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02-05-2023 

Os direitos trabalhistas na recuperação judicial

A recuperação judicial não obsta a realização de qualquer diligência fiscalizadora e a apuração das infrações administrativas, não acarretando a suspensão das execuções fiscais para a cobrança de tributos e multas administrativas, como prevê expressamente o § 7º-B, do art. 6º, da lei 11.101/05.

O que têm em comum Guarani, Náutico, Coritiba, Figueirense, Chapecoense, Paraná, Joinville, Tigre (Rio Branco), Cruzeiro, Santa Cruz, Grupo Petrópolis (cerveja Itaipava), Itapemirim, Avibrás, Americanas, Oi? A lista é grande, incluindo clubes de futebol e entidades empresárias, e não para de aumentar. Todos são agentes submetidos ao processo de recuperação judicial e, no caso da Oi, é a segunda vez que a companhia telefônica pede em juízo a proteção contra os credores. E nada indica que a situação irá refluir, pois conforme levantamento da Serasa Experian nos dados de fevereiro, foram 103 novos pedidos, representando avanço de quase 90% ante o mesmo mês do ano passado.

Esse processo visa a evitar a decretação de falência (meio preventivo da quebra) e compreendia originalmente apenas o empresário individual e as sociedades empresárias (art. 1º da lei 11.101/05), mas a legislação foi modificada para abranger os clubes de futebol (art. 25 da lei 14.193/21; art. 971, parágrafo único, do Código Civil). A jurisprudência, contudo, vem estendendo a aplicação da recuperação judicial às associações e até fundações que exerçam atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços ao mercado. Por outro lado, de acordo com o art. 18 da lei 12.767/12, são se aplicam às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na lei 11.101/5, salvo posteriormente à extinção da concessão.

As notícias de novos pedidos de recuperação costumam ser amplamente divulgados na mídia e não deixam de gerar inquietação, lançando no ar uma atmosfera de incerteza entre os trabalhadores, uma vez que seus os créditos se encontram sujeitos aos efeitos da recuperação judicial do empregador. Determina a lei 11.101/05 que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (art. 47). 

Ao mesmo tempo a lei prevê que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49), neles incluídos os créditos trabalhistas (arts. 41, inc. I; e 51, inc. IX). A Segunda Seção do STJ, sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.051), estabeleceu a tese, baseada em jurisprudência unânime da Corte, de que: "Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador". (Processos: REsp1.840.531; REsp 1.840.812; REsp 1.842.911; REsp 1.843.332; REs 1.843.382). Somente a partir da lei 14.112/20, que introduziu nova redação no § 1º do art. 161, da lei 11.101/05, os créditos trabalhistas passaram a ser incluídos na recuperação da modalidade extrajudicial (acordo com os credores para posterior ingresso em juízo do pedido de homologação), mas na dependência de negociação coletiva com o respectivo sindicato laboral.

O deferimento da recuperação judicial (decisão do juiz que recebe a petição inicial e  determina o processamento), nos termos do artigo 6º da lei 11.105/05, produz de imediato os seguintes efeitos: suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta lei;  suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; e proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitemse à recuperação judicial ou à falência. Esses efeitos poderão ser antecipados judicialmente por meio de tutela cautelar de urgência, preparatória de processo principal de recuperação (art. 6º, § 12, da lei 11.101/05), como aconteceu na segunda recuperação da Oi e em vários outros casos.

O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a um ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial (art. 54, caput, da lei 11.101/05). Esse prazo pode eventualmente ser estendido por mais dois anos, perfazendo um total de 3 anos, desde que atendidos os requisitos previstos no § 2º do mesmo artigo. Diante do acentuado caráter alimentar (alimentos naturais destinados à sobrevivência imediata, em contraposição aos alimentos denominados civis ou côngruos da doutrina civilista), o plano não poderá prever prazo superior a trinta dias para o pagamento, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial (apenas verbas salariais stricto sensu) vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial (§ 1º do referido art. 54). 

No caso das Americanas, o plano proposto pela empresa previu o pagamento integral de todos os créditos trabalhistas e de microempresas ainda remanescentes no prazo de 30 dias contados da homologação judicial, mantidas os termos e condições originários, isto, é, sem qualquer desconto ou deságio. Na recuperação judicial do jornal desportivo Lance!, o STJ admitiu que os créditos trabalhistas sofressem um desconto ou deságio de 60%, aprovado em assembleia de credores da qual os trabalhadores integraram, compondo a classe I do art. 45 da lei 11.101/05. A única exigência daquele Tribunal foi que os trabalhadores, conforme o regramento vigente à época, recebessem os valores em até um ano (cf. Jornal Valor Econômico, edição de 21.7.17, p. E1). 

O crédito trabalhista litigioso será julgado pela Justiça do Trabalho, cujo valor apurado em sentença será inscrito no quadro geral de credores e imune a impugnações no juízo da recuperação. Forma-se o título executivo judicial do crédito trabalhista, para recebimento na recuperação judicial, na própria Justiça do Trabalho, consoante o art. 6º, § 2º, da lei 11.101/05. Ademais, conforme esse dispositivo legal, é permitido pleitear, diretamente perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho.

Se, conforme o Plano de Recuperação Judicial homologado, o pagamento dos credores envolver a alienação de ativos da entidade devedora em recuperação, os objetos estarão livres de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista (art. 60 e 60-A, da lei 11.101/05). Nesse caso, fica afastada a regra geral prevista nos arts. 448 e 448-A, da CLT, inaplicável à insolvência empresarial disciplinada pela lei 11.101/05. Diga-se, de passagem (por não ser o foco deste artigo), que identicamente na falência a alienação de bens não caracteriza sucessão nem induz responsabilidade do arrematante (art. 141, inc. I, da lei 11.101/05).

A ocorrência da recuperação judicial deverá estar atualizada nos dados cadastrais relativos ao CNPJ (art. 22, § 1º, inc. III, da Portaria RFB 2.119/22). Conforme explanado na aula 5.3 do Curso de Tipos Empresariais, módulo 2, da ENIT, a ação fiscalizadora trabalhista não é afetada pela recuperação. Dispõe a Instrução Normativa 2/21, a seu turno, que o planejamento da fiscalização deve priorizar o andamento das fiscalizações e dos processos administrativos de empregadores em fase de recuperação judicial, falência, liquidação judicial ou extrajudicial (art. 291).

Antes de ser extinta a homologação da rescisão dos contratos de trabalho, a Secretaria de Relações do Trabalho editou o seguinte enunciado:

ENUNCIADO 17 - HOMOLOGAÇÃO. EMPRESA EM PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. As empresas em processo de recuperação judicial não têm privilégios ou prerrogativas em relação à homologação das rescisões de contrato de trabalho. Portanto, devem atender a todas as exigências da legislação em vigor. Ref.: Art. 6º da lei 11.101, de 2005 e art. 477 da CLT.

Trata-se a recuperação judicial de um processo instaurado por iniciativa do próprio devedor (art. 48 da lei 11.101/05) e sob o risco deste, destinado a viabilizar a situação de crise econômico-financeira. Diferentemente da antiga concordata, em que bastava o devedor cumprir certos requisitos para que o juiz concedesse o favor legal, a recuperação subordina-se, basicamente e no final de contas, à deliberação dos credores dentro de determinados quóruns de manifestação. 

A recuperação judicial não impede que as empresas tenham que cumprir com as suas obrigações trabalhistas, muito pelo contrário, uma vez que a atividade econômica permanece em continuidade, em regra sem afastamento do devedor e dos administradores (arts. 64 e 65 da lei 11.101/05), e pressupõe a viabilidade de funcionamento obediente às normas legais. Apenas as massas falidas, na falência propriamente dita, é que ficam isentas das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT (Súmula 388 do TST). Pelo art. 899, § 10, da CLT, a recuperanda fica isenta igualmente do depósito judicial para fins de recurso ao tribunal. Nesse sentido, confira-se a decisão proferida pelo TRT da 15ª Região, no RO nº 0001546-43.2013.5.15.0018.

A efetiva comprovação de que o devedor possa se soerguer econômica e financeiramente em razão um processo de recuperação judicial é a capacidade de cumprir corretamente com a legislação em pleno curso do processo, até porque a recuperação somente abrange obrigações - e não infrações à ordem jurídica administrativa - existentes na data da formulação do pedido em juízo (art. 49 da lei 11.101/05). A recuperação judicial jamais apaga, extingue ou mitiga as infrações administrativas imputáveis à recuperanda.

Realmente, a recuperação judicial não obsta a realização de qualquer diligência fiscalizadora e a apuração das infrações administrativas, não acarretando a suspensão das execuções fiscais para a cobrança de tributos e multas administrativas, como prevê expressamente o § 7º-B, do art. 6º, da lei 11.101/05. O STJ já decidiu que multas administrativas, aplicadas em decorrência do exercício do poder de polícia, em que pese de sua natureza não tributária, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial (REsp 1.931.633) e sua cobrança deve prosseguir perante do juízo próprio da Fazenda Pública. Os créditos fazendários, inclusive de FGTS por expressa determinação legal, encontram-se sujeitos ao incidente de classificação do crédito público, na falência do devedor (art. 7º-A e seu § 7º, da lei 11.101/05).

Vale o Registro de Sérgio Campinho:

O regramento do art. 7º-A, aplica-se que couber, às execuções fiscais relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho e às execuções de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II da Constituição Federal, decorrentes das sentenças proferidas no âmbito da Justiça do Trabalho (Constituição Federal, incisos VII e VIII do art. 114), bem assim os créditos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). (Temas relevantes e controvertidos da reforma da lei de Falências e Recuperação de Empresas (lei 14.112/20) [recurso eletrônico]. São Paulo: Expressa, 2021, p. 15-16).

A atual redação do art. 68 da lei 11.101/05 prevê que as Fazendas Públicas e o INSS poderão conceder parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial, ajuntando o parágrafo único que as microempresas e empresas de pequeno porte farão jus a prazos 20% superiores àqueles concedidos às demais empresas. Nesse sentido, o art. 10-A da lei 10.522/02, com a redação dada pela lei 14.112/20, estabelece que o devedor em recuperação poderá obter parcelamento da dívida tributária e não tributária para com a Fazenda Nacional em até 120 prestações mensais e sucessivas, ampliado o prazo em 20% para o parcelamento de microempresas e empresas de pequeno porte, totalizando 144 prestações (§ 7º-A). A Portaria PGFN 2.382/21, disciplina o parcelamento de débitos inscritos em dívida ativa da União e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS de responsabilidade de contribuintes em processo de recuperação judicial.

Por fim, o artigo 50 da lei 11.101/05 arrola exemplificadamente os meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, mencionando-se aqui redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, bem como trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados (incs. VII e VII). Do mesmo modo que o descumprimento, durante o processo de recuperação, das condições do respectivo plano homologado judicialmente, o descumprimento dos parcelamentos obtidos junto às Fazendas Públicas acarreta a decretação de falência (art. 73, incs. IV e V, da lei 11.101/05, c/c o art. art. 10-A, § 4º-A, inc. IV, da lei 10.522/02).

Fonte: Migalhas.

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