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04-01-2018 

No país do calote

Repousam nos escaninhos da Casa Civil 45 páginas de um projeto para a mudança nas regras pelas quais uma empresa quebra, se recupera ou muda de mãos. Ainda não se sabe se terá a forma de projeto de lei ou medida provisória, mas a demora na reforma da Lei de Falências é diretamente proporcional à pressão para que o texto a ser enviado ao Congresso estabeleça o calote como regra.

De suas entrelinhas depende o maior e mais arrastado processo empresarial do pais, o da Oi, cujo plano de recuperação judicial foi aprovado pela assembleia de credores mas ainda carece de um marco legal. Pontos da minuta dificultam a aplicação de uma nova lei para processos em andamento, mas nada impede que o Congresso dê um jeito nisso.

O grosso das empresas a serem beneficiadas pelo projeto, no entanto, são aquelas que buscam eternizar no texto as condições que, desde 2000, pautaram os 31 programas de parcelamento tributário, responsáveis por inscrever Brasil na categoria de país do calote em estudos dedicados ao tema por organismos internacionais.

Não é a disputa ideológica que trava a concorrência

No 'Doing Business' (Fazendo Negócios) do Banco Mundial, o Brasil pontifica como o país onde credores, autoridades tributárias e funcionários estão menos aptos a receber o que lhes é devido por empresas insolventes. De cada dólar, apenas 12 centavos são recuperados em São Paulo, menos da metade da média da América Latina (30,8%), um quinto do padrão dos países mais ricos (70,2%) e sem qualquer chance de comparação com a Noruega (93%), onde vigem as regras mais eficientes do planeta na recuperação de crédito.

Outro estudo, da OCDE, que investigou as condições de parcelamento tributário em 26 países encontrou prazos médios de 12 a 24 meses para pagamento. Não se registram nesse conjunto de países, parcelamentos de 60 a 240 meses como aqueles vigentes na coleção brasileira de refis.

O projeto sobre o qual o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, está sentado desde novembro, oficialmente à espera de um parecer da consultoria jurídica de sua Pasta, foi elaborado a partir de audiências que, durante seis meses, reuniram, no Ministério da Fazenda, advogados, economistas, representantes de entidades patronais como CNI e Fiesp, além de juízes e desembargadores, principalmente de São Paulo, onde se concentram os maiores processos de falências.

O projeto opõe setores dentro do governo, mobiliza lobbies no Congresso e gera a expectativa de que a nova lei vai reproduzir, com o Judiciário, os confrontos gerados pela reforma trabalhista. É um imbróglio que só rivaliza com o balcão único da leniência, que indispõe Ministério Público Federal, Advocacia-Geral da União, Tribunal de Contas da União e Ministério da Transparência. Dos embates desses órgãos deriva que a maioria das empresas da Lava-Jato teve executivos presos, vendeu ativos e renegociou dívidas. Nenhuma, porém, trocou de mãos. Enfrentam mais disputas internas do que ameaça real de alienação do controle.

Numa das audiências que municiaram a elaboração da minuta da reforma da Lei de Falências na Fazenda, o economista Marcos Lisboa expôs a tese de que a baixa produtividade da economia brasileira se deve, em grande parte, à dificuldade de o país admitir que plantas caducas fechem ou troquem de mãos. Noutra, o advogado Fábio Ulhoa Coelho argumentou que o Brasil tem dois rumos: ou reforma a Lei de Falências para tornar as regras de cobrança mais rígidas, diminuir o custo de financiamento e atrair investimento, ou opera para salvar empresas nacionais em crise.

Ao longo das audiências, credores públicos e privados não coincidiram em tudo, mas convergiram na visão de que a mudança na Lei de Falências é a uma trava para a recuperação de crédito e consequente redução de juro. Concordaram ainda na avaliação de que o Judiciário, ao se agarrar à ideia de que a empresa é uma geradora de emprego que tem de ser preservada a qualquer custo, transformou a falência numa moratória. Foi essa visão, aliada ao comportamento errático da Fazenda, que ora premia devedores com Refis, ora pede bloqueio de contas, que transformou a primeira versão da Lei de Falências, de 2005, em letra morta.

O que era uma norma destinada a livrar o país da imagem de abrigo de caloteiros, com um plano de recuperação judicial a ser aprovado por credores, se transformou em dilatação infinita de prazos para quitação. Nada muito diferente do que vigora nos programas de parcelamento de tributos, aos quais muitas empresas aderem apenas em busca de uma certidão negativa de débito para voltarem a se endividar.

A lentíssima tramitação do projeto na Casa Civil ainda se explica por resistências governistas a dar mais poder para procuradores da Fazenda. Não tanto quanto alguns deles gostariam. Tivessem tanto poder quanto os procuradores que atuam em casos criminais, os da Fazenda negociariam descontos diretamente com os devedores. Um projeto nesse sentido chegou a ser enviado pela Advocacia-Geral da União na gestão Luís Inácio Adams (2009-2016), mas enfrentou resistência tanto pelo risco de abrir portas à corrupção dentro da Procuradoria da Fazenda Nacional quanto por tirar, do Congresso, o poder de abrir os balcões anuais de parcelamento tributário.

As razões pelas quais o projeto está empoçado na Casa Civil vão muito além da resistência de governistas a colocar a azeitona na empada eleitoral do ministro Henrique Meirelles. O excesso de pedágios, no entanto, pode colocar o Brasil fora da rota da temporada de compras em que os Estados Unidos, na cola da China, se lançaram depois da reforma tributária.

A poça formada pelo projeto de falências na Casa Civil e pelas rivalidades em torno da leniência têm como único mérito deixar claro onde moram as reais disputas do poder. Não são os matizes ideológicos que impedem a abertura da economia brasileira a normas que aumentam a concorrência. São interesses bem estabelecidos, acostumados ao dinheiro fácil, a mercados garantidos e ao calote, que resistem à mudança. Não são a maioria dos empresários, mas têm número e força suficiente para vetar o avanço. Sempre contaram com despachantes na política. 2018 começa sem qualquer garantia de que deixarão de contar.

Fonte: Valor Econômico

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