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14-02-2025 

O espólio do produtor rural pode pedir recuperação judicial?

A legislação permite ao espólio, via inventariante, pleitear recuperação judicial para reestruturar dívidas no agronegócio.

A viabilidade do espólio de um produtor rural pleitear recuperação judicial é um tema que exige análise minuciosa sob os aspectos jurídico e econômico, especialmente diante dos desafios crescentes do agronegócio.

Esse debate ganha ainda mais relevância à luz dos dados da Serasa Experian1, que apontam um aumento expressivo nos pedidos de recuperação judicial: nos primeiros nove meses de 2024, as solicitações de produtores rurais pessoa física cresceram mais de cinco vezes, enquanto as de pessoas jurídicas quase triplicaram. Além disso, empresas de insumos, agroindústria e agrosserviços registraram um crescimento de 36,8% nos requerimentos, refletindo a complexidade da crise no setor.

Nessa esfera, sabe-se que a recuperação judicial é um mecanismo hábil para a preservação da atividade econômica de empresas e produtores rurais em crise. No contexto do agronegócio, onde a continuidade da produção é vital não apenas para os envolvidos, mas para toda a cadeia produtiva e a economia nacional, a possibilidade de o espólio de um produtor rural requerer recuperação judicial ganha relevância. A questão central é se a legislação brasileira permite essa hipótese e quais fundamentos sustentam sua viabilidade.

Adentrando ao debate em tela, nota-se que o art. 48, § 1º, da lei 11.101/05 estabelece que, além do próprio devedor, podem requerer a recuperação judicial seu cônjuge sobrevivente, herdeiros, inventariante ou sócio remanescente. Essa disposição indica que a continuidade do processo recuperacional não está restrita ao empresário em vida, estendendo-se ao seu espólio quando há necessidade de reestruturar as dívidas e manter a atividade produtiva. Assim, a interpretação desse dispositivo em conjunto com o CC fortalece essa possibilidade, já que o espólio é reconhecido como a universalidade de bens, direitos e obrigações deixados pelo falecido.

Seguindo essa premissa, no caso do produtor rural, que muitas vezes atua como empresário individual, a morte não extingue a empresa, que é sucedida pelo espólio. Cabe ao inventariante, nomeado no processo de inventário, representar o espólio em juízo e, se necessário, pleitear a recuperação judicial.

Ressalta-se, ainda, que a legislação não impõe qualquer impedimento a essa sucessão, e a legitimidade do inventariante para requerer a recuperação judicial está expressamente prevista. Como destacado por especialistas como João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli e Rodrigo Tellechea2, trata-se de uma legitimação extraordinária, que deve ser interpretada de forma restritiva, mas que encontra respaldo no objetivo maior da lei de recuperação judicial: preservar a empresa e seus valores econômicos e sociais. In verbis:

[...] Como referido, a recuperação judicial também pode ser requerida (i) pelo cônjuge sobrevivente (e, em nosso entender, igualmente pelo companheiro em caso de união estável, tendo em vista o art. 226, §3°, da Constituição Federal e o art. 1.723 do Código Civil, (ii) pelos herdeiros do devedor ou inventariante, ou, ainda, (iii) pelo sócio remanescente, desde que comprovado que o requerente pos-sui poderes para gerir os negócios do devedor (LREF, art. 48) - hipóteses essas de legitimação extraordinária que devem ser interpretadas restritivamente. Nas três primeiras hipóteses (cônjuge sobrevivente, herdeiros e inventariante), verifica-se que o art. 48, §1º, direciona-se ao empresário individual falecido (ou seja, trata-se de recuperação judicial do espólio). Tais sujeitos possuem legitimidade, de modo individual, para postular a recuperação judicial do empresário individual morto.

Além disso, a preservação da atividade econômica no campo transcende os interesses individuais do produtor rural. Sob a ótica econômica, permitir que o espólio do produtor rural busque a recuperação judicial está em consonância com o princípio da preservação da atividade produtiva e da função social da empresa. A manutenção da exploração agropecuária não apenas protege empregos, mas também garante a circulação de riquezas e preserva a cadeia de fornecimento. Isso evita impactos negativos que poderiam surgir de uma paralisação abrupta da atividade. Dado que o agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, assegurar sua continuidade, mesmo diante do falecimento do devedor, torna-se uma estratégia relevante para a estabilização econômica do país.

A jurisprudência tem reforçado esse entendimento, como no caso do acórdão proferido pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo no agravo de instrumento 2048349-10.2017.8.26.0000, que reconheceu que, "comprovado o exercício da atividade pelo autor da herança por mais de dois anos e seu registro mercantil da condição de empresário, ainda que isto tenha sido feito após o falecimento, não encontro empecilho formal ao processamento da sua recuperação judicial, inclusive porque, em última instância, o que se busca é a preservação da empresa e, nesse aspecto, soa irrelevante a titularidade pelo Espólio".

A doutrina também tem se debruçado sobre a questão do registro do espólio na Junta Comercial. Nas brilhantes palavras de Cássio Cavalli3 sobre o tema, quanto ao registro na Junta Comercial do Espólio de produtor rural ainda não inscrito, identificam-se duas interpretações que parecem alinhar-se à orientação do STJ. A primeira sugere que, diante da ausência de previsão específica na legislação registral para o registro de espólios na Junta Comercial, tal exigência deve ser afastada como condição para a legitimação do espólio à recuperação judicial. A segunda propõe que, em tais casos, o registro possa ser suprido por decisão do juízo recuperacional, quando do deferimento do processamento da recuperação judicial.

Portanto, o que se extrai do estudo colacionado é que negar ao espólio a possibilidade de recuperação judicial representaria um contrassenso jurídico e econômico, pois impediria a reestruturação ordenada do passivo, comprometendo tanto os credores quanto os herdeiros. Por sua vez, a continuidade da atividade produtiva, essencial para a geração de recursos e o pagamento estruturado das dívidas, seria inviabilizada, enquanto a fragmentação patrimonial abrupta poderia prejudicar a sustentabilidade do negócio e seus envolvidos.

Outrossim, o reconhecimento dessa possibilidade pelos Tribunais pátrios sinaliza um avanço na adaptação da recuperação judicial e extrajudicial às particularidades do setor rural, proporcionando um mecanismo eficiente de reorganização patrimonial e econômica em uma situação de extrema crise. A consolidação desse entendimento trará maior previsibilidade e segurança jurídica, aspectos indispensáveis para a estabilidade do agronegócio e do mercado financeiro que o sustenta.

_________

1 Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/agronegocio/recuperacao-judicial-no-agro-em-2024-como-a-inteligencia-analitica-preve-e-mitiga-riscos-no-segmento/

2 SCALZILLI, João Pedro Recuperação de empresas e falência: teoria e prática na Lei 11.101/2005 / João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli, Rodrigo Tellechea. - 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Almedina, 2018.

3 CAVALLI, Cássio. A legitimação do espólio de produtor rural para a recuperação judicial. Agenda Recuperacional. São Paulo. v. 1, n. 19, p. 1-2, ago./2023.

 

 

Fonte: Migalhas.

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