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24-10-2018
"Lei precisa de ajustes para permitir a efetiva recuperação de empresas"
Por Fernando Martines
Com 13 anos de existência, a Lei de Recuperação de Empresas e Falência foi um enorme avanço na área, mas ainda precisa de grandes ajustes, segundo aponta o juiz Marcelo Barbosa Sacramone no livro Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência.
Lançada em agosto pela Editora Saraiva, a obra busca dar respostas práticas às controvérsias jurídicas advindas da crise econômica que acometeu o país nos últimos anos e que provocou o aumento no número de pedidos de falência.
Juiz auxiliar da 2ª Vara de Recuperação e Falência de São Paulo, Sacramone destaca alguns desafios que surgiram com a promulgação da lei em 2005: possibilidade de compensação de créditos; possibilidade de vencimento antecipado das dívidas em razão do pedido de recuperação judicial; e sujeição do patrimônio de afetação à recuperação.
Em entrevista à ConJur sobre a obra, ele fez um panorama do passado e do futuro da lei: “Não se pode desprezar a enorme consolidação doutrinária e jurisprudencial ao longo de 13 anos e que aperfeiçoou a aplicação da lei. Alterações pontuais, contudo, são imprescindíveis para que os institutos da recuperação e da falência permitam a efetiva restruturação do empresário em crise, mas com atividades econômicas viáveis, ou a célere exclusão dos agentes econômicos com atividade inviáveis, sob pena de se comprometer toda a higidez do mercado”.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é a impressão sobre a Lei de Falência atual e sobre os projetos de sua alteração?
Marcelo Sacramone — A Lei 11.101/05 implementou enorme progresso no campo da insolvência. A revogação do antigo Decreto-Lei 7.661/45 permitiu que a falência fosse acelerada e desburocratizada. Alterou também o regime da antiga concordata, que era utilizada por alguns devedores para simplesmente evitar a satisfação de seus credores e prolongar ao máximo a decretação de sua falência.
Embora tenha gerado avanços, a Lei 11.101/05, após 13 anos de sua promulgação, exige aprimoramentos. A recuperação judicial não tem permitido uma efetiva restruturação da atividade do empresário devedor, assim como os credores não são também, em grande parte, satisfeitos.
Para seu aperfeiçoamento, há grande controvérsia entre os juristas sobre quais dispositivos deveriam ser alterados. Há consenso, entretanto, de que o Projeto de Lei 10.220/2018, apresentado pelo Ministério da Fazenda, não apenas não atenderia ao mínimo necessário como geraria enorme retrocesso, a ponto de comprometer qualquer probabilidade de recuperação judicial da atividade e mesmo de deteriorar o desenvolvimento econômico nacional.
ConJur — Quais são as principais alterações referente à falência?
Marcelo Sacramone — Ainda que alguns reparos na disciplina da recuperação judicial sejam necessários, a falência merece especial atenção do legislador. O procedimento falimentar ainda é demasiadamente moroso, o que compromete a satisfação de todos os interessados. Mesmo que a morosidade seja um problema geral dos procedimentos judiciais, na falência sua relação com a satisfação dos credores é direta. Quanto maior o tempo para que os ativos sejam vendidos, maior a deterioração dos bens, os custos para sua conservação e menor a quantidade de recursos a ser repartida entre todos os credores. Para tanto, há consenso formado na comunidade jurídica, e os diversos institutos jurídicos têm sido capitaneados pelo Iasp [Institutos dos Advogados de São Paulo] em torno de um projeto comum, sobre a necessidade de alterações, ainda que pontuais, da falência.
A alteração do procedimento de verificação de crédito seria o primeiro desses pontos. O julgamento das impugnações judiciais tempestivas com prioridade, com a formação de quadro gerais provisórios, permitiria o rateio mais célere entre os credores da classe. Por outro lado, deve o administrador judicial ser obrigado a concentrar suas atuações na imediata liquidação dos bens, com a rápida venda dos ativos enquanto ainda permanecem produtivos. Não menos importante, o devedor falido não pode permanecer eternamente inabilitado para o exercício de sua atividade. Como hoje o devedor fica impedido de exercer atividade empresarial por período de 5 a 10 anos após o encerramento da falência, a morosidade do procedimento falimentar impede que ele retorne ao mercado.
A falência, entretanto, não pode ser concebida como uma pena ao empresário que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, por essência arriscada, sofra um prejuízo. É imprescindível que esse empresário possa ter uma segunda chance, após ter seus bens rapidamente liquidados, para que volte ao mercado. Isso permitirá que se aumente a circulação de produtos e serviços, bem como que se estimule os empresários a se sujeitarem aos riscos de empreender, com a manutenção da regularidade de sua atividade. O prazo de inabilitação do empresário, portanto, deveria ser inferior e iniciar a partir da decretação da falência, e não de seu encerramento.
ConJur — Qual o tema mais importante envolvendo recuperação judicial e que exigiria alteração urgente na lei?
Marcelo Sacramone — Um dos principais pontos que carece de alteração quanto à recuperação judicial é o tratamento prioritário ao crédito concedido durante a recuperação judicial. Como dificilmente será possível a reestruturação da atividade empresarial sem que haja novos recursos financeiros, deve ser conferida segurança ao investidor para que disponibilize novo capital ao empresário em crise econômico-financeira. Essa segurança jurídica exige que possa ser conferida nova garantia a esses créditos, cuja aprovação deve ser célere, seja através da deliberação pelos credores em assembleia, seja através de autorização judicial.
Além disso, na hipótese de insucesso da recuperação, referido investidor não poderá receber tratamento que o desincentive à concessão do recurso. Atualmente, caso ocorra a convolação da recuperação judicial em falência, o crédito decorrente de qualquer contratação realizada durante o período de recuperação judicial, inclusive o mútuo, é considerado como extraconcursal. Essa natureza implica que o referido crédito será considerado como prioritário para o pagamento em face de todos os demais créditos anteriores do devedor.
Entretanto, o pagamento desses credores somente será feito após a satisfação dos pedidos de restituição em dinheiro e, dentre os extraconcursais, apenas serão esses satisfeitos após o pagamento da remuneração do administrador judicial, das quantias fornecidas à massa pelos credores, das despesas para o desenvolvimento dos atos processuais e dos demais credores que realizaram contratos com a devedora, se tiverem maior prioridade legal.
Fonte: Consultor Jurídico