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05-03-2024
Recuperação judicial, capítulo 15 da lei americana: o que isso significa?
A complexidade das relações empresariais dos grandes grupos econômicos, que podem resultar em insolvências transnacionais, mostrou que as regras falimentares adotadas individualmente por cada país não mais supriam às demandas da globalização.
Por isso, se tornou necessário estabelecer regras internacionais de insolvência, apoiadas por ferramentas jurídicas apropriadas, para enfrentar essas novas dificuldades.
O Capítulo 15 da Lei de Falências dos Estados Unidos desempenha um papel crucial nesse contexto, tendo se tornado um instrumento legal de considerável relevância na atualidade, permitindo que empresas que se encontram endividadas em múltiplas jurisdições requeiram proteção contra seus credores.
Existem duas situações principais em que o Chapter 15 é aplicado: a primeira envolve um processo estrangeiro que é o principal processo de recuperação judicial, conduzido nas cortes do país onde estão os principais interesses do devedor, e que será auxiliado pelos procedimentos do Chapter 15 (conhecido como “foreign main proceeding“).
A segunda hipótese, menos comum, é quando o processo estrangeiro é secundário e ocorre em um país onde o devedor possui estabelecimento, mas que não é considerado o centro dos principais interesses (“foreign non-mainproceeding“).
Procedimento
Para aplicar o Chapter 15, é necessário apresentar uma petição nas cortes norte-americanas, buscando o reconhecimento do processo estrangeiro. Essa petição deve ser acompanhada de documentos que comprovem a abertura do processo de insolvência estrangeiro e a nomeação do administrador judicial.
Após o preenchimento dos requisitos legais, a corte americana proferirá uma decisão reconhecendo o processo estrangeiro como um “foreign main proceeding” ou “foreign non-mainproceeding“.
Nesse ponto, um processo auxiliar é iniciado, seguindo as regras de falência do país onde o processo estrangeiro principal ocorre. Esse processo auxiliar serve como um mecanismo de cooperação com o tribunal estrangeiro.
Benefícios
O reconhecimento do processo estrangeiro tem efeitos automáticos e proporciona ao requerente diversos benefícios previstos nos diferentes capítulos do Bankruptcy Code, que tratam dos procedimentos nacionais de reorganização de empresas. Isso inclui a suspensão de todas as ações contra o devedor que estão em andamento nas cortes norte-americanas.
Antes do reconhecimento, o Chapter 15 permite que os juízes concedam, a pedido do representante estrangeiro, medidas cautelares de urgência para proteger o patrimônio do devedor ou os interesses dos credores. Essas medidas permanecerão em vigor até o reconhecimento do processo estrangeiro.
Uma vez que o processo estrangeiro é reconhecido na corte americana, o representante estrangeiro tem a capacidade de intervir em todas as ações nas quais o devedor esteja envolvido nos Estados Unidos.
Característica fundamental
A cooperação entre o tribunal estrangeiro, o tribunal norte-americano e o administrador judicial é uma característica fundamental da aplicação dos procedimentos do Chapter 15 e envolve a comunicação direta, a troca de informações relevantes, a coordenação da administração dos ativos do devedor e a implementação de acordos relacionados à coordenação dos processos, com o objetivo de promover a segurança jurídica nos negócios e investimentos no Brasil, aprimorar a eficiência dos processos de falência e recuperação judicial que envolvem jurisdições internacionais, proteger os direitos tanto dos credores quanto do devedor e maximizar o valor dos ativos pertencentes ao devedor e facilitar a recuperação de empresas em crise.
É importante destacar que a comunicação entre os tribunais será direta, sem a necessidade de cartas rogatórias ou intermediação diplomática, a menos que a solicitação feita pelo tribunal estrangeiro entre em conflito com a legislação brasileira, seja incompatível com a política pública do Brasil ou prejudique os direitos dos credores domiciliados no Brasil.
Além disso, os credores que estão fora do Brasil e possuem créditos sujeitos à legislação estrangeira desfrutam de certos direitos especiais, como a capacidade de solicitar a falência do devedor no Brasil e participar ativamente do processo de insolvência no país. Isso visa garantir um tratamento justo e equitativo para todos os envolvidos em casos de insolvência transnacional.
Considerações finais
Nesse sentido, o Capítulo 15 é visto como uma ferramenta de significativa utilidade para empresas com operações transnacionais que se deparam com desafios financeiros. Mediante a busca de proteção sob o âmbito do Capítulo 15, a empresa logra obstar medidas adotadas por seus credores nos EUA, que possam prejudicar suas atividades ou sua aptidão para empreender a reestruturação de suas obrigações.
Entretanto, é importante observar que o pedido não implica necessariamente que a empresa devedora também tenha um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. Em vez disso, o pedido visa estender os efeitos da recuperação judicial da empresa para os EUA, com o principal objetivo de impedir que seus credores acessem ou bloqueiem seus ativos nesse país.
No Brasil, existem três exemplos da utilização do Capítulo 15 da Lei de Falências norte-americana por empresas como a Oi, Odebrecht e as Lojas Americanas. Elas pleitearam a proteção prevista no Capítulo 15 com o objetivo de evitar que seus credores nos EUA adotassem medidas prejudiciais às suas operações ou à sua capacidade de reestruturar suas obrigações.
No caso das Lojas Americanas, seis dias após efetuar seu pedido de Recuperação Judicial a empresa também entrou com pedido de recuperação judicial sob o Capítulo 15 da Lei de Falências. Tal pedido foi deferido pelo Tribunal Distrital dos EUA.
Em conclusão, o Capítulo 15 emerge como uma ferramenta jurídica indispensável para empresas envolvidas em insolvências transnacionais, proporcionando um mecanismo eficaz para a proteção de seus interesses nos Estados Unidos.
A aplicação desse dispositivo, exemplificada pelos casos das Lojas Americanas, Oi e Odebrecht, evidencia sua relevância na promoção da segurança jurídica nos negócios globais, maximizando o valor dos ativos do devedor e facilitando a recuperação em cenários de crise.
Fonte: Conjur.