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22-03-2016 

Uma nova abordagem da garantia fiduciária no processo de recuperação judicial

Questiona-se como salvaguardar o direito de credores titulares de contratos com garantia real, que, enfim, não estão sujeitos ao plano de recuperação judicial, não sofrendo, via de consequência, abalo em suas garantias.

Após anos de debates entre a comunidade empresarial brasileira, juristas, representantes de instituições financeiras e governo, aprovou-se a lei 11.101, de 9/2/05, em vigência no ordenamento jurídico brasileiro há mais de 10 anos.

O propósito da nova lei foi criar mecanismos mais eficientes para que o empresário, podendo fazer uso de um conjunto de soluções administrativas, financeiras, de reorganização societária e pagamentos, consiga, efetivamente, promover o saneamento do estado de crise econômico e/ou financeira.

Neste ideal, criou-se o procedimento de recuperação judicial que proporciona ao empresário devedor mecanismos de superação da situação de crise econômico-financeira fundado nos princípios da preservação da empresa, do desenvolvimento de sua função social e o estímulo à atividade econômica, permitindo, assim, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.

Para tanto, o legislador confere amplitude e liberdade de opção ao devedor estabelecendo no artigo 50 da lei 11.101/05, de modo não taxativo, diversas soluções que poderão ser adotadas para viabilizar o saneamento das dívidas, englobando-se, dentre outros, as hipóteses de reorganização societária, parcelamentos, redução de juros, alteração do controle societário, constituição de sociedade de credores, venda parcial de bens, etc., para que, uma vez saneada, a empresa possa continuar a produção de bens e serviços, geração de riquezas e o fomento da economia brasileira.

Questiona-se, porém, como salvaguardar o direito de credores titulares de contratos com garantia real, que, enfim, não estão sujeitos ao plano de recuperação judicial, não sofrendo, via de consequência, abalo em suas garantias. Inserem-se aqui os contratos de alienação fiduciária em garantia.

Destarte, cuida-se da hipótese em que o devedor em recuperação judicial é o comprador de coisa móvel ainda não quitada e que apenas detém a posse do bem (direita ou indireta) mas não seu domínio.

A alienação fiduciária em garantia se caracteriza com a transferência pelo devedor ao credor, da posse indireta da coisa móvel. O credor retém a posse indireta e o domínio resolúvel sobre a coisa. O devedor figura-se na qualidade de possuidor direto e depositário do bem móvel, assumindo todas as responsabilidades e encargos pela sua guarda. Portanto, o definitivo domínio apenas poderá ser exercido quando cumprida a condição resolutiva do pagamento, por isso se diz que o domínio é resolúvel.

Não ocorrendo o pagamento, todavia, o credor fiduciário não se sujeita ao plano de recuperação judicial e tampouco ao rateio coletivo da massa falida se acaso o devedor tiver sua falência decretada, tendo a prerrogativa de pedir a restituição do bem. Tem-se, pois, que a recuperação não suprime as garantias reais decorrentes de contratos dessa natureza.

Esta solução se amolda ao próprio instituto da alienação fiduciária em garantia cujos bens não podem integrar o acervo patrimonial do devedor, exatamente porque não são de sua propriedade, devendo ser restituídos ao proprietário fiduciário quando assim requerido.

Em que pese tenham contratos dessa natureza a força da garantia sobre o próprio bem, instaura-se verdadeiro conflito de interesses e direitos quando o devedor em recuperação judicial precisa dar continuidade ao exercício das atividades empresárias, tornando-se imprescindível a utilização de bens essenciais à atividade, dentre eles, eventualmente, bens adquiridos por alienação fiduciária.

Isto porque a recuperação judicial exige da empresa determinação para o efetivo cumprimento do plano, sua correção quando assim se tornar necessário e o comprometimento para com um regime jurídico diferenciado, assim concebido como verdadeira oportunidade de soerguimento que lhe é assegurada por lei. Exatamente para que consiga sair da crise, é essencial que a empresa não tenha abalada sua capacidade de produção, isto é, que tenha assegurado a continuidade das atividades empresárias sem grandes surpresas.

Neste ponto, cabe sopesar o conflito de interesses entre os pedidos de restituição de bens decorrentes de contratos de alienação fiduciária em garantia e a necessidade da empresa recuperanda em manter-se na posse do bem essencial à sua produção.

Com efeito, despachos que concedem medidas liminares de busca e apreensão de veículos ou maquinários em geral essenciais à atividade empresária, podem pôr em risco a continuidade da empresa, afetando o cumprimento do plano de recuperação judicial com risco de ser convolada a recuperação em falência, certamente, uma medida drástica e não esperada pelo devedor, pelos colaborados ou mesmo pelos credores.

Não se propõe o descumprimento de mandados de busca e apreensão, mas sim, um modo de reverter seus efeitos para permitir que a posse dos bens seja assegurada ao empresário devedor em recuperação judicial, justamente porque são bens essenciais à manutenção das atividades empresárias e da fonte produtora, notadamente quando já houve o cumprimento substancial do contrato. Cogita-se, portanto, a modificação nos efeitos da busca e apreensão.

Trata-se, pois, de situação que vem sendo enfrentada pelos Tribunais Superiores, admitindo-se que bens apreendidos em ação de busca e apreensão, quando essenciais à atividade empresária do devedor, possam ficar em sua posse enquanto tramitar o processo de recuperação judicial, fato que não enseja violação ao artigo 3º do decreto-lei 911/69.

Admite-se, portanto, que veículos ou maquinários indispensáveis ao funcionamento da empresa fiquem em depósito com o devedor fiduciário durante o trâmite da recuperação judicial, aplicando-se a ressalva final contida no § 3º do art. 49 da lei 11.101/05 justamente porque são bens essenciais ao desenvolvimento das atividades econômico-produtivas.

Nestes termos, por ser medida menos gravosa ao devedor além de conferir efetividade à recuperação judicial que, busca, ao final, promover meios eficazes de soerguimento do devedor, mantém-se a garantia de credores fiduciários limitando-se, porém, o exercício da posse assegurada à empresa recuperanda durante o processo de recuperação, sem que isso implique em prejuízo para o credor.

Por Roberta Machado Branco Ramos

Fonte: Migalhas

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