NOTÍCIAS

15-07-2025
Mediação e recuperação extrajudicial: O novo sistema brasileiro de insolvência
Brasil adota modelo moderno de insolvência, com foco em soluções mediadas, extrajudiciais e mais ágeis para preservar empresas e ativos.
Juros em alta, consumo em baixa, comércio internacional instável, endividamento privado ultrapassando os R$ 11 trilhões no Brasil. O momento recomenda às empresas atenção a novas formas de lidar com a crise. Mudanças no sistema brasileiro de insolvência criaram novas estratégias extrajudiciais, mediadas e híbridas. Um sistema de várias portas, usando o consenso como primeira linha de defesa.
No passado era comum empresas evitarem admitir o problema e esconderem crises de insolvência devido à percepção de que as soluções jurídicas à disposição eram todas muito ruins. Quando a crise finalmente vinha à tona, era quase sempre tarde demais para resolver. O resultado era credores sem dinheiro e empreendedores sem negócio.
O cenário hoje é outro. O sistema brasileiro de insolvência passou por várias reformas ao longo dos últimos 20 anos e é considerado um dos mais modernos do mundo. O principal destaque é oferecer vários tipos de solução diferentes, com possibilidade de intervenção judicial mínima, dando mais agilidade e flexibilidade ao sistema.
Hoje o sistema brasileiro de insolvência tem quatro subsistemas para a solução de crises. Em primeiro lugar, as soluções privadas e semiprivadas de reorganização empresarial, via mediação e conciliação. Em segundo lugar, a fórmula híbrida da recuperação extrajudicial, e por fim, as já tradicionais, recuperação judicial e a falência.
Se no passado pedir uma concordata era uma sentença de morte empresarial, hoje abrir uma renegociação faz parte do jogo. Um sistema de insolvência custoso e com baixo índice de recuperação afastava empresários e assustava credores. Um novo modelo mais simples e eficaz pode trazer os dois lados para negociar.
Mas mudanças tomam tempo para acontecer. As bases do modelo atual surgiram com a Lei 11.101/2005, que criou a recuperação judicial, e anos se passaram até ela se consolidar como modelo preferencial de solução de crises. Em 2024 houve 2,2 mil pedidos de recuperação, mais de duas vezes o número de pedidos de falência.
Números parciais de consultorias e câmaras especializadas indicam o maior interesse do empresariado em soluções negociadas e mediadas. Pesquisa da FGV identificou um salto de 120% nos pedidos de mediação empresarial em São Paulo entre 2019 e 2021. O dado inclui disputas societárias, comerciais e financeiras, mas também casos de recuperação de empresas.
Estudo publicado pela FGV1 em 2022 descobriu que 80% dos juízes consideravam que a recuperação de créditos na insolvência era ineficiente ou demorada, e metade dizia estimular soluções negociadas. Entre os advogados da área, mais de 90% diz procurar soluções consensuais antes ou depois de ir à Justiça.
A ineficácia do sistema tradicional de recuperação de créditos no Brasil é um dos incentivos à busca por soluções alternativas. Segundo o Banco Mundial2, a proporção da recuperação de créditos no Brasil é de 18%, frente a 70% em países desenvolvidos. O tempo para recuperar os créditos por aqui é o dobro da média lá fora.
Se ir à Justiça é percebido como uma saída ruim, buscar soluções negociadas tende a ser mais atraente. Em negociação, encontrar a solução melhor atende a um princípio chamado "BAFNA", sigla em inglês para "Melhor Alternativa a um Acordo Negociado". Ou seja, negociar soa melhor sempre que ir à Justiça for considerado ruim.
Nos Estados Unidos, as primeiras experiências com mediação recuperação de empresas datam dos anos 1980. Em 2012, o Banco Mundial3 lançou o relatório "Reestruturação extrajudicial de débitos" propondo um modelo de insolvência com fórmulas mediadas, extrajudiciais e híbridas, semelhante ao sistema brasileiro.
Na Europa, o modelo de solução da insolvências foi formalizado na diretriz 2019/1023, sinalizando um sistema mais ágil e consensual. Em 2023 a União Europeia4 fez um balanço das reformas nos sistemas de insolvência e encontrou 85 alterações em 23 países, encontrando muitas fórmulas extrajudiciais e mediação.
Em 2022, um relatório do Fundo Monetário Internacional5 colocou o Brasil entre os destaques na modernização do sistema de insolvência, com o reforço de soluções extrajudiciais. Segundo o FMI, o modelo adotado no Brasil vai no mesmo sentido daquele usado em países como França, Alemanha, Itália e Espanha.
Em linha das recomendações internacionais, o Brasil reforçou alguns dos princípios dos sistemas modernos de insolvência. O primeiro princípio é suspender ações de cobrança e dar tempo para a renegociação, o chamado "stand by". O segundo princípio é incluir compulsoriamente os credores minoritários relutantes em acordos de recuperação aprovados pela maioria.
Ao aprimorar os dois princípios, a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências pela Lei 14.112/2020 transformou o sistema de insolvência. A lei reforçou os princípios básicos do sistema e deu mais força à mediação e à recuperação extrajudicial. O resultado são soluções coordenadas e maiores chances de salvar ativos e empresas.
A lei 14.112/20 oficializou a mediação como modelo de solução de crises, e na recuperação extrajudicial, foi reduzida a proporção de credores necessária para dar início ao processo. Essas mudanças inauguraram efetivamente a mediação e a recuperação extrajudicial como alternativas no sistema brasileiro de insolvência.
No papel, o sistema foi modernizado, mas na prática ainda há muito a ser feito. Muitas empresas, sobretudo pequenas e médias, ainda não estão preparadas para explorar todo o potencial da legislação. Quando a crise chega, é preciso agir rápido: quanto antes vier a solução, maiores as chances de recuperação de créditos e de empresas.
______
1. Fundação Getúlio Vargas. Relatório Recuperação de Empresas. 2023. Disponível: https://justica.fgv.br/sites/default/files/2024-10/relatorio_recuperacaodeempresas_2ed.pdf
2. Banco Mundial. Doing Business in Brazil. Disponível: https://archive.doingbusiness.org/en/data/exploreeconomies/brazil#DB_ri
3. Banco Mundial. Out-of-court Debt Restruturing. World Bank Study. Washington, DC. 2012. Disponível: ttps://documents1.worldbank.org/curated/en/417551468159322109/pdf/662320PUB0EPI00turing09780821389836.pdf
4. União Europeia. Insolvency Frameworks across the EU: Challenges after COVID-19. Discussion Paper 182. Fev, 2023. Diponível: https://economy-finance.ec.europa.eu/system/files/2023-02/dp182_en_0.pdf
5. Fundo Monetário Mundial. Policy Options for Supporting and Restructuring Firms Hit by the COVID-19 Crisis. 2022. Disponível: file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/POSRFEA.pdf
Fonte: Migalhas.