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26-09-2015
Recuperação judicial é válida quando empresa apresenta perfil favorável
Apenas 5% das quase 7 mil ações de “Recuperação Judicial da Empresa”, ajuizadas nos dez anos de vigência da Lei 11.101, de 2005 (LRFE), não foram convoladas em falências, segundo esclarece o eminente professor Carlos Henrique Abrão, desembargador do TJ-SP e fundador e presidente do Instituto Nacional de Recuperação Empresarial, com base em levantamento por amostras realizado por sua área técnica.
As que se “salvaram”, foi à custa da extinção de postos de trabalho e dos direitos dos credores, que vão amargar receber o que lhes é devido em longuíssimo prazo, após concordarem conceder substancial deságio no valor de face de seus créditos. Segundo dados da Corporate Consulting, a situação é ainda pior, eis que somente 1% de 4 mil empresas pesquisadas “saíram do buraco”.
Nos França e nos EUA, o quadro é semelhante, porquanto 95% das redressements, pleiteadas com base nos artigos L. 631 e segs. do Código Comercial francês, terminam em liquidação, informa o Observatoire Consulaires des Entreprises em Difficultés (fonte: Working Paper 2010~2011- Université de Strasbourg), e 85% a 90% das reorganizations, submetidas a Capítulo 11, são convertidas em falências e passam a ser regidas pelo Capítulo 7, que disciplina a insolvência das companhias (http://www.nolo.com/legal-encyclopedia/chapter-11-bankruptcy-overview.html).
À vista desses números, tenho me perguntado: ao que se deve o fracasso da LRFE? O que é necessário fazer para torná-la eficaz?
Muitos dizem que nossa lei tem produzido pífios resultados porque: (a) protege as instituições financeiras com a “trava bancária” e a exclusão da alienação fiduciária em garantia e do ACC dos efeitos do processo; (b) os credores conservam seus direitos e privilégios contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso; (c) não há incentivos a fornecedores, para que continuem a manter as mesmas condições e prazos nos futuros negócios, nem a financiadores, para contratarem novos empréstimos, salvo a duvidosa preferência de figurarem em possível falência na qualidade de “credores extraconcursais”; (d) o Estado não “abre mão” de receber seus tributos, acrescidos de pesadas multas, e a execução fiscal não se interrompe, nem se suspende; (e) os custos da recuperação são altíssimos, em particular a remuneração atribuída ao administrador judicial; (f) não há a previsão do que, na França, se chama de “diagnóstico da situação da empresa”, que visa verificar, na fase inicial do procedimento, denominada “período de observação”, se a reestruturação será ou não bem sucedida em função da análise das atividades e negócios sociais sob os aspectos (i) econômico, financeiro e contábil; (ii) social (relativo aos empregados) e (iii) jurídico (sobre litígios em curso, funcionamento dos órgãos sociais etc.), eis que o legislador gaulês entendeu que aos dirigentes da empresa “enferma” falta isenção de ânimo para “cortar na própria carne” e propor medidas duras que possam comprometer os seus bens pessoais; (g) controladores e administradores de sociedades em crise mantêm-se inertes; (h) o prazo para apresentação do plano de recuperação deveria ser de, no mínimo, 180 dias etc.
Sem dúvida essas questões merecem ser examinadas e discutidas no momento e local oportunos; porém, demandará demasiado tempo e desmedidos esforços reformar a LRFE, revê-la, emendá-la, para expungir erros, eliminar deficiências, espancar dúvidas, corrigir defeitos e imperfeições. Tempo que não se tem, embora se possa contar com os esforços dos verdadeiramente interessados em dotar o país de uma legislação que atenda às necessidades e anseios de empresas, empresários, empregados, credores e sociedade.
A causa do fracasso não está na LRFE, mas, na equivocada, as mais das vezes temerária, utilização da recuperação judicial, que deveria basear-se exclusivamente na razão, jamais em desejos e esperanças: desejos de ver a empresa reerguer-se das “cinzas”; esperança de ver surgir uma solução “milagrosa”.
Fundar a ação de recuperação judicial na razão é verificar, com esmero e a assessoria e assistência de especialistas independentes de notória capacidade técnica e indiscutível idoneidade moral, a existência do pressuposto objetivo da ação antes de distribuí-la, isto é, verificar se a empresa é econômica e financeiramente viável antes de acionar o Poder Judiciário.
Para tornar a LRFE eficaz de imediato, a solução está nos próprios autos da “Recuperação Judicial da Empresa” por ela ser um benefício legal concedido ao devedor honesto e de boa-fé, o qual, particularmente quando se encontra em dificuldades financeiras, deve pautar sua conduta consoante rígidos princípios éticos e jurídicos.
Inspirado na percuciente observação de Asquini, segundo a qual “muitos dos defeitos que se atribuem às leis podem ser eliminados com uma severa reação contra certas práticas nocivas que paralisam, quando não destroem, a eficácia da melhor das leis”, e na esteira do novo Código de Processo Civil, formulo as seguintes sugestões para reflexão dos doutos sinceramente empenhados na plena eficácia da LRFE:
(1º) com fundamento nos arts. 133 e 790, VI, do novo CPC c/c. 50 do Código Civil, o credor ou o acionista ou o Ministério Público poderia requerer a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para apurar a responsabilidade civil de controladores e administradores;
(2º) nos casos, por exemplo, (a) de controladores e administradores de empresas em estado pré-falimentar ou falimentar haverem teimado em mantê-las funcionando de forma artificial e precária em prejuízo dos credores e do interesse público e retardado a decisão de recorrer ao novel instituto e, ao fazê-lo, a derrocada já era irreversível, a falência, inevitável, ou (b) de inviabilidade econômico-financeira não diagnosticada ou omitida na “demonstração” exigida pelo inciso II, do artigo 53, da LRFE, a responsabilidade seria subjetiva, devendo restar provados o dolo ou a culpa, o nexo causal e o resultado danoso;
(3º) se a ação de recuperação judicial houver se fundamentado em informações e/ou dados falsos e/ou distorcidos e/ou omitidos, v.g., superestimação do valor dos bens do ativo; subestimação do passivo exigível; se, já em estado de crise econômico-financeira, a recuperanda realizou negócios nocivos ao seu patrimônio, v.g., venda a preço vil de direitos ou bens sociais ou oneração de bens corpóreos e incorpóreos em operações comerciais ou financeiras de alto risco; se, já inadimplente, a empresa participou de atos ou negócios suspeitos com controladores e/ou administradores e/ou sociedades coligadas e/ou controladas, que culminaram em vultosos prejuízos, enfim, se, no curso do processo, ficar provada fraude à LRFE ou abuso de direito, a responsabilidade seria com culpa presumida;
(4º) se houver perigo iminente e grave de dilapidação ou ocultação ou subtração de bens e direitos da empresa ou dos controladores e administradores, poder-se-ia requerer, ou o juízo, de ofício, decretar, a indisponibilidade de bens e direitos da empresa, dos controladores e dos administradores, para escorreita execução da sentença condenatória em perdas e danos.
Desta forma, controladores e administradores – e seus assistentes e assessores — ver-se-iam compelidos a agir como autênticos “homens de bem” antes de provocar a suspensão das ações e execuções dos credores e de movimentar a máquina pública com uma recuperação absoluta e inexoravelmente inviável ou eivada de dolo e má fé, que acaba por comprometer o futuro da “Recuperação Judicial da Empresa”.
Por Jorge Lobo
Fonte: Conjur