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18-08-2020
Soluções extrajudiciais viram alternativa à recuperação durante a crise
A crise econômica provocada pela pandemia de Covid-19 no país ainda não deu sinais de que irá passar, mas já deixou muitas vítimas pelo caminho. Dados divulgados pela Boa Vista Serviços dão conta que em no mês de maio os pedidos de recuperação judicial cresceram 68,6%. As recuperações deferidas aumentaram 61,5% na comparação com abril deste ano.
Os pedidos de falência subiram 30% na mesma comparação; as falências decretadas, por outro lado, diminuíram 3,3%. Nesse cenário, especialistas ouvidos pela ConJur apontam que é mais viável recorrer a soluções extrajudiciais para tentar contornar os efeitos da crise.
O advogado Felipe Granito, sócio do escritório GCBA Advogados Associados, defende que o empresário deve tentar esgotar outros recursos antes de recorrer ao Judiciário. "A ideia é tentar fazer com que o cliente não entre em Recuperação Judicial. Uma empresa que tem uma dívida de até 15 vezes o faturamento mensal dela tem condições de negociar com o banco e se recuperar", explica.
Granito conduziu um processo de negociação de uma empresa de revestimentos de Jundiaí, que viu a sua dívida de R$ 1 milhão ser quitada por R$ 35 mil, uma redução de 97%. "Não dá para ter um resultado assim sempre. É preciso fazer todo um trabalho de reestruturação patrimonial e societária para ver a viabilidade", explica.
Ele explica que o êxito no acordo está relacionado a uma série de fatores: "Um deles é a atuação abusiva dos bancos, que utilizam indevidamente o crédito rotativo da empresa para quitar parcelas que estão em débito automático. Com isso, a dívida do cliente com a instituição só aumenta. Esse tipo de cobrança tem sido reconhecida como ilícita pelo judiciário", comenta.
Outro ponto que explica o sucesso de negociações como essa é que, mesmo sendo o credor, o banco também tem interesses em abreviar a solução da dívida. Um deles é liberar o valor provisionado no Banco Central. Ao emprestar dinheiro, o banco é obrigado a provisionar no BC um percentual que pode chegar a 100% da quantia, conforme a classificação do crédito.
"Com a crise provocada pelo avanço da Covi-19 muitas empresas passaram a se tornar inadimplentes e o bancos precisaram aumentar o provisionamento muito mais. Tanto que o Banco Central baixou algumas regulamentações estendendo o prazo de necessidade de provisionamento", explica.
Segundo ele, a tese de erro de administração de conta que questiona o uso do o crédito rotativo da empresa para quitar parcelas que estão em débito automático já tem precedente persuasivo no TJ-SP e no STJ e já foi usada em negociações de empresas de diferentes segmentos.
Custos e planejamento
Roberto Keppler, sócio da Keppler Advogados Associados, é outro profissional que acredita que o caminho para empresas em crise nem sempre passa por uma recuperação judicial. "A recuperação exige conhecimento técnico, assessoria especializada e tem custos caros. É um remédio que pode até ser usado, mas com ponderação e não se aplica a pequenas e médias empresas", comenta.
Keppler lembra que existe uma tendência até do Judiciário de evitar a recuperação judicial com a implementação de ambientes de conciliação e mediação. "O que falta muitas vezes na empresa em uma negociação é demonstrar claramente um diagnóstico claro do que aconteceu com a empresa e um plano sólido para sair da crise", diz.
Ele cita o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo que instituiu um projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid-19. "Já temos algo parecido no TJ-PR, no Rio de Janeiro e essas iniciativas tem se espalhado", comenta.
O advogado explica que em condições de crise como a imposta pela Covid-19 é fundamental tentar buscar saídas fora da Justiça. "Se todo mundo em dificuldades recorrer à Justiça a prestação jurisdicional será lenta e não conseguirá atender as demandas da empresa e do mercado", afirma.
Questão de tempo
Para Domingos Fernando Refinetti, advogado, sócio da área de Recuperação Judicial do escritório WZ Advogados, é preciso que o empresário tenha senso crítico e não adie a resolução dos problemas. "Muitas empresas enxergam a recuperação judicial como uma simples oportunidade de postergar o pagamento de dívidas. Temos que usar essa ferramenta como um mecanismo efetivo de reestruturação de empresas", explica.
O advogado explica que muitas vezes as empresas optam pela recuperação judicial quando já é tarde demais. "Não adianta nada pedir recuperação quando a empresa já é praticamente inviável. É preciso ter espaço para negociar e fazer uma reestruturação. No geral esse instrumento jurídico é mal utilizado", critica.
Refinetti explica que com um trabalho antecipado de recuperação é muitas vezes possível fazer acordos com credores de maneira extrajudicial com a chancela da Justiça. "Essa opção é um pouco mais sofrida do que uma simples renegociação com credores, mas ainda é muito menos traumática do que uma recuperação judicial", comenta.
Ele explica que na atual conjuntura a mediação é um dos caminhos mais promissores. "É preciso mapear quem são os credores chaves e instituir um diálogo que seja de boa fé e um nível de entendimento que não frustre as expectativas de ninguém", diz.
"Se esse ambiente de mediação funcionar pode-se fazer uma acordo fora do sistema judicial, extrajudicial com a chancela da Justiça ou mesmo uma recuperação judicial mais rápida e menos traumática. O segredo é estimular o diálogo e ser transparente", resume.
Fonte: ConJur