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02-10-2020 

TJ-SP facilita venda de empresa em recuperação

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) autorizou a venda de cotas de uma empresa em recuperação judicial - com transferência de controle - sem a necessidade de aval dos credores. Os desembargadores afirmam, na decisão, não se tratar de alteração do plano de pagamento e que aos credores importa o cumprimento das obrigações assumidas pela devedora, independentemente de quem a administra.

Advogados que atuam na área dizem que, desta vez, o tribunal se mostrou bem menos rigoroso do que em julgamentos anteriores. Há casos, afirmam, de empresas que, além de submeter o negócio aos seus credores, precisaram apresentar, nos autos, a documentação e passar por todo um processo de análise de capacidade de pagamento e gerenciamento das dívidas.

Essa “burocracia”, na visão dos advogados, acaba atrasando o negócio e prejudicando a empresa que precisa de dinheiro novo para se manter no mercado.

A decisão foi proferida pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Se deu no processo de recuperação da Cajuru Indústria e Comércio de Alimentos, conhecida pela marca Gold Meat (agravo de instrumento nº 2160442-08.2020.8.26.0000).

A indústria havia apresentado recurso contra decisão de primeira instância que determinava manifestação prévia do administrador judicial, exigia a publicidade do contrato e ciência de todos os credores e ainda a deliberação em assembleia-geral. Essa discussão envolve um contrato de opção de compra de 80% das cotas sociais da empresa.

O administrador judicial discordou do contrato porque os sócios da empresa e o fundo de investimentos interessado na aquisição pactuaram pagamento menor que o valor de avaliação de mercado - cerca de R$ 800 mil a menos. Também havia ponderado ao juiz da primeira instância não existir, no contrato, a previsão de que os resultados dos investimentos seriam utilizados para o cumprimento do plano de recuperação da empresa.

O relator do caso no TJ-SP, desembargador Fortes Barbosa, diz que foi feita “uma leitura equivocada” do contrato. “Além de projetar a alienação de participação societária e da conferência de controle majoritário, prevê um acordo pelo qual a parte adquirente se compromete a investir montante muito superior ao total ajustado a título de preço das cotas”, afirma.

Além disso, destaca na decisão, “a avaliação de mercado, em se tratando de empresa submetida à recuperação judicial, não condiz com o valor equivalente ao capital social integralizado” e, ainda segundo o desembargador, tem de se levar em conta o contexto de crise atual.

Fortes Barbosa acrescenta que a cessão de cotas de uma sociedade limitada configura negócio jurídico celebrado entre particulares, que obedece as regras do Código Civil, independentemente de haver ou não alteração de controle societário.

“O conteúdo econômico celebrado não se sujeita ao controle de credores ou do Poder Judiciário”, diz. “Não há proposta de alteração do plano de recuperação homologado. Aos credores importa o cumprimento das obrigações assumidas pela empresa recuperanda, independentemente de quem a administra.”

Pesou para a decisão, ainda, o fato de os credores, ao aprovarem o plano de pagamento em assembleia-geral, terem validado uma cláusula “genérica” autorizando, previamente, “operações de reorganização societária”.

O Valor não conseguiu localizar algum representante da Cajuru para comentar a decisão.

Especialista na área, Ricardo Siqueira, sócio do escritório RSSA, diz que a decisão é importante porque apesar de o mercado sempre ter defendido que a Lei de Recuperação e Falências (nº 11.101, de 2005) não impede a alienação de cotas, alguns juízes exigiam a anuência dos credores. “A decisão esclarece isso de vez”, afirma. “Qual seria a razão de deixar os sócios amarrados eternamente a um negócio?”

O advogado Paulo Bardella Caparelli, sócio do escritório Viseu, concorda. “Não há qualquer restrição em lei”, diz ele, complementando que são muito comuns transações envolvendo “fundos de ativos estressados” - da denominação americana “distressed assets funds”, que atuam justamente na procura e negociação de empresas em crise financeira.

Para as companhias em recuperação, afirma, “é extremamente vantajoso”. “Porque atrai dinheiro novo para o negócio. Um novo sócio, que acredita na empresa, e está disposto a investir, pagar os credores, tributos e gerar empregos.”

O entendimento no caso da Cajuru Alimentos representa uma vitória para a segurança jurídica de negócios societários nesse contexto de “distressed assets”, diz Paulo Trani, sócio do escritório Abe Giovanini. “Garante maior previsibilidade e não interferência do Poder Judiciário nas condições econômicas.”

Fonte: Valor

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