NOTÍCIAS

14-02-2025
O crédito "extraconcursal" na recuperação judicial é diferente da definição de crédito extraconcursal na falência
A expressão "crédito extraconcursal" na recuperação judicial é usada para definir créditos não sujeitos à recuperação, diferente da falência, onde tem outro significado.
Recuperação judicial
Inicia-se o presente artigo com a seguinte afirmação: apesar da doutrina e jurisprudência adotarem a expressão crédito extraconcursal na recuperação judicial, tal expressão não tem relação específica com o processo de recuperação judicial. A expressão "crédito extraconcursal" advém de norma do instituto falimentar, sendo que sua utilização na recuperação judicial é realizada como sinônimo de crédito não sujeito à recuperação judicial. Em outros termos, não há previsão legal de crédito extraconcursal na recuperação judicial, mas, sim, de crédito não sujeito à recuperação judicial, apesar da doutrina e jurisprudência acatarem a locução nas dissertações e julgados.
O sistema falimentar brasileiro previsto (lei 11.101/05), detém três medidas, podendo se estender para 4 medidas a depender da interpretação doutrinária, que disciplinam possíveis formas de renegociação/reestruturação da atividade em crise do devedor empresário. São elas: (i) recuperação judicial, (ii) recuperação extrajudicial, (iii) falência e (iv) conciliação ou mediação.
Com base nisso, o presente artigo tem como objetivo definir a estruturação das constituições do crédito que envolvem o instituto da recuperação judicial e o instituto da falência, quando os operadores da lei se depararem com a expressão "extraconcursal".
Pois bem, como é de conhecimento difundido, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput).
A contrário sensu e conforme uníssona jurisprudência, os créditos não existentes na data do pedido e que sua constituição (fato gerador) ocorra somente após a data do referido pedido, as obrigações entabuladas entre credor e devedor se manterá fora da renegociação pelo plano de recuperação judicial. Esse é o racional da tese firmada pelo STJ, no julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.051).
A lei 11.101/05 traz algumas exceções de créditos não sujeitos a recuperação judicial, mesmo que existentes na data do pedido, em razão de sua estrutura e forma de constituição. São exemplos de créditos excluídos dos efeitos da recuperação judicial: (i) os créditos do proprietário fiduciário, (ii) os créditos do arrendador mercantil, (iii) os créditos do proprietário com reserva de domínio, (iv) o saldo devedor relacionado às operações de adiantamento de câmbio, (v) os créditos fiscais etc.
Por sua vez, estará sujeito à recuperação judicial, os créditos existentes a data do pedido de recuperação judicial cuja natureza seja definida como de origem trabalhista, firmados com garantia real, operações quirografárias/sem garantia específica e quirografárias/sem garantia específica entabuladas credores registrados como microempresas e empresas de pequeno porte (art. 41).
Assim, definiu-se pela doutrina e jurisprudência como crédito "extraconcursal" na recuperação judicial, aquele crédito que não sofrerá quaisquer alterações sobre as obrigações originalmente contratadas, de modo a receber o pagamento sem interferência da lei 11.101/05, podendo perseguir suas obrigações fora do juízo recuperacional.
Falência
Diferentemente dessa concepção de extraconcursal na recuperação judicial, a concepção de extraconcursal na falência é totalmente diversa. Enquanto na recuperação judicial a extraconcursalidade é entendida como não sujeição do crédito aos efeitos do processo recuperacional; a extraconcursalidade na falência é entendida como uma ordem legal preestabelecida pelo legislador, referente a ordem de pagamento da totalidade dos créditos sujeitos à falência.
O art. 77, da lei 11.101/05, estabelece que, com a decretação da falência, haverá o vencimento antecipado das dívidas do devedor falido, elencando os credores, em suas respectivas classes, conforme previsão dos arts. 83 e seguintes do referido codex.
Além disso, o art. 115 da lei 11.101/05 prevê que a decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderão exercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável na forma que esta lei prescrever.
Ou seja, diferentemente da recuperação judicial que nem todos os credores serão sujeitos a recuperação judicial; na falência todos os credores, só poderão receber seus créditos pelo processo de falência, através do exercício da competência absoluta do juízo universal falimentar (art. 76).
Tal entendimento sempre partiu da premissa da existência de dois tipos de concursos na falência: o concurso formal (ou processual), decorrente do juízo universal e indivisível competente para as ações sobre bens, interesses e negócios da falida; e o concurso material (ou obrigacional), pelo qual deverá o credor receber de acordo com a ordem de preferência legal.
Vale relembrar que a falência é o procedimento judicial pelo qual, o devedor é afastado da condução da atividade empresária e o administrador judicial ou outro agente nomeado pelo juízo universal falimentar, irá arrecadar os bens em nome do devedor falido, avaliará os ativos localizados, após a avaliação, levará os bens à venda e com o resultado líquido da venda (dinheiro), pagará os credores e seus respectivos créditos, na ordem legal estabelecida nos arts. 83 e 84, da lei 11.101/05.
Nesse sentido, o art. 84, da lei 11.101/05, disciplina que: serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta lei, na ordem a seguir, aqueles relativos: I-A - às quantias referidas nos arts. 150 e 151 desta lei; I-B - ao valor efetivamente entregue ao devedor em recuperação judicial pelo financiador, em conformidade com o disposto na Seção IV-A do capítulo III desta lei; I-C - aos créditos em dinheiro objeto de restituição, conforme previsto no art. 86 desta lei; I-D - às remunerações devidas ao administrador judicial e aos seus auxiliares, aos reembolsos devidos a membros do Comitê de Credores, e aos créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; I-E - às obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta lei, ou após a decretação da falência; II - às quantias fornecidas à massa falida pelos credores; III - às despesas com arrecadação, administração, realização do ativo, distribuição do seu produto e custas do processo de falência; e IV - às custas judiciais relativas às ações e às execuções em que a massa falida tenha sido vencida;
Veja-se que, nos termos do artigo acima, a expressão "créditos extraconcursais" está explicitamente prevista na redação que rege o sistema falimentar, indicando a ordem de pagamento que cada credor e sua natureza de crédito receberão do processo de falência.
Vale frisar que, na falência, inclusive os credores considerados "extraconcursais" da recuperação judicial se sujeitarão ao processo de falência, respeitadas as ordens de pagamento e classificação do crédito previstos na lei 11.101/05, especificamente nos arts. 83 e 84, do referido diploma, posto que, aqueles credores que detém direitos sobre bens arrecadados, por exemplo, deverão ingressar com pedido de restituição na falência (art. 85) e receber o bem de sua propriedade através de autorização do juízo falimentar e, caso o bem de propriedade do credor não mais exista no tempo do pedido da restituição, o valor da avaliação ou o valor de sua venda será utilizado para pagamento desse credor - veja-se, concentrado o pagamento e resolução dos conflitos das obrigações através do procedimento falimentar.
Os próprios créditos tributários, que não foram abarcados processualmente no curso da ação de falência (art. 187, CTN) terão seus direitos de cunho material (valor do crédito) recebidos pela falência (art. 7°-A, art. 83, III e art. 84, V).
Assim, todos os credores, respeitadas a natureza e fato gerador de cada crédito, receberão o saldo devedor de suas obrigações, através da interferência normativa do processo falimentar.
Conclusão
A expressão crédito extraconcursal na recuperação judicial é utilizada como sinônimo da expressão crédito não sujeito à recuperação judicial, cujo núcleo desse reconhecimento judicial ou legal da natureza jurídica da obrigação não vinculará o credor aos efeitos da renegociação pelo plano de recuperação judicial, que conservará seus direitos e obrigações originalmente contratadas, sem a interferência da lei 11.101/05, todavia, nem todo crédito que seria considerado extraconcursal na recuperação judicial será considerado extraconcursal em eventual falência, devendo sempre ser analisado o fato gerador e os termos do pacto firmado entre credor e devedor falido. Além disso, a expressão "crédito extraconcursal" na falência não possui relação com a forma de se buscar o cumprimento da obrigação inadimplida, como é no caso da recuperação judicial, pelo contrário, possui relação com a ordem legal estabelecida para pagamento de todos os credores, independente da natureza de seu crédito, após liquidação (transformação em dinheiro) dos ativos do devedor falido.
Enquanto na recuperação judicial, alguns credores não sofrem os efeitos da recuperação judicial, perseguindo seus créditos sem interferência da lei 11.101/05 (extraconcursalidade), na falência, todos os seus credores se sujeitaram ao procedimento falimentar, recebendo seus créditos com a interferência da lei 11.101/05, nos arts. 83 e 84, pagando os valores inadimplido com precedência as demais obrigações (extraconcursalidade).
Fonte: Migalhas.