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19-03-2024 

Transação tributária na recuperação judicial apresenta bons resultados

Acordos entre Fisco e contribuintes podem colaborar para a manutenção da atividade da empresa em RJ

Em 2020, uma lei previu condições mais favoráveis para as empresas em recuperação judicial (RJ) firmarem transações tributárias com a União (Lei 13.988/20). Desde então, e em face do aumento do número de RJs, os acordos de transação tributária feitos entre empresas nessas condições e o Fisco se tornaram significativos. A transação tributária é um mecanismo de regularização fiscal baseado em concessões dos devedores (contribuintes) e credores (Estado).

“Para o governo, a adesão é benéfica na medida em que aumenta as chances de pagamento dos créditos tributários, bem como aumenta as chances de a recuperação judicial ter como resultado a manutenção das atividades empresariais e, com isso, a continuidade da produção de riquezas pela empresa, manutenção de seus empregados e recolhimento de tributos correntes”, afirmam Frederico Bakkum e Gabriella Oliveira, associados do Vieira Rezende Advogados. Quando a maior parte da dívida da empresa é tributária, a transação também costuma beneficiar os demais credores, seja evitando a necessidade de a empresa entrar em RJ, seja aumentando a possibilidade de pagar as demais dívidas.

As empresas também saem ganhando: “[…] ao optar pela transação tributária, os recursos financeiros da empresa podem ser redirecionados às suas áreas mais críticas, favorecendo sua reestruturação. Em última análise, a retomada das atividades econômicas da companhia leva à satisfação do plano apresentado aos credores”, avaliam Júlia Swerts e Nathan Amaral, associados do Freitas Ferraz Advogados.

Aumento do uso da transação tributária em RJs

Os números da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostram que a transação tributária como um todo ( e não só voltada a empresas em RJ) vem crescendo: os valores inscritos em dívida ativa, e que foram arrecadados, subiram de 12,1 bilhões de reais no primeiro semestre de 2021 para 21,9 bilhões de reais no mesmo período de 2023, sendo 45% resultantes de acordos de transação tributária. E a representatividade das empresas em RJ nos acordos de transação tributária também vem sendo relevante: em 2022 (até 01/07/22), estes contribuintes representavam 35% das transações individuais, de acordo com o 4º Relatório de Pesquisa do Observatório de Transações Tributárias do Insper.

Já a 5ª edição do Relatório mostrou, de acordo com reportagem publicada na Folha de São Paulo, que os prazos de pagamento e descontos nas transações foram similares aos dados para demais credores nas ações de recuperação judicial.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende comentam o uso da transação tributária na RJ.

– Quais são as condições para que as empresas em recuperação judicial (RJ) participem de transações tributárias? Elas podem participar dos mesmos editais aplicáveis às demais empresas?

Frederico Bakkum e Gabriella Oliveira: A Lei 13.988/20 prevê condições mais favoráveis às empresas em recuperação judicial para firmarem transações tributárias com a União Federal.

Nesse sentido, os débitos de empresas em recuperação judicial são presumidamente irrecuperáveis ou de difícil recuperação (§5º, do artigo 11, da Lei 13.988/20), autorizando a concessão de expressivos descontos de até 70% do valor da dívida, que ainda pode ser parcelada em até 145 prestações, além de estarem habilitados à transação individual mesmo que os débitos sejam inferiores a R$ 10 milhões.

Isso representa a possibilidade de se aplicar um benefício mais generoso do que o aplicado à maior parte dos contribuintes, cujo desconto, em geral, é limitado a 65% do valor da dívida, a ser paga no prazo máximo de 120 meses, e que na maioria dos casos não estão habilitados à transação individual.

A legislação também defere às empresas em recuperação judicial a flexibilização das regras para aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias; a flexibilização das regras para constrição ou alienação de bens, facilitando a realização de transações individuais.

Em princípio, não há vedação para adesão a editais aplicáveis às pessoas jurídicas em geral, no entanto, em alguns casos essa adesão pode não ser uma alternativa viável, por não trazer condições generosas o suficiente para a manutenção da atividade das empresas em recuperação judicial.

Vale dizer, por outro lado, que os editais tendem a ser uma opção mais simples e rápida para os contribuintes, podendo ser uma alternativa interessante, em especial para aqueles contribuintes que possuem um perfil de dívida com uma quantidade menos representativa de débitos tributários federais.

Essa possibilidade se mostra cada vez mais relevante, sobretudo num contexto em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) está mudando de orientação, passando a considerar a apresentação de certidão de regularidade fiscal indispensável para o processamento da recuperação judicial. 

Júlia Swerts e Nathan Amaral: A empresa em recuperação judicial poderá celebrar transação tributária individual ou por adesão. Na primeira, negocia-se caso a caso as condições personalizadas, baseadas na capacidade de pagamento da empresa. Na segunda, adere-se a edital com condições pré-definidas e os editais são destinados especificamente a pessoas jurídicas em recuperação judicial, que não poderão participar daqueles destinados às demais empresas.

Nos editais, as condições para adesão e a natureza dos benefícios variam de acordo com o ente federativo com que se negocia o crédito (União, Estados ou Municípios). Contudo, não raro, as condições da União são replicadas pelos demais entes federativos.

Em regra, exige-se pagamento de entrada mínima (em torno de 5% do total do débito), manutenção das garantias associadas aos débitos inscritos e apresentação de novas garantias reais ou fidejussórias. Além disso, exige-se a não distribuição de lucros ou dividendos a sócios e acionistas até aprovação do plano de recuperação judicial, e a regularização, no prazo de 90 dias, de débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou que se tornarem exigíveis após a formalização da negociação (Portaria PGFN nº 2382/2021).

Por fim, a transação individual tem prazo. Somente poderá concedida entre o deferimento do processamento da recuperação judicial e o momento imediatamente anterior à concessão da recuperação judicial.

Obedecidas as condições, faz-se jus aos benefícios. No âmbito federal, é possível obter a aplicação de descontos de até 70% e parcelamento de até 145 vezes. No geral, o pagamento do saldo remanescente é feito muitas vezes com emprego de créditos acumulados, levantamento de depósitos judiciais, uso de prejuízo fiscal e de precatórios, inclusive de terceiros, adquirido com deságio. De toda forma, haverá a suspensão das execuções fiscais.

– Para os demais credores da empresa em RJ, é benéfica a sua adesão à transação tributária? E para o governo? 

Frederico Bakkum e Gabriella Oliveira: Para o governo, a é adesão é benéfica na medida em que aumenta as chances de pagamento dos créditos tributários, bem como aumenta as chances de a recuperação judicial ter como resultado a manutenção das atividades empresariais e, com isso, a continuidade da produção de riquezas pela empresa, manutenção de seus empregados e recolhimento de tributos correntes.

No mesmo sentido, a transação também é benéfica para os demais credores, em especial nos casos em que a maior parte da dívida é de natureza tributária. Isso porque a própria necessidade de RJ pode ser evitada nesses casos, diminuindo o risco dos demais credores, potencialmente aumentando a possibilidade de adimplemento das dívidas.

Por outro lado, há credores que podem, eventualmente, ser prejudicados, pois a sua posição na ordem preferencial de pagamentos é anterior à posição dos créditos tributários, como é o caso das verbas trabalhistas. Nesses casos, elas acabam correndo um risco maior de não serem adimplidas pela empresa em RJ, ou de demorarem mais tempo para serem adimplidas, dado que parte do pagamento é previamente destinado à transação tributária.

Júlia Swerts e Nathan Amaral: A exigência da comprovação da regularidade fiscal e a possibilidade de transação é benéfica para ambos. Primeiro, porque como regra exige-se a apresentação de certidões negativas de débitos tributários como requisito para própria concessão da recuperação judicial à empresa, sob pena de convolação ou decretação da falência da sociedade.

Embora esse entendimento tenha sido flexibilizado pela jurisprudência do STJ durante muito tempo, há sinais de reposicionamento jurisprudencial após a edição da Lei nº 14.112/20, que passou a prever parcelamentos especiais, bem como a possibilidade de transação tributária para regularização fiscal da empresa.

Segundo, porque, ao optar pela transação tributária, os recursos financeiros da empresa podem ser redirecionados às suas áreas mais críticas, favorecendo sua reestruturação. Em última análise, a retomada das atividades econômicas da companhia leva à satisfação do plano apresentado aos credores.

Por fim, para o governo, a transação garante, antes mesmo da própria apreciação do plano, ainda que com deságio e condições especiais, uma previsão de pagamento dos créditos tributários, aumentando-se a probabilidade de sua satisfação. Deve-se lembrar que, pela lei, apesar dos privilégios, tais créditos não têm prioridade sobre créditos trabalhistas e créditos gravados com garantia real.

– Há empecilhos para a adesão de empresas em RJ à transação tributária ou isso tem transcorrido de forma satisfatória? Há algo a aprimorar?

Frederico Bakkum e Gabriella Oliveira: As transações tributárias apresentam-se atualmente como um importante instrumento de regularização fiscal para as companhias que enfrentam dificuldades fiscais, podendo vir ofertar descontos expressivos sobre valor total da dívida e a ampliação prazo para pagamento.

Não por outra razão, o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em seu 5º Relatório de Pesquisa, realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Tributação, destacou que, em divergência com os pedidos recuperação judicial, as transações tributárias vêm apresentando um aumento gradativo entre os anos de 2016 e 2022.

Cumpre rememorar que a partir do ano de 2020 foi regulamentada a possibilidade de as empresas que possuem pedidos de recuperação judicial efetuarem transações tributárias. Como resultado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, no primeiro semestre de 2021, arrecadou R$ 12,1 bilhões a título de valores que estavam inscritos em dívida ativa, enquanto no primeiro semestre de 2023, o valor arrecadado foi de R$ 21,9 bilhões, sendo 45% desse valor resultado de acordos de transação tributária.

Desse modo, tudo indica que a adesão às transações tributárias tem ocorrido de forma satisfatória para a regularização fiscal de empresas em recuperação judicial.

Aspectos operacionais das transações, em especial no âmbito da Receita Federal, poderiam ser aprimorados. A oferta de sistemas que viabilizem a simulação de uma proposta factível de acordo, de forma mais intuitiva e clara, bem como de ferramentas que facilitem o processo de negociação, seria interessante.

Júlia Swerts e Nathan Amaral: A transação tributária vem sendo um importante instrumento de regularização fiscal, sendo amplamente incentiva pelo Poder Público nos últimos anos. No âmbito da recuperação judicial, a própria Lei nº 14.112/20 e suas regulamentações são exemplos disso.

É seguro dizer que os contribuintes estão aderindo a essa proposta. O 4º Relatório de Pesquisa do Observatório de Transações Tributárias do Insper apurou que, até o dia 01/7/2022, aproximadamente 35% dos contribuintes que celebraram transações tributárias individuais encontravam-se em processo de Recuperação Judicial ou Falência, em uma crescente em relação ao último relatório divulgado em 30/06/2021.

– Estudo do Insper mostrou que os descontos e prazos de pagamento para impostos estão em linha com os dados aos demais credores de empresas em RJ. Como você avalia essa constatação?

Frederico Bakkum e Gabriella Oliveira: A celebração da transação tributária e o resultado relativo ao pagamento dos créditos tributários estar alinhado aos demais, quando analisado os descontos e os prazos, nos parece um bom indicativo, é sinal de que as transações estão efetivamente se adequando à necessidade de descontos/prazo demandada em cada caso concreto.

É positivo para companhia, ao passo que irá, possivelmente, quitar todos os seus créditos, independente da natureza, com os mesmos descontos e prazos para pagamento, de igual modo é positivo aos demais credores que irão receber os valores devidos.

Júlia Swerts e Nathan Amaral: O resultado da pesquisa mostra um alinhamento de interesses entre a satisfação do crédito tributário e o propósito da recuperação judicial, isto é, a preservação da atividade empresarial. Isso é o que se espera da maior credora das empresas, a União. Afinal, a falência impede a reabilitação da empresa. Por consequência, as sociedades não geram riqueza nova, o que impacta na arrecadação e na política pública, que deveria incentivar a livre iniciativa e o combate ao desemprego. Esse era inclusive o motivo de o STJ flexibilizar a exigência da apresentação de certidão negativa de débitos fiscais para processamento da recuperação judicial.

O legislador percebeu isso e permitiu a transação tributária nesses casos. Sobreveio então o receio de as condições previstas serem mais generosa do que deveriam ou, ao contrário, mais rígidas.

No entanto, a pesquisa mostra empiricamente que os critérios estão coerentes, uma vez que, na mediana, os descontos e as condições de parcelamento concedidos aos débitos tributários são praticamente os mesmos que aqueles concedidos às dívidas com garantias reais. O estudo demonstrou que, enquanto na transação os débitos tributários têm em média desconto de 68%, podendo ser parcelados durante 120 meses, os débitos assegurados com garantia real, que inclusive precedem às dívidas tributárias na falência, têm desconto de 70% em média, sendo parcelados, em regra, em 150 meses.

É um posicionamento estratégico da União, que vinha perdendo essas batalhas na esfera judicial, ao mesmo tempo em que permite uma segunda chance às empresas.

 

Fonte: Legislação e Mercados.

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