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10-08-2023
Patrimônio de afetação e a inviabilização da RJ da incorporadora/construtora
A construção civil desempenha importante papel na sociedade brasileira, tanto sob a perspectiva econômica quanto sob a perspectiva social, movimentando o mercado, gerando empregos e habitações. No entanto, a realidade é, muitas vezes, dura. Em regra, o retorno financeiro ocorre apenas após um alto investimento inicial. Isso, somado a outros fatores, como a alta concorrência e a sua maior sujeição às oscilações da economia, faz com que o índice de falência das empresas do setor seja elevado.
Diante disso, é importante que aqueles que estejam de alguma forma envolvidos com a construção civil — incorporadoras, construtoras, fornecedores, investidores, adquirentes — tenham conhecimento acerca de importante instituto relativo ao setor: o patrimônio de afetação. Tal instituto foi introduzido no Brasil justamente em razão da falência de uma das maiores construtoras e incorporadoras do país (Encol), através de alteração legislativa na Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64) e da Lei de Falência e Recuperações (Lei nº 11.101/2005).
Mas o que é, afinal, patrimônio de afetação? No âmbito da construção civil, consiste em um instituto jurídico que separa o terreno (e os recursos empregados para a realização do empreendimento) do patrimônio da construtora/incorporadora. Serve como uma garantia aos adquirentes, dando maior segurança e credibilidade ao empreendimento. A partir da averbação da afetação, a parte destacada fica protegida, destinada à realização do empreendimento — conclusão da incorporação e efetiva entrega das unidades imobiliárias aos adquirentes — evitando que os recursos investidos naquela obra sejam utilizados em outra ou sejam tomados para satisfação de outros credores da incorporadora.
Se a incorporadora falir, há previsão legal que impede que o patrimônio afetado seja utilizado para satisfazer o crédito de outros empreendimentos vinculados à falida. No caso de recuperação judicial, a lei é silente, mas prevalece o entendimento de que o empreendimento afetado não pode integrar o plano de recuperação. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que sequer é possível admitir a recuperação judicial de sociedade de propósito específico (SPE) constituída para a realização de empreendimento com patrimônio de afetação — o que, atualmente, é prática bastante comum no setor.
Em outras palavras, considerando que as empresas do setor construtivo, por anos, lideraram o ranking de empresas que mais faliram no Brasil, o patrimônio de afetação representa importante benefício aos adquirentes, pois reduz as chances de não receberem nada caso a empresa se torne insolvente — nesse caso, eles podem, inclusive, decidir pela continuação da obra, gerindo-a. Inexistindo patrimônio de afetação, não raras vezes, o patrimônio da incorporadora acaba sendo consumido pelos créditos preferenciais (trabalhistas/fiscais), impossibilitando que os adquirentes recebam algo de volta.
Para as financiadoras, por sua vez, dadas essas implicações, é relevante saber se o empreendimento em questão vai ou não ser realizado com patrimônio de afetação, calculando os riscos e benefícios envolvidos — inclusive, para fins de barganha — estando ciente de que, salvo disposição em contrário, em caso de liquidação do empreendimento, elas serão reembolsadas somente após os adquirentes.
Para as incorporadoras, por outro lado, a instituição de patrimônio de afetação (uma faculdade sua) também pode ser vantajosa. Isso, porque, para além de trazer uma série de benefícios fiscais (como o Regime Especial Tributário — RET), tende a dar mais segurança ao empreendimento, atraindo mais e melhores potenciais compradores, de modo que possibilita exigir, em contrapartida, melhores preços, maiores garantias e maior retenção de valores em caso de distrato.
É preciso, porém, saber como fazê-lo (observando as formalidades necessárias, como o arquivamento do Memorial de Incorporação no registro imobiliário competente), bem como calcular — em uma análise econômico-financeira e jurídica — todos os riscos envolvendo tal escolha. Em especial, se a empresa não estiver em condição sadia (ou se a economia estiver muito instável), haja vista que isso pode acabar inviabilizando um importante recurso de superação de crise econômica, que é a possibilidade de o empreendedor realizar pedido de recuperação judicial.
Afinal, se parte do patrimônio da empresa não puder ser utilizada na sua recuperação (que é o que acontece quando existe patrimônio de afetação), aumenta-se o risco de falência, haja vista a diminuição dos meios de mediação e negociação com credores.
Destaca-se, portanto, que a compreensão pelo empreendedor do ramo de construção sobre o momento de mercado e a situação econômico-financeira de sua própria empresa frente aos reflexos jurídicos do patrimônio de afetação é extremamente relevante para que ele tome decisão assertiva quanto à sua instituição. Em que pese trazer benefícios (potencializando negócios), ela pode se tornar um grave óbice à utilização deste outro instituto jurídico bastante importante e necessário à superação de crises: a recuperação judicial.
Fonte: Conjur.