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13-10-2020 

Planos de recuperação não devem ignorar débitos fiscais

Por Domingos Fernando Refinetti

 

Notícias a respeito do julgamento de 4 de setembro de 2020, do ministro Luiz Fux — Medida Cautelar na Reclamação 43.169-São Paulo — podem gerar inconformismo, talvez injustificado, no campo do Direito da Insolvência.

Em síntese, a decisão assevera que, para que se conceda a recuperação judicial de um devedor (artigo 58 da Lei 11.101/05), será necessária a apresentação, por esse devedor, de uma Certidão de Regularidade Fiscal (ou uma Certidão Positiva com Efeitos de Negativa ou, ainda, eventualmente, certidão derivada de uma transação tributária com o Fisco).

O inconformismo fundamenta-se no fato de que essa exigência poderia acarretar uma onda de falências, uma vez que exigir tal certidão "num estágio tão inicial" do processo de recuperação tornaria esse processo inviável, dado que os devedores seguramente não a obteriam.

Essa é uma questão recorrente no seio do Direito da Insolvência, lastreada no fato de que os créditos tributários, pela letra da lei de regência, não se submetem ao procedimento recuperatório e, tampouco, aos seus efeitos, de modo que o Fisco permanece com o direito de buscá-los ao largo desse procedimento.

Sem que se entre no mérito dessa opção legislativa, o fato é que os devedores concentram, efetivamente, os termos e as condições de seus planos de recuperação na satisfação dos créditos sujeitos à recuperação judicial, porque são os seus respectivos credores que o aprovam ou desaprovam-no.

Entretanto, isso não equivale a dizer que tais planos — que, na realidade, deveriam ser mais do que simples reestruturações das dívidas concursais, mas, sim, planos de real reestruturação da empresa, sob os pontos de vista organizacional, operacional, mercadológico e econômico-financeiro — devam, simplesmente, desconsiderar a existência de débitos fiscais e sua forma de pagamento.

Para tanto, bem ou mal, estipulação específica, contida na Lei nº 13.043/14, a permitir o parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional em até 84 meses (sete anos), o que habilitaria que as empresas devedoras, ao pretenderem a concessão de sua recuperação judicial, já tivessem obtido tal benefício e já tivessem considerado, em seu fluxo de caixa e em seu plano de negócios, também o seu respectivo pagamento, tanto quanto fazem com os débitos a ela sujeitos (sem embargo da adesão a normas mais recentes a permitir a transação de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, também mencionada pelo ministro Luiz Fux).

É bem verdade que as condições previstas para o parcelamento/transação são consideradas "draconianas" pelas empresas em "crise econômico-financeira", que, ao pleitearem a recuperação judicial, acumulam, no mais das vezes, débitos fiscais praticamente impagáveis (situação que conta com a lenta, tardia e, muitas vezes, também desabusada, atuação do fisco na salvaguarda de seus interesses).

E, mesmo que o Fisco venha a atuar por meio de execuções fiscais, a superveniência de uma recuperação judicial do devedor seguramente significará empecilho para a excussão da dívida ou de bens que a garantam, em razão de conceitos sobre a sua "essencialidade" para a efetiva recuperação do devedor.

Chega-se a esse impasse, portanto, por uma soma de fatores, que, aliás, deveriam ser seriamente enfrentados pelos legisladores preocupados em atualizar, neste exato momento, a Lei 11.101/05 (e há propostas para tanto).

De outro lado, parece sensato imaginar que uma recuperação judicial deve ser concedida a uma empresa desde que todos os seus passivos — sujeitos ou não ao procedimento — tenham sido, senão equacionados, pelo menos endereçados.

Aprovar um plano de recuperação judicial em que os débitos fiscais foram simplesmente ignorados (de um modo ou de outro), pairando sobre a empresa reais ou eventuais excussões que poderiam inviabilizar o cumprimento do seu plano de recuperação judicial e, portanto, a sobrevivência da empresa, tampouco parece efetivo ou, por outra, seguramente estar-se-á tapando o sol com uma peneira (vale consulta à recente decisão de 15 de setembro, da lavra do desembargador Eduardo Gusmão Alves de Brito Neto, no agravo de instrumento nº 0046087-14.2020.8.19.0000).

Entre a data do protocolo do pedido de recuperação e a decisão do juiz que concede a recuperação judicial do devedor — cujo plano não tenha sofrido objeção de credor ou tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores —, medeiam, no mínimo, 180 dias ou seis meses.

Esse é o tempo que a lei concede, genericamente, para que esse devedor efetivamente formate e formalize o seu business plan e, bem assim, retome seus negócios (prazo de seis meses que tem como pressuposto o fato — de resto, condenável sob o ponto de vista da administração de empresas — de que somente depois de ter acessado a Justiça é que o devedor vai se debruçar, efetivamente, sobre um projeto de recuperação para seu negócio).

De todo o modo, dados os limites legais aplicáveis, é o prazo de que dispõe esse devedor tardio (late turnaround) para poder submeter aos credores um plano crível e consistente de recuperação de sua atividade empresarial.

Não se trata, portanto, de um evento-surpresa ou de algo inesperado para o devedor. Tampouco é algo que se lhe exige ao protocolar o seu pedido de recuperação judicial (ou seja, desde logo) e, menos ainda, algo que torne, em seu confronto, totalmente desbalanceado, desequilibrado, perdido, mesmo, o princípio da preservação da empresa e de sua função social e, portanto, uma afronta ao "postulado da proporcionalidade", que teria, nesse caso, por fundamento, o artigo 47 da Lei 11.101/05.

Aliás, com a devida vênia, mais parece que justamente a elevação desse artigo à categoria de panaceia é que transformou essa exigência (apontada pelo ministro Fux e constante de lei — artigos 57, da lei 11.101/05 e 191-A, do CTN) em letra morta ou em algo com que nenhum agente de um procedimento de recuperação judicial precisava se preocupar (ressalvados alguns obstinados estudiosos do assunto).

Ao contrário, tivessem se preocupado desde os primórdios da Lei 11.101/05, talvez essa questão fiscal, crucial, já tivesse sido encarada de frente, enfrentada e resolvida. Infelizmente, não é assim que o Brasil funciona em questões pontuais como essa ou em questões maiores estruturais.

Fonte: ConJur

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