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05-09-2024 

Limitação da competência do juízo da RJ sobre bens de capital essenciais: jurisprudência do STJ

A Lei nº 14.112/2020 trouxe avanços significativos ao atualizar a Lei de Recuperação Judicial, Falências e Recuperação Extrajudicial (LREF), definindo as competências e limitações do juízo recuperacional. Notadamente em relação às execuções fiscais, dispunha, de modo expresso, o § 7º do artigo 6º, que:

“As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.”

Além de especificar os créditos não sujeitos à recuperação judicial, a parte final do § 3º do artigo 49 da LREF já estabelecia que, durante o stay period, não seria permitida a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens de capital essenciais a sua atividade.

Com a nova redação, a legislação reafirma que as execuções de crédito extraconcursal, como é o caso das execuções fiscais, não se suspendem em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial. Esse dispositivo não só foi mantido após a Lei nº 14.112/2020, como teve seus termos explicitados no § 7º-A e no § 7º-B do artigo 6º da LREF:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: (Redação dada pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 7º-A. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)

No entanto, quando se tratar de decisão sobre constrição que recaia sobre bem de capital essencial à manutenção da atividade empresarial, a competência recairá sobre o Juízo da recuperação judicial, e não sobre o juízo da execução fiscal. Sobre a definição de “bem de capital”, mencionado no § 3º do artigo 49 da LREF, destaca-se trecho do REsp nº 1.758.746/GO, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 1/10/2018:

Para efeito de aplicação do § 3º do art. 49, ‘bem de capital’, ali referido, há de ser compreendido como o bem, utilizado no processo produtivo da empresa recuperanda, cujas características essenciais são: bem corpóreo (móvel ou imóvel), que se encontra na posse direta do devedor, e, sobretudo, que não seja perecível nem consumível, de modo que possa ser entregue ao titular da propriedade fiduciária, caso persista a inadimplência, ao final do stay period. REsp nº 1.758.746/GO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/9/2018, DJe de 1/10/2018.

Decisão sobre o bem para funcionamento da recuperanda

Antes da vigência da Lei nº 14.112/2020, o Superior Tribunal de Justiça possuía jurisprudência consolidada no sentido de que compete ao Juízo em que se processa a recuperação judicial, com exclusão de qualquer outro, decidir sobre a natureza extraconcursal do crédito, assim como sobre a essencialidade do bem constrito para o funcionamento da empresa recuperanda, para efeito de aplicação do § 3º, in fine, do artigo 49 da Lei nº 11.101/2005.

Nesse sentido, cita-se o CC 153.473/PR, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão ministro Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, julgado em 9/5/2018, DJe 26/6/2018.

Porém, recentemente, no julgamento do Conflito de Competência nº 196.553-PE (2023/0128405-7), julgado em 18 de abril de 2024, foi discutida a caracterização de um conflito de competência entre o juízo federal, que, em execução fiscal, ordenou a penhora de valores via Sisbajud de empresa em recuperação judicial, até o montante de R$ 32.231,143,60, sendo efetivado o bloqueio de R$ 60.750,91, e o juízo da recuperação judicial, que, instado pela recuperanda, deferiu pedido de tutela efetivado, determinando que o juízo federal procedesse ao imediato desbloqueio dos ativos financeiros, reputados essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial.

O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, concluiu que valores em dinheiro não constituem bens de capital e, portanto, não inauguram a competência do Juízo da recuperação judicial para suspender atos de constrição com base no artigo 6º, § 7º-B, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.

A decisão do caso mencionado destaca um ponto crucial: o juízo da recuperação judicial tem sua competência limitada pela lei apenas para determinar a suspensão dos atos de constrição sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o período de suspensão, ou para substituir tais atos até o encerramento da recuperação judicial, conforme os artigos 6º, §§ 7º-A e 7º-B da LREF.

No entanto, houve divergência no julgamento do Conflito de Competência nº 196553 – PE (2023/0128405-7), instaurada pelo ministro Moura Ribeiro, o qual argumentou que cabe ao juízo da recuperação judicial determinar a essencialidade do bem constrito, inclusive na execução fiscal, e decidir sobre sua substituição por outro ativo da devedora em cooperação com o juízo da execução fiscal.

Para ele, a execução fiscal deveria permanecer suspensa até que fosse definida a natureza do bem de capital e implementada a cooperação jurisdicional necessária para sua substituição. Moura Ribeiro destacou que é arriscado retirar do magistrado a análise da essencialidade dos bens, pois a fixação de uma regra geral pode não se aplicar adequadamente a todos os casos específicos.

O ministro Moura Ribeiro defendeu que, em princípio, todos os bens de uma empresa, sejam de capital ou de outra natureza, são essenciais à sua atividade, e que o princípio da preservação da empresa e o princípio da inafastabilidade da jurisdição não devem ser subordinados às novas disposições legais de forma tão restritiva.

Para ele, a competência do Juízo da recuperação judicial deve incluir o controle sobre os atos de constrição praticados contra o patrimônio da empresa, inclusive no que se refere à análise da essencialidade dos bens para o soerguimento da empresa. 

O ministro se ancorou também no escólio de Bezerra Filho, segundo o qual:

Como sempre, respeitado o entendimento contrário, em princípio todos os bens, quer sejam bens de capital, quer sejam bens de outra natureza, são sempre essenciais à atividade da sociedade empresária. Aliás, se a sociedade empresária tivesse bens suntuários, absolutamente desnecessários à sua atividade, estaria sendo praticado um ato irregular ou ilícito. (BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 15ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2021, págs. 103/104).

A decisão acima reforça um movimento que vem sendo formado na Corte Superior, a exemplo do que ocorreu por ocasião do julgamento do Conflito de Competência nº 181.190/AC, relator ministro Marco Aurélio Bellizze, 2ª Seção, julgado em 30/11/2021, DJe de 7/12/2021, no qual se adotou o posicionamento de que, a partir da entrada em vigência da Lei nº 14.112/2020, com aplicação aos processos em trâmite, o juízo da execução fiscal, ao determinar o prosseguimento do feito executivo ou, principalmente, a constrição judicial de bem da recuperanda, não adentra indevidamente na competência do juízo da recuperação judicial, não ficando caracterizado nenhum conflito de competência.

Assim, para a configuração do conflito de competência perante o Superior Tribunal de Justiça, é necessário que o Juízo da execução fiscal se oponha, concretamente, à superveniente deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito da constrição judicial, determinando a substituição do bem constrito, considerada, pois, a essencialidade do bem de capital constrito.

Bem alienado não ficava em posse da empresa

Antes da Lei nº 14.112/2020, a 3ª Turma do STJ (no julgamento do REsp 1.758.746/GO) e, em julgamento posterior à Lei nº 14.112/2020, a 2ª Seção (REsp 1.629.470/MS), adotou o posicionamento de que a avaliação quanto à essencialidade de determinado bem recai unicamente sobre bem de capital, objeto de garantia fiduciária ou objeto de constrição.

Desse modo, caso não se trate de bem de capital, o bem objeto de constrição ou o bem cedido ou alienado fiduciariamente não fica retido na posse da empresa em recuperação judicial, com esteio na parte final do § 3º do artigo 49 da LREF, apresentando-se, para esse efeito, absolutamente descabido qualquer juízo de essencialidade.

Porém, as discussões não param por aí. Por exemplo, em 10 de maio de 2024, os participantes do 2º Congresso Nacional do Fórum de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) aprovaram enunciado que traz o seguinte texto: “Incumbe ao juízo da recuperação judicial, quando provocado, o reconhecimento da essencialidade do bem de capital, mediante a análise das circunstâncias do caso”.  Segundo Daniel Costa, secretário-geral do Fonaref e responsável por conduzir as votações, a diretriz concede maior flexibilidade ao juiz de primeira instância na análise dos casos.

Sobre o assunto, também é possível citar o escólio de Sacramone, que, interpretando o artigo 6º, §§ 7-A e 7-B, que se posiciona a favor de uma maior restrição da competência do juízo da recuperação judicial, ressaltando que:

Pelos novos dispositivos legais, a atribuição da referida competência ao juiz da recuperação judicial foi atribuída excepcionalmente apenas para os referidos créditos, dos credores proprietários e dos créditos fiscais. Quanto aos demais, pela falta de extensão do respectivo tratamento excepcional, os juízos das execuções ou que determinam medidas constritivas relacionadas aos créditos não sujeitos à recuperação judicial não sofreram qualquer limitação em sua competência e, portanto, poderiam realizar os atos de constrição normalmente, apenas atentando-se ao princípio da menor onerosidade ao devedor. […] Nada impede que os juízes da execução façam, com a lei lhes impõe, o juízo sobre o meio menos oneroso para o cumprimento da obrigação em consideração à recuperação judicial, o que revela a desnecessidade dessa construção jurisprudencial. Referida interpretação é corroborada com o fato de que o princípio da preservação da empresa não pode ser utilizado para beneficiar de modo ilimitado o empresário devedor ou os demais credores. O prosseguimento das execuções dos créditos não sujeitos à recuperação judicial foi determinado pela Lei em benefício dos referidos credores. […] Dessa forma, as alterações dos dispositivos legais pela Lei n. 14.112/2020 não ampara a universalidade do juízo da recuperação judicial. (SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 3ª Edição. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 100/101)

Essas posições, não necessariamente diametralmente opostas, somente demonstram a complexidade e a importância de se interpretar a Lei nº 14.112/2020 de forma que equilibre a preservação da empresa com os direitos dos credores, sem ampliar excessivamente a competência do Juízo recuperacional em detrimento dos interesses legítimos dos credores extraconcursais.

Em suma, a Lei nº 14.112/2020 e suas recentes interpretações pelo STJ apontam para um cenário onde a competência do juízo recuperacional deve ser exercida com rigor e de forma restrita, priorizando a clareza e a aplicabilidade das normas, sem invadir a competência de outros juízos ou comprometer o direito dos credores à satisfação de seus créditos.

 

Fonte: Conjur.

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