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26-12-2014 

Recuperação judicial x licitações

A exigência da certidão negativa de falência ou concordata para a contratação com o Poder Público, por si só, contraria os três princípios fundamentais que caracterizam o espírito da lei 11.101/05.

Em elogiável e aguardada decisão, a 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se debruçou sobre tema de extremo interesse às empresas que contratam com o Poder Público. Em recente decisão, proferida nos autos da MC 23.499, a discussão acerca da necessidade de apresentação de certidões negativas para empresas em recuperação judicial participarem de processos licitatórios, nos termos previstos no art. 52, II, da lei 11.101/051, foi trazida à baila e, acertadamente, relativizou-se a exigência da certidão negativa de falência ou concordata, exigida pelo art. 31, II, da lei 8.666/932.

Conforme é sabido, o art. 52, II, da lei 11.101/05 prevê a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor em recuperação judicial exerça suas atividades, mas, mantém a exigência das certidões para a contratação com o Poder Público, o que significa dizer que, pela letra fria da lei, empresas cujo faturamento decorra de contratos celebrados com o Poder Público não poderiam beneficiar-se do instituto da recuperação judicial. Essa falsa premissa, que resvala em absoluto contrassenso, não pode prevalecer e, ao que parece e se espera, norteará o entendimento manifestado pelo STJ com relação ao assunto.

Em primeiro lugar, deve ser levado em consideração o princípio da preservação de empresa insculpido pelo legislador no art. 47 da lei 11.101/053, que deve nortear o processo da recuperação judicial de forma a preservar o papel das empresas na sociedade de fomentar a economia, gerar empregos e receitas tributáveis. Em outras palavras, a exigência da certidão negativa de falência ou concordata para a contratação com o Poder Público, por si só, contraria os três princípios fundamentais que caracterizam o espírito da lei 11.101/05 – o da preservação da empresa, da proteção aos trabalhadores e dos interesses dos credores - e representa um óbice à intenção do próprio legislador de criar um instituto apto a efetivamente recuperar as empresas em dificuldades financeiras, inviabilizando, consequentemente, o sucesso de qualquer recuperação judicial de uma empresa cuja atividade decorra da contratação com o Poder Público.

Não bastasse isso, merece atenção a discussão acerca da exigência constante do art. 31, II, da lei 8.666/93, que expressamente se refere a "concordata" e não a "recuperação judicial". Ora, em momento algum intentou o legislador em substituir o instituto da concordata pelo instituto da recuperação judicial. Muito pelo contrário. É fato público e notório que a extinta concordata, conhecida como "favor legal", tratava-se de um instituto totalmente ineficaz e meramente antecessor da falência, que precisava, urgentemente, ser banido do nosso ordenamento jurídico. E foi exatamente por este motivo que o legislador criou um instituto completamente diferente daquele existente no Brasil e que em nada pode ser comparado à extinta concordata. Por esta razão, se afigura erro crasso a interpretação que alguns conferem ao vocábulo "concordata" constante do art. 31, II da lei 8.666/93, de que este deve ser estendido às empresas em recuperação judicial, como foi o caso da interpretação conferida pelo Ministério Público nos autos da MC 23.499 em comento.

Certamente que essa discussão ainda pode ser trilhada por diversas vertentes, mas, considerando que o Superior Tribunal não havia se posicionado especificamente sobre essa questão, esta decisão, ainda que não esgote o tema, vislumbra um cenário menos tortuoso para as empresas que contratam com o Poder Público e estudam o ajuizamento de sua recuperação judicial.

Por Maria Fernanda Lopes Ferraz Tella - advogada do escritório Gasparini, De Cresci e Nogueira de Lima Advogados. Graduada em Direito pela Universidade Mackenzie. Especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP e em Recuperação de Empresas e Falência sob a ótica da nova legislação falimentar pela GVLAW.

Fonte: Migalhas

 

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