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26-11-2023
Possibilidade de inclusão do adiantamento sobre contrato de câmbio na RJ
O adiantamento sobre o contrato de câmbio (ACC) é um dos mais conhecidos e utilizados mecanismos de financiamento à exportação, uma espécie de contrato que visa a venda de moeda estrangeira por exportador à instituição financeira, por meio do adiantamento de valores em moeda nacional, pela instituição financeira compradora do câmbio estrangeiro, os quais devem estar vinculados à uma operação mercantil de exportação que será liquidada em momento futuro.
Algumas instituições financeiras incluem no ACC cláusulas de vencimento antecipado na hipótese de pedido de recuperação judicial por parte de empresas, produtores rurais e outros empresários, considerando, que, em tese, seus créditos não se sujeitam aos efeitos do concurso de credores, por força dos artigos 49, §4º e artigo 86, II, ambos da Lei nº 11.101/2005.
Ainda, há casos em que o ACC pode ser simulado (contrato de outra natureza, com a roupagem de ACC), por assim dizer, justamente para que a instituição financeira possa se "safar" da sujeição do crédito a uma possível recuperação judicial da devedora.
Isso porque, o entendimento majoritário é de que o crédito é extraconcursal, sendo os encargos do contrato, tais como juros e correção monetária, sujeitos aos efeitos da recuperação judicial (o que contraria a própria regra do direito civil, no sentido de que a obrigação acessória segue a principal, nos termos do artigo 92 do Código Civil — como pode a obrigação principal ser extraconcursal e a obrigação acessória ser concursal? Não faz o menor sentido).
Todavia, é de se pensar sobre a redação dos dispositivos citados (artigos 49, §4º e artigo 86, II, ambos da Lei nº 11.101/2005), pois a exclusão do Adiantamento do Contrato de Câmbio do concurso de credores como uma "regra geral", colide diretamente com o princípio da preservação da empresa e o instituto da recuperação judicial.
Isso porque, o artigo 47 da Lei nº 11.101/2005, aduz que a recuperação judicial tem como o objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Nesse ínterim, como pode ser excluído um crédito da Recuperação Judicial se pode colocar em risco a atividade empresarial no mundo globalizado, que muitas operações, especialmente de empresas que trabalham com exportação e importação, são realizadas com moeda estrangeira?
Não nos parece lógica a escolha do legislador (ao primar pela preservação da empresa e excluir do concurso de credores um contrato que pode causar grande prejuízo ao caixa, caso cobrado e com pagamento fora do plano de recuperação judicial), com todo o respeito, se pensarmos na interpretação sistemática da norma, que não pode ser vista artigo por artigo (de forma isolada), mas deve ser vista de forma sincronizada e harmônica.
Talvez a intenção do dispositivo de extraconcursalidade do ACC fosse garantir ao credor o recebimento daquele ativo que deveria ser infungível, ou seja, único, separado, de propriedade da instituição financeira parte do negócio jurídico.
Todavia, a ideia real do ACC se perdeu com tempo, e atualmente temos a autorização de perseguição do patrimônio total do credor, e não apenas um ativo específico (até mesmo porque se falamos de dinheiro em espécie, como garantir a infungibilidade?).
Assim, um credor que deveria ser preferencial por motivo específico, sobre ativo específico, se torna um credor "master", com privilégio sobre todos os outros, e com acesso ao patrimônio integral do devedor.
Inclusive, em relação aos últimos acontecimentos nesse sentido, o STJ tem decidido pela impossibilidade de execução do ACC quando da existência do processo de recuperação do devedor, dando lugar ao pedido de restituição (anteriormente cabível apenas na falência, nos termos do artigo 86, II da Lei 11.101/05 e da Súmula 307/STJ) a fim de que o juízo recuperacional possa avaliar essas constrições indistintas, sob pena de inviabilizar a recuperação judicial e prejudicar todos os demais credores, com base no artigo 6⁰, parágrafo 7⁰-A da Lei 11.101/05 (REsp 1.810.447/SP e REsp 1.723.978/PR).
Justamente nessa mesma linha, visando a manutenção da atividade empresarial de empresas em recuperação judicial, necessário trazer à tona a discussão jurídica sobre a possibilidade de incluir o ACC na recuperação judicial, principalmente em duas frentes.
A primeira se dá quando a maior parte de dívidas de uma empresa em recuperação judicial seja proveniente de ACCs, de modo que para mitigar o caráter extraconcursal desses contratos e pleitear sua inclusão no rol de credores da recuperação judicial, visando a manutenção da atividade empresarial, a empresa em crise deve demonstrar que a exclusão da dívida dos efeitos da recuperação judicial inviabilizará a existência da empresa.
Esse pedido está amparado no princípio de preservação da empresa que compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas sempre que possível, a qual se alinha com os objetivos fundamentais da Constituição em seu artigo 3º: "Artigo 3º…I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".
A segunda se dá quando o ACC for "simulado", visando ocultar um contrato de mútuo, justamente na hipótese de uma instituição financeira visar evitar a sujeição de seu crédito aos efeitos da recuperação judicial.
A regra geral é que o ACC, por sua natureza dispensa a apresentação do documento de exportação para se tornar um ato jurídico válido. Porém, se a empresa em recuperação judicial comprovar que inexiste negócio e foi "forçada" pela instituição financeira a celebrar esse tipo de contrato, diante de uma análise detalhada e circunstâncias fáticas capazes de evidenciar desvio de finalidade do contrato para encobrir contrato de mútuo e burlar o concurso de credores, é possível o reconhecimento judicial para inclusão do crédito à recuperação judicial.
Portanto, na análise das minúcias do adiantamento de contrato de câmbio, não se pode ser tão categórico na aplicação da norma, quando se há situações em que a extraconcursalidade pode ser questionada, principalmente quando demonstrado o desvio da finalidade do contrato e colisão clara com o princípio da preservação da empresa, sendo tema de extrema relevância, que necessita de atenção dos operadores do direito como um todo, para que haja adequação do texto da lei à realidade dos fatos.
Fonte: Conjur.