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23-09-2020
Sem acordo, Livraria Cultura pode ir à falência
A maioria dos credores da Livraria Cultura rejeitou alterações no plano de recuperação judicial da companhia, o que pode levá-la à falência nos próximos dias. Em junho, a rede havia apresentado um aditamento ao plano aprovado em 2019, alegando que, por conta da pandemia, que fechou suas lojas, não estava conseguindo cumprir com as obrigações assumidas.
Com a recusa dos credores, a Livraria Cultura terá um prazo de 5 dias para provar à Justiça que o plano inicialmente aprovado está sendo cumprido. Se não o fizer, a RJ será convolada em falência. O prazo deverá começar a correr entre hoje e amanhã, quando se espera que seja publicada no Diário Oficial decisão do juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 2a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre a assembleia de credores.
De acordo com fontes, a Livraria Cultura deixou de cumprir com as obrigações do plano na pandemia. Assim, precisa conseguir colocar a situação em dia nesse pequeno prazo, provavelmente trazendo um investidor, para não ter a falência decretada. O seu ativo de maior valor, nesse momento, é a marca.
A história da rejeição do plano da livraria é no mínimo curiosa e se insere em tempos de assembleias virtuais. Até a decisão do juiz, sexta-feira, a rede tinha a expectativa de que o aditamento ao plano fosse considerado como aprovado.
A assembleia aconteceu de maneira eletrônica no dia 14 de setembro, teve mais de 10 horas de duração e contou com mais de 150 credores, de quatro diferentes classes, conectados. Conforme uma petição enviada ao juiz pelo Felsberg Advogados, que trabalha para a Livraria Cultura, “a renegociação foi debatida à exaustão”.
O resultado da votação foi a aprovação por todas as classes dos credores, à exceção da classe IV, que reúne microempresas ou empresas de pequeno porte. Nesse grupo de credores, o plano foi inicialmente rejeitado por 53,3%.
Finalizada a votação e decretado o resultado, dois credores classe IV informaram à administradora judicial Alvarez & Marsal que erraram ao proferir os votos. Em vez de contra, eram a favor do plano. Alterando esses dois votos, o resultado mudaria nessa classe para uma aprovação do plano, com 51,11%.
A credora Estação Liberdade solicitou a retificação do voto por meio de chat ainda durante a assembleia. Já a JBQ Consultoria fez o pedido no dia seguinte, 15 de setembro, às 10h36, ou a 24 minutos do horário definido para o “encerramento formal” da reunião. Esse prazo foi definido pelo administrador judicial para envio de ressalvas. No entender do Felsberg, como o pedido de alteração foi feito dentro desse prazo, deveria ser aceito. Diz o escritório na petição ao juiz que “não se defende o direito ao arrependimento, mas sim o direito do credor fazer valer sua real intenção que infelizmente não correspondeu à sua declaração no momento do conclave”. O texto diz que o evento aconteceu virtualmente, “um sistema recém testado em nosso ordenamento”.
O juiz Sacramone, em sua decisão, recusou as alterações. Ele destacou que “ressalva não se confunde com voto”. E que admitir o contrário “implicaria que a reunião prosseguiu informalmente, gerando insegurança jurídica para todos os envolvidos, que não teriam como saber se o que estava acontecendo tinha ou não valor jurídico de deliberação assemblear”.
Em conversa com o Valor, Sacramone destaca que não entrou na discussão sobre se houve ou não equívoco do credor ao proferir o voto. “Permitir a alteração do voto depois de o resultado divulgado poderia se configurar num incentivo para que isso aconteça em outros com frequência”, resumiu o juiz, reforçando que a decisão sobre a recusa do aditamento ao plano foi dos credores, não da Justiça.
Alguns advogados ouvidos pelo Valor afirmam que já estão surgindo histórias de outras assembleias virtuais em que um credor quis alterar o voto depois do resultado. “Às vezes são credores pequenos, que não entendem bem as consequências do voto. Se a assembleia é presencial, existe a possibilidade de conversar ali no momento. Na virtual, não”, afirma um advogado. Na assembleia presencial, não se cogita também a possibilidade de alterar o voto no dia seguinte.
No episódio da Livraria Cultura ficou no ar a possibilidade de que tenham sido oferecidas outras condições aos credores que mudaram o voto, uma vez que havia condições diferenciadas propostas dentro dessa classe. Livraria Cultura, Felsberg, JBQ e Alvarez & Marsal não deram entrevista.
Fonte: Valor