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10-11-2025 

Nova blindagem patrimonial: contas escrow e a inadimplência na execução judicial

Resposta do sistema jurídico deve ser astuta, combinando o rigor na aplicação das normas com tecnologia

A recuperação de crédito no Brasil enfrenta obstáculos crescentes, impulsionados pela sofisticação dos mecanismos utilizados por devedores para ocultar ou blindar seus ativos. Entre as táticas mais recentes e desafiadoras, destaca-se o uso estratégico de contas escrow (contas de garantia ou caução) por empresas em situação de inadimplência. Embora o contrato escrow possua natureza jurídica lícita e seja fundamental em transações comerciais complexas para garantir a segurança das partes, seu desvirtuamento pode transformá-lo em uma engenhosa ferramenta de fraude à execução, tornando os ativos financeiros da devedora inatingíveis pelos credores, inclusive os bancários.

As contas escrow são amplamente utilizadas em diversas situações, como transações imobiliárias, fusões e aquisições de empresas, financiamentos, e-commerce, entre outras. Elas são especialmente úteis em transações complexas ou de alto valor, onde a confiança entre as partes pode ser limitada. Nesse tipo de conta, um terceiro neutro, conhecido como agente escrow, é responsável por manter e gerenciar os fundos ou ativos envolvidos na transação até que todas as condições acordadas entre as partes sejam cumpridas.

As contas escrow ajudam a evitar fraudes e litígios, uma vez que o agente escrow atua como um intermediário imparcial, assegurando que todas as condições contratuais sejam cumpridas antes da liberação dos fundos. Esse mecanismo proporciona uma camada adicional de segurança e confiança, facilitando a conclusão de negócios que, de outra forma, poderiam ser arriscados ou inviáveis.

O mecanismo fraudulento opera quando a empresa executada, já em estado de insolvência ou vislumbrando a iminência de um processo de execução, celebra um contrato com um terceiro, o agente escrow (geralmente uma instituição financeira ou um custodiante independente), sob a premissa de garantir uma obrigação futura ou pendente. Contudo, o verdadeiro objetivo não é a garantia legítima da obrigação, mas sim o desvio de liquidez. Ao alocar grandes somas de dinheiro em uma conta escrow, a devedora retira esses valores de sua livre movimentação, transformando um ativo líquido e penhorável em um ativo de difícil constrição judicial. O capital fica formalmente vinculado a uma condição ou evento futuro, criando uma barreira jurídica complexa.

Do ponto de vista jurídico-processual, a defesa da penhorabilidade de tais valores exige que o credor demonstre o abuso de direito e a fraude à execução (art. 792 do Código de Processo Civil). A mera alegação de que a conta escrow possui uma finalidade garantidora não pode prevalecer sobre o direito do credor à satisfação do seu crédito, especialmente quando se prova que o negócio subjacente é simulado, inexiste, ou que a obrigação garantida é desproporcional ou pactuada com o intuito primário de lesar. A fraude se configura quando a celebração do contrato escrow é posterior à citação válida ou quando, mesmo anterior, a devedora já estava em estado de insolvência notória.

Para quebrar essa blindagem, o Poder Judiciário deve atuar de forma rigorosa, utilizando as modernas ferramentas de investigação patrimonial (SISBAJUD, SNIPER, INFOJUD) para mapear a natureza real e o fluxo da conta escrow. É imperativo analisar a documentação subjacente: quem são as partes envolvidas, qual a origem dos recursos, e qual a probabilidade real de a condição de liberação ser cumprida. Se a investigação revelar que a devedora mantém controle de fato sobre os recursos, ou que a contraparte é um terceiro de má-fé ou parte de um grupo econômico, o juiz deve declarar a ineficácia do negócio jurídico perante a execução.

A doutrina e a jurisprudência têm caminhado no sentido de que a impenhorabilidade dos valores em escrow não é absoluta. O ônus de provar a legitimidade e a boa-fé da operação recai sobre a devedora e o agente escrow. Se for demonstrado que o negócio foi celebrado com desvio de finalidade – ou seja, com o propósito precípuo de subtrair o patrimônio da execução –, o juízo deve determinar a imediata penhora dos valores, afastando a proteção formal do contrato.

A quebra de sigilo bancário é uma medida excepcional que visa garantir a efetividade da execução, permitindo ao credor acessar informações financeiras do devedor que possam estar ocultas. Nos casos de penhora de contas escrow, essa medida pode ser ainda mais complexa, dado o caráter fiduciário dessas contas.

A penhora de contas escrow envolve a análise de diversos princípios e normas jurídicas. O artigo 792 do Código de Processo Civil (CPC) é fundamental, pois trata da fraude à execução. De acordo com esse artigo, a alienação ou oneração de bens é considerada fraude à execução quando realizada após a citação válida em processo de execução ou quando, mesmo anterior, o devedor já se encontrava em estado de insolvência notória.

Além disso, o artigo 833 do CPC estabelece as hipóteses de impenhorabilidade de bens, mas ressalta que a impenhorabilidade não se aplica quando se trata de valores destinados ao pagamento de prestação alimentícia ou quando houver indícios de fraude. A jurisprudência tem interpretado esses dispositivos de forma a permitir a penhora de valores em contas escrow, quando há indícios de que tais contas estão sendo utilizadas para ocultar ativos do devedor.

Julgados dos tribunais

Em recente julgamento do Agravo de Instrumento 2250450-89.2024.8.26.0000, pela 1ª câmara reservada de Direito Empresarial do TJ-SP, sob a relatoria do desembargador João Batista de Mello Paula Lima, a decisão que manteve a penhora sobre uma conta do tipo escrow reafirma a consolidação jurisprudencial acerca da legalidade dessa prática. A decisão, datada de 11 de dezembro de 2024, negou provimento ao recurso interposto pelos agravantes, destacando a titularidade dos valores depositados como pertencentes aos devedores e a ausência de proteção legal especial que impeça a penhora.

Em outras decisões no mesmo sentido:

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Expedição de ofícios às instituições financeiras para que informem a existência de eventuais ativos em "escrow accounts" para fins de penhora. (...) Decisão reformada. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - Agravo de Instrumento: 20154369120258260000 São Paulo, Relator.: Anna Paula Dias da Costa, Data de Julgamento: 06/02/2025, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/02/2025).

“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE - IMPUGNAÇÃO À PENHORA - PENHORA EM CONTA 'ESCROW ACCOUNT' POSSIBILIDADE BEM NÃO INSERIDO NO ROL DO ARTIGO 833 DO CPC AUSÊNCIA DE PROVA DE SE TRATAR DE BEM DE TERCEIRO. Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado - Data do julgamento: 04/04/2023). Diante do exposto, expeça-se ofício ao BANCO DAYCOVAL, requisitando que proceda o bloqueio de valores existentes na conta de natureza "escrow" em titularidade da parte promovida Passaredo Transportes Aéreos SA, cujo nome fantasia é VOEPASS LINHAS AEREAS(...).

Esses exemplos ilustram como os tribunais têm tratado a questão da quebra de sigilo bancário e a penhora de contas escrow, destacando a importância de demonstrar a necessidade e a proporcionalidade da medida.

Em conclusão, a utilização de contas escrow por empresas inadimplentes, visando fraudar a execução, representa um sofisticado desafio à recuperação de crédito. A resposta do sistema jurídico deve ser igualmente astuta, combinando o rigor na aplicação das normas processuais sobre fraude e abuso de direito com a inteligência fornecida pelas ferramentas tecnológicas. É fundamental que os tribunais garantam que a finalidade lícita e benéfica do escrow não sirva como uma brecha legal para a perpetuação da insolvência fraudulenta, assegurando a concretização do direito dos credores bancário.

 

Fonte: JOTA.

 

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