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20-10-2023
Penhora de ações de companhia aberta em RJ: um marco na jurisprudência
A dinâmica e complexa jurisprudência brasileira frequentemente se depara com desafios significativos, especialmente em casos relacionados ao meio empresarial e à legislação de recuperação judicial.
Nesse contexto, faz-se relevante destacar que, recentemente, vale dizer, no mês de setembro do corrente ano, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão crucial no bojo do Recurso Especial nº 2.055.518/DF, em caso que foi relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva, que repercute profundamente no cenário jurídico nacional, abordando a penhora de ações de sociedades anônimas em processo de recuperação judicial.
A discussão vertente se deu acerca da possibilidade da penhora das ações detidas pelo acionista controlador de uma companhia aberta, a qual estava em recuperação judicial.
Esse caso, amplamente discutido e analisado, apresentou uma série de nuances jurídicas complexas, oferecendo uma oportunidade valiosa para uma reflexão mais profunda sobre o tema.
A decisão da 3ª Turma do STJ, embasada no princípio da livre circulabilidade da participação societária, trouxe clareza a uma questão anteriormente nebulosa.
Em tal contexto, as ações de uma sociedade anônima são consideradas ativos integrantes do capital social da empresa, mas pertencem, de fato, aos acionistas individuais.
Assim, o tribunal se posicionou no sentido de que essas ações são penhoráveis, desde que tal medida não prejudique o patrimônio das empresas do grupo em recuperação judicial. Essa decisão, portanto, estabeleceu um precedente crucial para casos futuros, proporcionando orientação clara aos tribunais inferiores e às partes envolvidas.
A implicação mais profunda dessa decisão vai além da interpretação da lei. Isso porque ela destaca a necessidade vital de uma abordagem contextuada e específica para cada caso ao lidar com questões de penhora de ativos em processos de recuperação judicial.
Pelo que se extrai do inteiro teor do julgado, o colendo STJ já havia se posicionado favoravelmente à penhora das ações de sociedades anônimas, mesmo estando em recuperação judicial, contudo, o exame feito nos casos precedentes (Ag. Int. no AREsp 1.860.854/SP e Ag.Int. no AREsp nº 2.020.546/SP) esteve voltado à análise da eventual quebra da affectio societatis, isto é, do vinculo subjetivo que envolve os acionistas das empresas.
No entanto, ao enfrentar o caso em comento, que versava sobre uma sociedade de capital aberto, isto é, cujas ações circulam livremente em bolsa de valores, tal princípio não se materializa, posto que se vinculam ao princípio da "livre circulabilidade da participação societária".
Complementou o ilustre relator, em seu voto, ao aduzir que:
"Sob esse prisma, portanto, não haveria óbice à penhora de ações que integram o capital social de sociedade anônima em recuperação judicial, restando aferir a possibilidade da constrição judicial à luz dos preceitos legais indicados como malferidos (...)
A constrição recaiu, na verdade, sobre 'ativos de baixa liquidez no mercado', representados por 905.517 (novecentas e cinco mil quinhentas e dezessete) ações, que, a despeito de integrarem o capital social da sociedade JOÃO FORTES ENGENHARIA S.A., pertencem a GASTER PARTICIPAÇÕES S.A., sociedade anônima de capital fechado (holding) que, além de não estar em processo de recuperação judicial, é a acionista majoritária da referida companhia, conforme quadro acionário divulgado pelo próprio grupo econômico (...)
Ademais, a alteração de titularidade das ações, por força de eventual adjudicação ou alienação em bolsa, não implica redução do patrimônio da sociedade, que permanecerá o mesmo. Assim, não tendo recaído a penhora sobre o patrimônio de nenhuma das empresas do grupo que estão em recuperação judicial, nada obsta a sua manutenção em relação a bens particulares da acionista majoritária (Gaster), estes, sim, objeto de constrição judicial."
Assim, o principal fato que se que se extrai do caso em epígrafe, vem a ser a possibilidade dos credores avançarem com a constrição sobre as ações detidas pelo acionista da empresa em Recuperação Judicial, mesmo no caso das companhias terem suas ações negociadas em bolsa de valores, haja vista que, nos termos em que fixado pelo C. STJ, tais bens estão vinculados à livre circulação e, portanto, nada interferem à continuidade da recuperação judicial.
Nesse aspecto, faz-se relevante mencionar que cada empresa possui uma estrutura própria, circunstâncias financeiras particulares e uma complexidade própria, exigindo uma análise minuciosa para garantir uma decisão justa e equitativa. Os tribunais, ao considerarem fatores como a estrutura societária, o estado financeiro da empresa e os interesses dos credores, podem assegurar que a justiça seja alcançada para todas as partes envolvidas.
Além disso, a decisão sublinha a importância contínua do diálogo entre o judiciário, os legisladores e os profissionais do direito. As leis precisam ser continuamente adaptadas para refletir a dinâmica mutável do ambiente empresarial. Um sistema jurídico robusto e flexível é essencial para garantir que a justiça seja feita em todas as circunstâncias, especialmente em casos tão complexos quanto a penhora de ativos de controladoras de empresas em recuperação judicial.
Por fim, destaca-se a importância da decisão da 3ª Turma do STJ sobre a penhora de ações de sociedade anônima aberta, em recuperação judicial, representando um marco significativo na jurisprudência brasileira.
Além de oferecer uma interpretação clara da lei, ela destaca a necessidade de um exame detalhado das circunstâncias individuais de cada caso. Isso não apenas assegura um tratamento justo para todas as partes envolvidas, mas também reforça a confiança no sistema jurídico brasileiro como um todo.
Portanto, esse posicionamento não apenas orienta decisões futuras, mas também ressalta a importância da adaptação contínua da legislação para garantir a justiça e a equidade em um mundo empresarial em constante mudança.
Fonte: Conjur.