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14-08-2024 

STJ: Juízo da recuperação judicial pode analisar impugnação de crédito

Recorrente alegava que crédito era ilíquido e deveria ser decidido em ações anteriores à recuperação judicial.

Por maioria, 3ª turma do STJ entendeu que o juízo da recuperação judicial é competente para apreciar questionamento de crédito. 

No caso, o proprietário de uma empresa de combustíveis era diretor financeiro de uma refinaria. Durante a gestão conjunta, foram realizados três contratos de mútuo entre as companhias. Posteriormente, o diretor financeiro saiu da sociedade e impetrou ação de execução contra a refinaria, alegando que os valores acordados nos contratos de mútuo não foram repassados. 

Em resposta, a refinaria ajuizou ação de prestação de contas, alegando que havia confusão patrimonial entre as empresas e que as questões financeiras ultrapassavam os valores dos mútuos.

Ocorre que, um ano depois a refinaria entrou em recuperação judicial. A empresa de combustíveis, então, desistiu das execuções e pediu habilitação como credora na ação de recuperação.

A refinaria, então, interpôs agravo de instrumento contra decisão que negou o pedido de exclusão de empresa de combustíveis da lista de credores. Argumentou que o crédito da empresa estava sendo discutido em outras ações judiciais e, por isso, ela não deveria ser inclusa na lista de credores até que a questão fosse definitivamente resolvida. 

Defesa da refinaria

Em sustentação oral, o advogado da refinaria, Djaci Alves Falcão Neto, argumentou que, como o título não era líquido, a habilitação na recuperação judicial não era cabível e que o crédito deveria ser discutido nas ações judiciais originárias.

O advogado sustentou que a legislação é clara: quando não há liquidez no título, ele deve ser discutido no juízo original onde foi inicialmente ajuizado. 

Destacou que, no caso, as ações de execução e de prestação de contas foram propostas muito antes do pedido de recuperação judicial, e que o valor em discussão representa quase 50% do total envolvido na recuperação judicial. 

Segundo ele, se a empresa de combustíveis for habilitada como credora, isso poderá levar à anulação da assembleia de credores e causar uma confusão processual que poderia inviabilizar a recuperação da refinaria.

Além disso, o advogado apontou que a perícia realizada no âmbito da recuperação judicial reconheceu a existência de um suposto crédito da empresa em relação à refinaria, mas também destacou que não havia liquidez no título, devido à existência de disputa acerca do valor de aproximadamente 11 milhões de reais.

Ele argumentou que, caso as ações de execução e prestação de contas sejam extintas, a empresa de combustíveis poderá sofrer sucumbência, o que impactaria negativamente na recuperação judicial.

Defesa da empresa de combustíveis

Por outro lado, a defesa da empresa de combustíveis, representada pelo advogado Marcelo Bittar, afirmou que a ação de prestação de contas foi extinta e que tal ação não deveria prejudicar os títulos que fundamentaram as execuções. 

O advogado defendeu que os títulos em questão são líquidos, certos e exigíveis, e que os valores repassados para a refinaria estavam devidamente contabilizados.

Ele enfatizou que o simples fato de a refinaria ter oposto embargos à execução não retira a liquidez, certeza e exigibilidade dos títulos.

Além disso, o advogado ressaltou que o crédito da empresa de combustíveis havia sido reconhecido pelo administrador judicial como certo e exigível, e que a própria refinaria, ao impugnar o crédito, solicitou a realização de prova pericial contábil. 

Ele também criticou a liminar que impediu a empresa de participar da assembleia-geral de credores, argumentando que isso prejudicava a posição da credora no processo de recuperação judicial.

Voto do relator

O relator, ministro Humberto Martins, ao analisar o caso, entendeu que a certificação do crédito deveria ser feita no juízo de origem competente, conforme previsto no art. 6º, § 1º, da lei 11.101/05. 

Assim, votou no sentido de que a questão da liquidez e certeza do crédito da empresa de combustíveis deveria ser apurada nas ações judiciais previamente propostas, antes que qualquer inclusão do crédito na lista de credores da recuperação judicial.

Voto divergente

Ministra Nancy Andrighi entendeu, a seu turno, que é perfeitamente viável e necessário que o crédito seja apurado nos próprios autos da recuperação judicial. 

Mencionou o art. 8º da lei de recuperação judicial, que estabelece prazo de 10 dias contados da publicação da relação de credores para apresentar ao juiz impugnação contra a relação, apontando a ausência de crédito ou questionando sua legitimidade e importância.

Portanto, entende que eventuais irregularidades devem ser objeto de impugnação, cuja competência para julgamento, conforme o art. 13, da mesma lei, pertence ao juízo onde tramita a ação de recuperação.

Ademais, ressaltou que o art. 15 da mesma lei estabelece que, uma vez apresentada a impugnação e decorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12, os autos serão conclusos ao juiz, a quem caberá determinar as provas a serem produzidas, inclusive designando audiência, se necessário.

A interpretação conjunta dessas normas, afirmou Nancy, leva à conclusão de que compete ao juízo da recuperação julgar a impugnação apresentada pela devedora, não havendo impedimento legal para a produção de prova pericial no incidente.

A ministra ressaltou que a regra do art. 6º, § 1º, da lei de recuperação judicial autoriza a continuidade da tramitação dos processos, mas sua aplicação é restrita às ações que demandam quantia ilíquida. Portanto, essa regra não se aplica às execuções, uma vez que a liquidez é um pressuposto dessas ações. Diferentemente do relator, a ministra entendeu que esse dispositivo legal não pode fundamentar ou acolher a pretensão discutida.

Assim, concluiu que, na hipótese de execuções, exceto nos casos previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49, a opção legislativa foi pela suspensão da tramitação a partir do momento em que a recuperação judicial do devedor é decretada. Ademais, quando a execução versa sobre créditos concursais, não haverá retomada da tramitação, mas sim sua extinção.

Nesse sentido, ressaltou ainda que as turmas da 2ª seção do STJ entendem que não é possível que a execução individual de créditos incluídos no plano de recuperação continue no juízo comum, mesmo em caso de inadimplemento posterior.

Ademais, a ministra observou que a apuração do crédito não poderia ocorrer em uma ação de prestação de contas, pois esta versa sobre um objeto direto e não envolve a recorrida como parte na relação processual.

Ao final, negou provimento ao recurso e foi acompanhada em seu entendimento pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Processos: REsp 2.050.819, REsp 1.893.564, REsp 2.055.190

 

 

Fonte: Migalhas.

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