Ir para o Conteúdo da página Ir para o Menu da página

Como você avalia a
experiência em nosso site?

x
Avaliacao

Ruim

Ótima

Whatsapp

NOTÍCIAS

Sem Foto

04-09-2025 

Possibilidade do clube de futebol, associação civil, pedir recuperação judicial

Como se sabe, um dos objetivos do legislador com a elaboração da Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021 (Lei da SAF) — e que efetivamente se concretizou — foi prever mecanismos que permitissem aos clubes de futebol se reestruturarem financeiramente considerando o alto endividamento e crise que diversos perpassavam. Concretamente, foi-lhes concedido os benefícios da Lei 11.101/2005 (LRF) para que pudessem utilizar as ferramentas da recuperação judicial e extrajudicial.

Um debate — hoje, já pouco controvertido ao menos nos Tribunais de Justiça —, que surgiu por ocasião do início da vigência da Lei da SAF e começos de sua utilização no âmbito da insolvência, gravitou em torno da questão acerca da legitimidade ativa para pedir recuperação judicial/extrajudicial do clube de futebol que não providencia, previamente ao pedido, a constituição da Sociedade Anônima de Futebol nos termos do artigo 2° da Lei da SAF.

A questão se coloca porque o clube, por definição legal, é a associação civil, regida pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), dedicada ao fomento e à prática do futebol, nos termos do artigo 1°, parágrafo 1°, inciso I, da Lei da SAF, sendo que apenas o empresário ou a sociedade empresária nos termos do artigo 1° da LRF.

Obrigação ou não de constituir uma SAF

Assim, uma interpretação possível da Lei da SAF poderia ser no sentido de que tal outorgou os benefícios da Lei recuperacional aos clubes de futebol desde que houvesse a constituição prévia de Sociedade Anônima de Futebol. E, efetivamente, foram diversos os agentes dos processos recuperacionais que buscaram a aplicação dessa exegese mediante a interposição de recursos em recuperações judiciais ajuizadas por clubes que não haviam constituído Sociedade Anônima.

Por outro lado, contra essa interpretação, milita o próprio texto legal da SAF. Com efeito, o legislador, ao que parece para não deixar dúvidas, menciona expressamente a legitimidade do “clube” para os pleitos em questão, sem qualquer ressalva no sentido de ser necessário constituir a SAF. Os artigos 13, inciso II, e 25 da Lei da SAF preveem expressamente que o clube (isto é, a associação civil) poderá pedir recuperação judicial. O segundo dispositivo mencionado, como que a justificar e não deixar dúvidas para eventual interpretação restritiva, justifica a legitimidade do clube “por exercer atividade econômica”, ou seja, a Lei SAF identifica no clube uma característica essencial da empresa.

Assim entende Juliana Bumachar ao afirmar que “enquanto associação, por força da conjugação do artigo 1°, §1°, I, com o artigo 25, ambos a Lei da SAF, o clube terá legitimidade ativa os procedimentos previstos na LRF”. [1].

Marcelo Sacramone, igualmente, assevera que “o art. 25 da Lei 14.193/21 permite que o clube de futebol, ainda que ostente natureza associativa e não requeira transformação em sociedade empresária, peça recuperação judicial” [2].

Não por outra razão que a vasta maioria das decisões dos Tribunais de Justiça do País reconhecem a possibilidade de os clubes associativos pedirem recuperação judicial/extrajudicial, haja ou não, constituição da Sociedade Anônima de Futebol.

Exemplos de pedidos de clubes de futebol

No caso do Guarani Futebol Clube,  o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob um argumento mais literal, concluiu que os dispositivos da Lei da SAF são expressos no sentido da possibilidade de o clube pode ajuizar pedido de recuperação judicial/extrajudicial e, sob uma interpretação mais finalística igualmente, asseverou que a própria lei menciona que o clube de futebol exerce atividade econômica conforme os termos do artigo 25 da Lei da SAF (“por exercer atividade econômica”), isto é, fundamenta a legitimidade ativa no fato de o clube de futebol exercer atividade econômica como que o equiparando, ao menos para fins concursais, à sociedade empresária nos termos do artigo 1° da LRF [3]. O acórdão já transitou em julgado.

No caso da recuperação judicial do Joinville [4], os argumentos apresentados pelo aresto do Tribunal de Santa Catarina foram: o fato de a Lei 11.101/2005 não vedar de forma expressa a legitimidade ativa das associações para o ajuizamento de recuperação judicial; “a importância da atividade econômica desempenhada pelos clubes de futebol, esporte que movimenta valores expressivos e gera inúmeros empregos diretos e indiretos no país”; os artigos 13 e 25, inciso II, da Lei da SAF, preveem expressamente a possibilidade de os clubes de futebol ajuizarem recuperação, independentemente de constituírem sociedade anônima. Houve interposição de recurso especial (REsp 2115740/SC), estando pendente o trânsito em julgado.

No caso do Avaí Futebol Clube, o TJ-SC confirmou a decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial do clube com fundamento nos já citados dispositivos da Lei da SAF, asseverando que “a possibilidade da recuperação judicial de clube de futebol foi albergada pela Lei n. 14.193/2021, sendo desnecessária a conversão em sociedade anônima de futebol” [5].

No caso do Fluminense Futebol Clube no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Órgão Especial [6] asseverou que a legitimidade ativa conferida pela Lei da SAF não prevê “qualquer condição expressa” para utilização da ferramenta legal, como ter constituído sociedade anônima, tratando-se de uma faculdade do clube. Embora se trate de julgado proveniente de caso de Regime de Centralizado de Execuções, os fundamentos do aresto servem para as hipóteses de recuperação judicial e extrajudicial.

Afinal, a legitimidade ativa dos clubes para pleitear os benefícios da reestruturação prevista na LRF se respalda no artigo 13 da Lei da SAF, sendo que o inciso I diz respeito à hipótese do Regime Centralizado de Execuções, e, o inciso II, ao caso da recuperação judicial/extrajudicial. O mesmo ocorreu com o Clube de Regatas Vasco da Gama [7] e o Botafogo Futebol e Regatas [8].

Outros julgamentos em Pernambuco

Em Pernambuco, há igualmente julgados na linha exposta. Na Recuperação Judicial do Santa Cruz [9], dentre outros argumentos, foi apontado o que já se colocou acima, no sentido de que caso o legislador tivesse objetivado restringir as medidas recuperatórias para os clubes que não tenham constituído previamente Sociedade Anônima, o teria feito expressamente. O mesmo ocorreu com o Sport Clube do Recife [10].

O Superior Tribunal de Justiça ainda não apreciou os recursos interpostos nos casos mencionados, não se tendo notícia de um entendimento firmado pela corte superior acerca do tema. Poder-se-ia argumentar que as chances de o STJ firmar entendimento diverso do que vêm tendo os Tribunais de Justiça é elevada na medida em que recentemente a 3ª Turma especializada em direito privado proferiu decisão em recursos especiais (REsp 2.026.250/MG, REsp 2.038.048/MG e REsp 2.155.284/MG), consignando a impossibilidade de as entidades sem fins lucrativos pediram recuperação judicial/extrajudicial, na contramão do entendimento — não pacificado — de diversos julgados de Tribunais de Justiça.

Contudo, não se acredita que tal ocorrerá para a hipótese dos clubes de futebol associativos.

Reconhecimento da legitimidade das associações

Com efeito, por um lado, a fundamentação das decisões que reconhecem a legitimidade das associações e fundações para uso das medidas de insolvência da LRF consistiu, tal como ocorre no caso dos clubes de futebol associativos, essencialmente, em reconhecer que tais entidades exercem atividade econômica o que lhes conferiria, em essência, natureza de sociedade empresária a permitir a interpretação finalística do artigo 1° da LRF no sentido de que tal dispositivo não é óbice à legitimidade em questão, em que ausência de autorização expressa. Isto posto, considerando o entendimento exarado pelo STJ que vedou tal interpretação, a corte guardiã da lei federal passaria a desautorizar igualmente a submissão dos clubes de futebol ao regime concursal da LRF.

Mas, por outro lado, diferentemente do que ocorre com as demais entidades sem fins lucrativos, existe lei específica, com dispositivos expressos (os artigos 13 e 25, inciso II, da Lei da SAF), que reconhece a legitimação dos clubes de futebol associativos. Embora a Lei da SAF não mencione expressamente que clubes de futebol que não tenham constituído Sociedade Anônima de Futebol têm legitimidade para o pedido recuperacional, consigna que: “(…) O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações (…) a seu exclusivo critério:  II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.” , e, “(…) O clube, ao optar pela alternativa do inciso II do caput do art. 13 desta Lei, e por exercer atividade econômica, é admitido como parte legítima para requerer a recuperação judicial ou extrajudicial, submetendo-se à Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005“.

A literalidade e clareza dos dispositivos sugerem fortemente que o legislador autorizou a legitimidade dos clubes de futebol — tenham constituído ou não SAF anteriormente — aqui discutida, e, como a boa hermenêutica impede a interpretação que esvazia por completo o sentido mais literal [11] e imediato [12] do texto, acredita-se que o STJ não impedirá a recuperação judicial e/ou extrajudicial dos clubes de futebol associativos que não tenham constituído SAF.

_______________________________

Bibliografia

CASTRO, Rodrigo R. Monteiro (coord.). Comentários à Lei da Sociedade Anônima de Futebol. São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 236 e 287.

LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. Trad. José Lamego, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 450/457.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 247.

 

[1] (BUMACHAR, Juliana. In: Castro, Rodrigo R. Monteiro (coord.). Comentários à Lei da Sociedade Anônima de Futebol. São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 287)

[2] (SACRAMONE, Marcelo. Subseção III: Da Recuperação Judicial e Extrajudicial do clube ou pessoa jurídica original. In: Castro, Rodrigo R. Monteiro (coord.). Comentários à Lei da Sociedade Anônima de Futebol. São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 236)

[3] TJSP.  Agravo de Instrumento 2061122-77.2023.8.26.0000. Relator Fortes Barbosa. Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial. Julgamento em 19.05.2023.

[4] TJSC. Agravo de Instrumento. 5035119-25.2022.8.24.0000. Relatora Soraya Nunes Lins. Quinta Câmara de Direito Comercial. Julgamento em 23.02.2023.

[5] TJSC. Agravo de Instrumento n. 5029594-28.2023.8.24.0000. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Relator Vitoraldo Bridi. Sexta Câmara de Direito Comercial. Julgamento em 01.02.2024.

[6] TJRJ. Agravo Interno nos autos do Regime Centralizado de Execuções n. 0078735-13.2021.8.19.0000. Relator Henrique Carlos de Andrade Figueira. Órgão Especial. Julgamento em 28.03.2022.

[7] TJRJ. Agravo Interno no Regimento Centralizado 0063814-49.2021.8.19.0000. Relator José Carlos Maldonado de Carvalho. Órgão Especial. Julgamento em 24.01.2022.

[8] TJRJ. Agravo de Instrumento 0010355-98.2022.8.19.0000. Relatora Helda Lima Meireles. Terceira Câmara Cível. Julgamento em 13.07.2022.

[9] TJPE. Agravo de Instrumento 0018942-32.2022.8.17.9000. Relator Frederico Ricardo De Almeida Neves. Quinta Câmara Cível. Julgamento em 18.04.2024.

[10] TJPE. Agravo de Instrumento 0008653-06.2023.8.17.9000. Relator Bartolomeu Bueno de Freitas Morais. Terceira Câmara Cível.  Julgamento em 26.03.2024.

[11] Toda interpretação de um texto há de iniciar-se com o sentido literal. Por tal entendemos o significado de um termo ou de uma cadeia de palavras no uso linguístico geral ou, no caso de que seja possível constatar um tal uso, no uso linguístico especial do falante concreto, aqui no da lei respectiva. O arrimo ao uso linguístico é o mais evidente, porque se pode aceitar que aquele que quer dizer algo usa as palavras no sentido em que comumente são entendidas. O legislador serve-se da linguagem corrente porque e na medida em que se dirige ao cidadão e deseja ser entendido por ele. Para além disso, serve -se em grande escala de uma linguagem técnico – jurídico especial, na qual ele se pode expressar com mais precisão, e cujo uso o dispensa de muitos esclarecimentos circunstanciais. No entanto, também esta linguagem técnica se apoia na linguagem geral, uma vez que o Direito, que a todos se dirige e a todos diz respeito, não pode renunciar a um mínimo de compreensibilidade geral. (KARL LARENZ, “Metodologia da Ciência do Direito”, 3ª Edição, Trad. José Lamego, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 450/457 – grifou-se)

[12] “Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente.” (CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1990, p. 247).

 

Fonte: Conjur.

Perguntas e respostas

Sem Foto