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10-12-2024
Pagamento de créditos trabalhistas na recuperação judicial e aplicação de deságio
Ao credor trabalhista, não apenas nos processos de insolvência, mas também em outras esferas do Direito, são conferidas garantias especiais considerando a natureza alimentar de tal direito e a necessidade de tutela desses credores que, em regra, são mais vulneráveis. Apesar da natureza negocial do plano de recuperação judicial e da liberdade de as partes estabelecerem as condições de pagamento, o legislador optou por mitigar tal autonomia ao tratar de créditos trabalhistas e equiparados.
Desde a promulgação da Lei nº 11.101/2005 (LREF), o caput de seu artigo 54 possui a seguinte redação: “O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial”.
Foram estabelecidas, portanto, limitações temporais à quitação do crédito trabalhista, sendo o marco inicial da contagem a data da concessão da recuperação judicial.
Contudo, esse engessamento pode não ser favorável nem mesmo aos trabalhadores em alguns casos. Imagine-se, por exemplo, hipótese em que o endividamento, em razão de peculiaridades da atividade, seja eminentemente composto por créditos da classe 1. Ainda, que referido devedor demonstre muito mais possibilidade de geração de valor estando em atividade quando comparado com o que poderia arrecadar em procedimento falimentar.
Em caso como esse, pela lógica, o credor trabalhista pode não ter nenhum interesse de que seja decretada a falência da sociedade empresária. Entende que a quebra pode acarretar que, provavelmente, acabe não recebendo nada por parte da sociedade empresária.
Neste contexto, o credor poderia ter interesse de aprovar cláusula com condições mais elásticas do que aquelas estabelecidas pelo caput do artigo 54 da LREF.
No entanto, mesmo que o plano fosse aprovado pela classe 1, caberia ao Judiciário, no exercício do controle de legalidade, anular cláusula que estivesse em desacordo com as determinações legais.
Mostra-se razoável, portanto, a busca de equilíbrio entre a celeridade de recebimento do crédito e a real capacidade de pagamento da recuperanda, sob pena de, ignorando a segunda em detrimento da primeira, o trabalhador acabar sem nada a receber.
A alteração realizada em 2020, através da Lei nº 14.120, trouxe uma maleabilidade um pouco maior para as disposições concernentes ao credor trabalhista. Contudo, previu algumas amarras a fim de preservar a tutela do trabalhador, visando ao equilíbrio entre a liberdade contratual e a proteção dos seus direitos.
Foi inserido o parágrafo 2º no artigo 54, prevendo a possibilidade de extensão em até dois anos do prazo estabelecido no caput desde que o plano de recuperação judicial atenda, de forma cumulativa, aos seguintes requisitos: “I – apresentação de garantias julgadas suficientes pelo juiz; II – aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do § 2º do art. 45 desta Lei; e III – garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas”.
Em resumo, o plano passou a poder prever prazo de pagamento de até três anos, desde que seja aprovado pelos credores conforme quórum legal, que preveja a quitação integral dos créditos e que apresente garantias para tanto.
Aplicação de deságio
O deságio do crédito trabalhista, por sua vez, não foi expressamente abordado pela legislação. Nem sua possibilidade, nem sua vedação, o que levaria a crer, em princípio pela sua legalidade.
Nos tribunais estaduais, podem se destacar decisões para ambos os sentidos [1] — tanto pela possibilidade de deságio quanto pela impossibilidade.
Como argumentos pela ilegalidade de tal previsão, consigna-se [2] que a redução dos créditos é vedada, exceto mediante acordo ou convenção coletiva com a participação de sindicato (artigo 7º, VI, da CF). O artigo 114 da Constituição também é dispositivo suscitado nesse sentido, eis que prevê a competência exclusiva da Justiça do Trabalho para deliberar sobre tais temas.
Diante desse cenário nebuloso, decisão recente, proferida nos autos do Recurso Especial nº 2.110.428/SP, chamou a atenção, eis que declarou a legalidade de cláusula que estabelecia deságio em créditos trabalhistas e definiu parâmetros para tanto.
O voto da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça seguiu a lógica de que, no momento em que a reforma de 2020 condicionou a extensão do prazo para até três anos, dentre outras condições, à garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas, poder-se-ia inferir que, sendo proposta a quitação no original prazo de um ano (caput do artigo 54), não seria necessário o pagamento integral da dívida.
Assim consignou o julgado em debate: “A extensão do prazo para pagamento, que somente é permitida sem deságios, reforça o entendimento de que se o pagamento for feito dentro do prazo de 1 (um) ano, poderá conter descontos”.
No caso concreto, portanto, a Corte Superior deu provimento ao recurso da recuperanda, reformando o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e declarando a legalidade das cláusulas que dispõem sobre o pagamento do crédito trabalhista contendo deságio.
Referido entendimento pode ser essencial para viabilizar recuperações judiciais de determinadas sociedades empresárias, especialmente a depender da atividade desenvolvida e do perfil de endividamento.
[1] A título exemplificativo, caso do TJ-SP que entendeu pela legalidade da previsão: TJ-SP; Agravo de Instrumento 2069194-24.2021.8.26.0000; desembargador relator: Grava Brazil; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; data do julgamento: 16/9/2021; Data de Registro: 16/9/2021.
[2] TJ-RJ; Agravo de Instrumento 0006461-22.2019.8.19.0000; desembargadora relatora Maria Luiza de Freitas Carvalho; julgamento: 22/05/2019; 11ª Câmara de Direito Privado (antiga 27ª Câmara Cível).
Fonte: Conjur.