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08-05-2023 

Recuperação judicial e responsabilidade do contratante de serviço terceirizado

Com os recentes pedidos de recuperações judiciais que movimentaram o noticiário nacional, aliados à expectativa de um aumento do número de pedidos do socorro judicial para 2023, a atenção se volta às potenciais interações trabalhistas decorrentes dessa realidade jurídica, que pode trazer impactos, inclusive, para as partes relacionadas às empresas em recuperação.

A legislação que regulamenta a recuperação judicial e a falência, a Lei nº 11.101/2005 (LRF), é clara quanto aos impactos imediatos decorrentes da apresentação de um pedido de recuperação no contexto das dívidas trabalhistas, tais como suspensão das execuções, prioridades e limite para habilitação e quitação de débitos, dentre outras peculiaridades.

No entanto, há muitos aspectos na lei que podem ser de interesse das empresas em geral, sobretudo daquelas que se utilizam de força de trabalho terceirizada, que podem estar ligadas aos pedidos de recuperação judicial e que, muitas vezes, são ignorados ou subestimados no contexto das operações empresariais.

Importante lembrar que, por força de disposição legal, as relações de terceirização de serviços estão autorizadas e se caracterizam pelo fato de uma contratante transferir a uma contratada, mediante ajuste comercial, a execução de serviços relacionados à sua atividade. A legislação exige que a prestadora disponha de capacidade econômica compatível com a execução dos serviços para os quais fora contratada, além do preenchimento de outros requisitos ligados, essencialmente, à prevenção de precarização da força de trabalho que será colocada à disposição da contratante.

Para a contratante dos serviços terceirizados, por sua vez, a legislação — consolidando entendimento jurisprudencial há muito estabelecido — passou a dispor, expressamente, sobre a responsabilidade subsidiária em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas. Ou seja, caso a prestadora de serviços, efetiva empregadora dos trabalhadores, não seja capaz de honrar com as obrigações decorrentes da relação de trabalho, aquela que, em última análise, se beneficiou desta prestação de serviços, ou seja, a contratante, deve responder de forma subsidiária.

Contudo, não é raro observar que muitas relações de terceirização são abreviadas pelo enfrentamento de dificuldades financeiras pela prestadora de serviços, havendo ocorrência, por vezes, de inadimplemento de dívidas de toda ordem, inclusive trabalhistas, por parte da prestadora em relação a seus empregados. Neste cenário é que podem surgir, por parte da contratada, pedidos de recuperação judicial ou mesmo de falência.

A Justiça do Trabalho, contrariando as disposições da Lei 11.101/2005, fixou entendimento no sentido de que, mesmo havendo recuperação judicial em curso, no tocante à prestadora de serviços, compete à empresa contratante o pagamento da dívida reconhecida em juízo, por ser responsável subsidiária pelo crédito trabalhista. Ou seja, a Justiça do Trabalho entende que não é necessário habilitar o crédito trabalhista na recuperação judicial, bastando o redirecionamento da execução contra a responsável subsidiária.

O Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, já entendeu que, comprovada a aprovação da recuperação judicial, a execução trabalhista sequer precisaria ser direcionada ao devedor principal, para apenas confirmar o inevitável inadimplemento deste, cabendo, assim, o redirecionamento automático da dívida ao devedor subsidiário.

Diante deste cenário, empresas contratantes de serviços terceirizados têm adotado medidas para prevenir ou, pelo menos, minimizar estes riscos ou impactos. Isso tem sido feito por meio de, por exemplo, amarras contratuais, cláusulas de retenção de valores em caso de descumprimento de lei ou ações de regresso a fim de reaver a quitação destes créditos em caráter subsidiário.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a possibilidade de empresas tomadoras de serviços utilizarem-se do instituto da sub-rogação para posterior habilitação de seu crédito, de forma retardatária, à recuperação judicial (REsp 1.924.529-SP, em decisão publicada no final de 2021). O fundamento principal da decisão foi no sentido de que, ao contrário do que ocorre com a cessão de créditos trabalhistas, cuja classificação na recuperação judicial é quirografária [1], na habilitação retardatária em recuperação judicial de crédito decorrente de sub-rogação por pagamento de dívida trabalhista, o crédito deve ser classificado na classe I (trabalhista), uma vez que a sub-rogação opera a transferência de todos os direitos, ações, privilégios e garantias detidos pelo credor originário contra o devedor principal.

Portanto, para as empresas tomadoras de serviços terceirizados que venham a ser condenadas subsidiariamente ao pagamento de dívida trabalhista (oponível originalmente à prestadora recuperanda), há a possibilidade de obter o benefício de ordem conferido aos créditos trabalhistas em recuperação judicial, ou seja, classe I, como resultado da sub-rogação. Esta possibilidade também confere um atalho que evita os trâmites de uma ação de regresso da dívida contraída, cujo destino será a habilitação do crédito na recuperação judicial sem o benefício de ordem.

Por certo, esta hipótese depende exclusivamente de o trabalhador credor ajuizar ação trabalhista e obter ganho de causa, com responsabilização subsidiária da tomadora e subsequente ordem de pagamento. Significa dizer que este racional não poderia ser estendido, portanto, à antecipação de pagamentos pelo tomador de serviços, em benefício direto dos trabalhadores credores, empregados da recuperanda, ainda que haja cláusula prevendo possibilidade de retenção de pagamentos no contrato de prestação de serviços com a contratada, sob pena de ter de pagar duas vezes, na medida em que as dívidas em questão, quanto à sua natureza, não se confundem.

Para as hipóteses em que a dívida trabalhista da contratada ainda não é materializada e/ou oponível à contratante, há que se estudar outras possibilidades de mitigar riscos, que podem incluir negociações coletivas, procedimentos de mediação e até mesmo medidas judiciais em diferentes esferas. Cada caso deve ser avaliado no contexto de suas particularidades, das possibilidades da empresa e dos atores envolvidos.

[1]  O crédito quirografário é aquele oriundo de obrigações sobre as quais não recai nenhuma garantia real e que não possuem qualquer privilégio.

 

Fonte: Conjur.

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