-inaplicavel-em-contrato-de-dip-financing-decide-stj/

[2] STJ, Conflito de competência número 203.888, Rel, Min. Raul Araújo

[3] “As jurisdições estatal e arbitral não se excluem mutuamente, sendo absolutamente possível sua convivência harmônica, exigindo-se, para tanto, que sejam respeitadas suas esferas de competência, que ostentam natureza absoluta.” STJ, Resp. 157.099, Rel. Min. Nacy Nadrighi.

[4] Artigo 31 da Lei 9.307/1996 – a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

[5] Superior Tribunal de Justiça, AgInt Recurso Especial número 1692425-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellize.

[6] Artigo 69-A LFR – “durante a recuperação judicial, nos termos dos art. 66 e 67 desta lei, o juiz poderá, depois de ouvido o Comitê de credores, autorizar a celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades e as despesas de reestruturação ou de preservação do valor de ativos.”

[7] “O entendimento da Segunda Seção desta Corte é no sentido de ser o juízo onde se processa a recuperação judicial o competente para julgar as causas em que estejam envolvidos interesses e bens da empresa Recuperanda.” STJ, AgInt no CC 149736/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Fellize.” Ainda no mesmo sentido, STJ, AgRg no CC 129290/PE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira.

[8] Artigo 8º Lei de arbitragem – A cláusula compromissória e autônoma em relação ao contrato em eu estiver inserta, de tal sorte que a nulidade desta não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único – Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou, por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

 

Fonte: Conjur.

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