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15-04-2020
Recomendações do CNJ sobre a flexibilização na aceitação do plano modificativo em Recuperação Judicial
O CNJ - Conselho Nacional de Justiça aprovou, em 31 de março (ato normativo - 0002561-26.2020.2.00.0000), recomendações aos magistrados para orientá-los na flexibilização do cumprimento das diretrizes da lei 11.101/05, relativamente aos processos de recuperação judicial, tendo em vista a pandemia da covid-19.
Neste cenário, não só os devedores, mas também os credores sofrem os impactos que decorrem das medidas restritivas e de isolamento social que vem sendo implantadas como uma das diversas formas de se tentar conter a evolução e a propagação do vírus.
Assim, as recomendações do CNJ devem ser interpretadas pelos juízes com o devido cuidado e a cautela necessária e esperada para se evitar que, de forma oportunista, possam vir a beneficiar indevidamente aqueles que, em momentos de crise como o decorrente da pandemia da covid-19, desvirtuam o objetivo das medidas urgentes editadas com o objetivo de salvaguardar a sociedade.
Alguns pontos das recomendações do CNJ merecem atenção especial, como a autorização da apresentação de plano de recuperação modificativo, na hipótese de "diminuição na capacidade de o devedor cumprir as obrigações a que está sujeito, em decorrência da pandemia da covid-19, incluindo a consideração, nos casos concretos, da ocorrência de força maior ou de caso fortuito antes de eventual declaração de falência" (art. 73, IV, da mesma lei).
A recomendação em análise teve o cuidado de deixar claro que a apresentação de plano modificativo é uma possibilidade, mas não um direito automático que possa ser reconhecido apenas porque o cenário atual é de expansão da pandemia. O texto é peremptório ao ressaltar a necessidade de que seja "comprovada" a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações, pelos devedores, em decorrência da pandemia da covid-19.
Abre-se aqui um parêntese para relembrar que eventual plano modificativo deve ser submetido aos credores, até porque é deles, reunidos em Assembleia Geral, a competência para deliberar sobre essa questão, como expressamente reconhecido na jurisprudência do STJ.
Recorde-se, por oportuno, que a Colenda Corte, nos termos da sua orientação jurisprudencial, consagrou o entendimento de que ‘‘a assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial” (AgInt no REsp 1.830.656/SP, rel. ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 11.11.19, DJe 27.11.19)
Aliás, a competência da Assembleia Geral de credores, para deliberar sobre o plano de recuperação judicial e eventual proposta de sua modificação, decorre da lei 11.101/05 (art. 35, I, “a”) e, portanto, não pode ser afastada por ato normativo do CNJ.
Com efeito, consta expressamente no art. 4º, da proposta de recomendação apresentada ao CNJ pelo seu conselheiro Henrique Ávila, que pode - e não que deve - ser autorizada a apresentação de plano modificativo pelo empresário que "comprove que sua capacidade de cumprimento das obrigações foi diminuída pela crise decorrente da pandemia de covid-19 e desde que estivesse adimplindo com as obrigações assumidas no plano vigente até 20 de março de 2020".
Trata-se de um binômio. Não basta ao empresário comprovar a diminuição na capacidade de cumprimento das obrigações em decorrência da pandemia, para buscar a modificação do plano. Essa possibilidade também só é admissível se as obrigações a que se havia sujeitado estavam em dia. Vale dizer, a proposta e a recomendação são direcionadas aos que foram real e efetivamente impactados pelos efeitos decorrentes da virose pandêmica.
Esse é um ponto muito importante a ser enfrentado pelos juízes com cautela redobrada, de modo a se evitar que aproveitadores possam lançar mão de pedidos de modificação dos planos de recuperação judicial, com o objetivo de se beneficiar e impingir aos credores prejuízos ainda maiores do que os já suportados em decorrência, via de regra, de haircuts expressivos, carências elásticas, extirpação de garantias e prazos de pagamento infindáveis entre outras medidas que reduzem vertiginosamente os créditos submetidos ao processo recuperacional.
A mesma prudência deve ser adotada pelos magistrados ao analisar os pedidos dos credores com o objetivo de atingir o patrimônio dos devedores que pediram recuperação judicial, mas inadimpliram as suas obrigações durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo decreto legislativo 6/20. A comprovação da impossibilidade de cumprimento das obrigações pelos devedores deve ser real e amparada em provas sólidas e capazes de sustentá-la.
Os administradores judiciais também devem ficar atentos e alertar os juízes na hipótese de se depararem com planos modificativos oportunistas. O art. 22, da lei 11.101/05 dispõe que compete ao administrador judicial, na recuperação judicial (inciso II), “fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial” (alínea “a”) e, ainda, “requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação” (alínea “b”).
Se não houver a comprovação cabal pelos devedores de que a capacidade de cumprimento das obrigações a que se sujeitaram foi realmente afetada, e se os credores não aceitarem a proposta de modificação do plano de recuperação judicial, os juízes não poderão acolhê-la.
Ao contrário, os magistrados estão autorizados a deferir os pleitos dos credores que visem a prática atos executivos de natureza patrimonial em face dos inadimplentes e, se for o caso, determinar a convolação da recuperação judicial em falência nas hipóteses de descumprimento das obrigações assumidas no plano (lei 11.101/05, art. 61, §1º).
O momento atual de pandemia é de enormes consequências e sacrifícios para todos, quem quer que seja. O papel do Poder Judiciário, portanto, é o de pacificação dos conflitos e, como de hábito, os juízes devem desempenhar o seu ofício com a sensibilidade suficiente para acomodar com justiça os interesses dos envolvidos nos processos judiciais, notadamente nos recuperacionais que refletem na esfera de deveres e direitos não só de devedores e credores, mas dos mercados em que estão inseridos, preservando-se a segurança jurídica.
Fonte: Migalhas