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22-05-2025
Recuperação judicial: Transformando crises em oportunidades
A recuperação judicial, apesar de gerar insegurança, pode ser uma oportunidade estratégica de reestruturação e geração de valor para empresas, credores e demais envolvidos.
O número de processos de recuperação judicial tem aumentado significativamente ano após ano. Apenas em janeiro de 2025, houve um crescimento de 8,7% em relação ao mesmo período do ano anterior1 - que, por sua vez, já havia registrado uma elevação de 79%2 nos pedidos de recuperação. Além do cenário econômico adverso, essa tendência também se deve à mudança na percepção sobre a recuperação judicial: o processo vem deixando de ser visto como uma "antecipação da falência", o que é resultado direto de alterações legislativas que passaram a oferecer novos instrumentos para a superação da crise.
Embora o ajuizamento da recuperação judicial ainda represente um momento crítico para a empresa e imponha sacrifícios aos credores, é essencial destacar que esse processo também pode abrir portas para novas oportunidades de negócios e recuperação de crédito. Dentre as novidades legislativas mais relevantes nesse contexto, destacam-se:
A venda de UPI - Unidade Produtiva Isolada;
O financiamento ao devedor (DIP Financing).
Esses mecanismos, além de fortalecerem a empresa em recuperação, podem ser grandes oportunidades para investidores com perfil adequado, especialmente aqueles familiarizados com o mercado financeiro e com operações de risco.
UPIs: Oportunidade de aquisição segura e desonerada
As UPIs representam partes do patrimônio da empresa em recuperação que podem ser destacadas e vendidas sem comprometer sua atividade empresarial. Elas podem incluir imóveis, veículos ou até mesmo direitos de crédito. A venda de UPIs é frequentemente prevista nos planos de recuperação judicial como estratégia para geração de caixa e pagamento de credores.
Um ponto fundamental é que a aquisição de bens por meio de UPIs, geralmente por leilão, é modalidade originária de aquisição de propriedade, ou seja, livre de qualquer ônus ou sucessão de passivos. Isso está expresso no art. 60, parágrafo único, da LREF - lei de recuperação e falência:
"O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza [...]."
Para garantir essa proteção, é essencial que a alienação seja precedida de autorização judicial, realizada por meio de leilão e devidamente caracterizada como UPI, conforme exigido pelo art. 142 da LREF.3
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:
Apelação - Recuperação judicial - Sentença que decretou o encerramento da recuperação judicial de Sabó Indústria e Comércio de Autopeças S.A., em razão do cumprimento do plano respectivo no período de fiscalização judicial - Inconformismo da recuperanda, que pretende a realização de processo competitivo para a alienação judicial da UPI Lapa, na forma dos artigos 60, parágrafo único, 141 e 142 da lei 11.101/2005 - Tutela concedida no agravo interno 2024214-21.2023.8.26.0000/50000, para "que se conclua, sob a supervisão do Juízo recuperatório e da AJ, até, no máximo, 30.04.2023, o processo competitivo de alienação da 'UPI Lapa', garantindo, à adquirente, a não sucessão e a preferência para cobrir outros lances (stalking horse)" - Tutela cumprida com a realização de processo competitivo que resultou na expedição de carta de arrematação e, conforme noticiado pela recuperanda, no "pagamento integral de todos os credores sujeitos aos efeitos da Recuperação Judicial" - Tutela confirmada - Sentença reformada - Recurso provido.
(TJ/SP; Apelação Cível 1037522-74.2019.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 30/1/24; Data de Registro: 30/1/24)
Considerando a constante crescente dos processos de recuperação judicial, nos quais cada vez mais se observa empresas de grande porte como autoras, com patrimônio vasto e de alto valor, parte dos quais, na maioria das vezes, são indicados como UPIs para pagamento dos credores, a participação nos certames pode ser um boa oportunidade para aquisição de patrimônio valioso, livre de ônus e por um preço mais acessível, tendo em vista que a legislação falimentar afasta a caracterização de preço vil, como estabelece o art. 142, § 2, V da LRE.
Por outro lado, não só como adquirente direto de UPI pode ser uma boa oportunidade, mas também como credor beneficiário da sua venda, quando atrelada ao cumprimento do plano. Assim, estruturar junto a Recuperanda ou por meio de plano alternativo, quando existir tal cenário, pagamento de referida classe ou elaboração de classe de credores colaborativos, por meio do produto da alienação da UPI, pode ser uma ferramenta para recebimento em menor tempo e com menor deságio.
Aliás, é comum as vendas da UPIs serem pela modalidade stalking horse, o qual garante o êxito da venda, deixando o cenário mais seguro e célere. Em uma breve explicação, a venda por stalking horse é quando a proposta já vem com um licitante inicial, garantindo um preço mínimo, evitando a desvalorização excessiva do bem e venda mais célere.
DIP Financing: Financiamento com garantias e prioridade
Além da alienação de UPI, a legislação passou a permitir o chamado DIP Financing, ou financiamento ao devedor. Essa operação permite à empresa em recuperação obter recursos com garantias robustas (inclusive com alienação fiduciária), e os valores aportados têm preferência de pagamento mesmo em caso de falência - são considerados créditos extraconcursais. Os efeitos da operação são resguardados mesmo que a decisão que autorizou a concessão do financiamento seja reformando em segundo grau:
Art. 66-A. A alienação de bens ou a garantia outorgada pelo devedor a adquirente ou ao financiador de boa-fé, desde que realizada mediante autorização judicial expressa ou prevista em plano de recuperação judicial ou extrajudicial aprovado, não poderá ser anulada ou tornada ineficaz após a consumação do negócio jurídico com o recebimento dos recursos correspondentes pelo devedor.
Nesse sentido, mesmo ante a decisão superveniente em sentido negativo à concessão do financiamento, preservam-se as condições firmadas, inclusive quanto às garantias ofertadas proporcionalmente aos valores entregues ao devedor.
Sobre o tema, cabe destacar decisão no TJ/SP, pela qual se admitiu a cumulação da alienação UPI e DIP financing no mesmo procedimento, pelo qual parte do valor para aquisição do bem alienado foi alcançado por meio do DIP Financing:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ALIENAÇÃO DE UPI. MARCA "TRIO" . Determinação de realização de nova AGC para deliberar sobre a validade da contratação de empréstimo, na modalidade DIP FINANCING, cujos créditos foram parcialmente utilizados para efetuar o pagamento de parte do preço da arrematação. Desnecessidade. Plano de recuperação que previu a alienação da marca, bem como a possibilidade de serem utilizados créditos extraconcursais injetados na operação da recuperanda, até o limite de R$ 10 milhões. Edital da arrematação que também previu a possibilidade de utilização dos referidos créditos . Validade da operação que independe de nova deliberação assemblear, mas apenas da análise de sua higidez pelo juízo a quo. RECURSO PROVIDO.
(TJ/SP - AI: 21004958620218260000 SP 2100495-86.2021 .8.26.0000, Relator.: AZUMA NISHI, Data de Julgamento: 9/8/21, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 9/8/21).
No sentido de demonstrar as possibilidades de explorar a recuperação judicial como meio de formar novos negócios, destaca-se decisão do TJ/GO, na qual se admitiu a constituição de SPE como meio de financiamento do devedor:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO SECUNDUM EVENTUM LITIS. RECUPERAÇÃO DE EMPRESA. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE COM PROPÓSITO ESPECÍFICO . ATENDIMENTO AO FIM EM DETRIMENTO DA FORMA. CAPITALIZAÇÃO DA EMPRESA. RECURSO PROVIDO. DECISÃO REFORMADA . 1- O agravo de instrumento é um recurso secundum eventum litis, motivo pelo qual sua análise deve se ater ao que fora efetivamente decidido, sob pena de supressão de instância. 2- Inobstante a formação da Sociedade com Propósito Específico não se enquadre na forma legal prevista para o financiamento de entidade empresarial em recuperação de empresa (DIP Financing), ela atende à finalidade precípua do dispositivo que é possibilitar a retomada e continuidade da atividade empresarial, bem como a satisfação dos credores através dos pagamentos devidos, motivo pelo qual, amoldando-se ao espírito que informa a norma, deve a formação (SPE) ser autorizada. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJ/GO 5140549-80 .2022.8.09.0000, Relator.: DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Camara Cível, Data de Publicação: 12/8/22)
Quanto ao tema, há forte inclinação jurisprudencial de que, por se tratar de patrimônio de afetação, a SPE não se sujeita ao processo de recuperação judicial, não respondendo pelo passivo da Recuperanda.
Conclusão
Apesar de sua natureza delicada, a recuperação judicial não deve ser vista apenas como um sinal de colapso, mas também como uma oportunidade estratégica. Para investidores atentos e credores organizados, trata-se de um ambiente propício para:
Adquirir ativos valiosos, livres de ônus e por preços acessíveis;
Receber créditos com maior agilidade, por meio da alienação de UPIs;
Realizar operações de financiamento seguras e bem estruturadas, com amparo legal e judicial.
A chave para o sucesso está na análise detalhada da situação da empresa, da viabilidade das operações e na condução cuidadosa dos processos. A recuperação judicial, se bem conduzida, pode se transformar em um terreno fértil para novos negócios.
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1 https://www.migalhas.com.br/quentes/425938/refletindo-alta-pedidos-de-recuperacao-subiram-8-7-em-janeiro - acesso em maio de 2025
2 https://veja.abril.com.br/coluna/radar/pedidos-de-recuperacao-judicial-cresceram-79-no-pais-mostra-estudo -acesso em maio de 2025
3 Art. 142. A alienação de bens dar-se-á por uma das seguintes modalidades:
I - leilão eletrônico, presencial ou híbrido;
II - (revogado);
III - (revogado);
IV - processo competitivo organizado promovido por agente especializado e de reputação ilibada, cujo procedimento deverá ser detalhado em relatório anexo ao plano de realização do ativo ou ao plano de recuperação judicial, conforme o caso;
V - qualquer outra modalidade, desde que aprovada nos termos desta Lei.
Referências
BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária [...]. Brasília, DF, [2005]. Disponível: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm ;
BRASIL, TJSP - AI: 21004958620218260000 SP 2100495-86.2021 .8.26.0000, Relator.: AZUMA NISHI, Data de Julgamento: 09/08/2021, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 09/08/2021
BRASIL, TJSP; Apelação Cível 1037522-74.2019.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 30/01/2024; Data de Registro: 30/01/2024
BRASIL, TJGO 5140549-80 .2022.8.09.0000, Relator.: DESEMBARGADOR LUIZ EDUARDO DE SOUSA, 1ª Camara Cível, Data de Publicação: 12/08/2022
Refletindo tendência de alta, pedidos de recuperação judicial subiram 8,7% em janeiro. Março de 2025, Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/425938/refletindo-alta-pedidos-de-recuperacao-subiram-8-7-em-janeiro
BONIN, Robson. Pedidos de recuperação judicial cresceram 79% no país, mostra estudo. Novembro de 2024. Disponível em https://veja.abril.com.br/coluna/radar/pedidos-de-recuperacao-judicial-cresceram-79-no-pais-mostra-estudo
Fonte: Migalhas.