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08-01-2024 

Quando a causa para recuperação judicial é um dos requisitos para seu deferimento

Levantamento do observatório de transações tributárias do núcleo de tributação do Insper [1] demonstrou que 42% das dívidas dos contribuintes em recuperação judicial referem-se à dívida fiscal. Esse tipo de dívida só perde em percentual para as dívidas quirografárias (46%) e se distancia, em muito, do terceiro lugar, ocupado pelas dívidas trabalhistas (5%).

Esse dado é importante, porque revela que quase metade das dívidas dos recuperandos judiciais é fiscal. A relevância da dívida tributária na recuperação deve ser levada em conta na ocasião da recuperação, não só porque é uma de suas causas, mas porque se refere a grande parcela das dívidas em RJ.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça interpretava a regra constante do artigo 57 da Lei 11.101/2005, que prescreve a necessidade de o devedor apresentar certidões negativas de débitos tributários nos termos dos artigos 151, 205, 206 do Código Tributário Nacional, com base no argumento teleológico de que a juntada de certidões de regularidade poderia tornar inviável a recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/06/2013, DJe 21/08/2013).

Nada mais evidente. Se, hipoteticamente, uma empresa pleiteia a recuperação judicial pela existência de dívidas tributárias, demonstrando a impossibilidade de quitação com base no conteúdo comprobatório de sua situação econômica, então, por consequência, exigir certidão de regularidade da recuperanda seria um contrassenso ao próprio pedido de recuperação.

Questiona-se: como seria possível pleitear a recuperação, cuja origem é a dívida tributária, se para o referido pleito existe a exigência de regularidade fiscal?

Pois bem, atrelado ao argumento teleológico, também se fundamentava a inexigência de regularidade fiscal com base na ausência de legislação específica sobre o tema. Dois argumentos que se somam, mas que não se anulam.

Inobstante, sobreveio a edição da Lei nº 14.112/2020 e a implementou-se um programa legal de parcelamento factível, cuja dispensa da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais tem sido afastada em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça [2].

O principal raciocínio utilizado é a impossibilidade, ainda que com base na aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa, da dispensa da apresentação de certidões de regularidade fiscal, exigidas pelo artigo 57 do mesmo veículo normativo, após a implementação, pela Lei nº 14.112/2020, de um programa legal de parcelamento específico para RJ.

No entanto, esse raciocínio não se sustenta e vamos dizer o porquê.

Em primeiro lugar, porque a conclusão alcançada não decorre da premissa utilizada. Veja-se que a existência de um parcelamento específico para a RJ não significa que a aprovação do plano deve ser submetida à comprovação de regularidade da empresa, ainda mais, se essa for a causa da RJ.

Ora, a regularidade fiscal deve ser alcançada ao longo do processo de recuperação judicial e não antes dele. Afinal, para que serviria a recuperação judicial de empresas, cuja causa é a dívida tributária, se a regularidade fiscal poderia ser obtida sem ela?

Em segundo lugar, porque o artigo 10-A da Lei 14.112/2020 possibilita a realização do parcelamento após “deferido o processamento da recuperação judicial”. Questiona-se: sendo possível a realização do parcelamento após o deferimento do plano de recuperação, seria o parcelamento, e consequentemente a regularidade fiscal, um requisito para sua aprovação? Óbvio que não.

Em terceiro lugar, e por fim, porque a regularidade fiscal, muitas vezes, é o fim que se busca com a RJ e não pode ser um meio para o seu deferimento, sob pena de esvaziar o instituto, como bem reiterado pela jurisprudência anterior ao REsp nº 2.093.519/SP. Com efeito, a exigência da regularidade fiscal em cumprimento ao plano não só é o que se espera, como também decorre da norma insculpido no citado artigo 57 da Lei nº 11.101/05.

Por essas razões que a jurisprudência deve se voltar ao argumento teleológico outrora bastante suscitado e, em vez de criar regras inderrogáveis, analisar sempre as circunstâncias do caso concreto para não condenar o contribuinte à escolha entre a cruz e a espada.

[1] 2023, Evento sobre Transação Tributária e Recuperação Judicial, São Paulo, Insper.

[2] STJ, REsp n. 2.053.240/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 19/10/2023; STJ, REsp n. 2.082.781/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/11/2023, DJe de 6/12/2023; STJ, REsp n. 2.093.519/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/11/2023, DJe de 6/12/2023;

 

Fonte: Conjur.

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