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05-07-2023
Lei 14.193 e soluções para pagamento de dívidas dos clubes de futebol
A Lei nº 14.193, de 06/8/2021, trata da criação da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) e dispõe sobre o tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas, entre outras disposições, e esta breve análise concentra-se na abordagem de duas possibilidades de solução para o endividamento dos clubes de futebol, quais sejam, o regime centralizado de execuções (RCE) e a recuperação judicial.
É notória a grande quantidade de clubes de futebol no país com expressivo endividamento, sem a possibilidade de honrar seus compromissos financeiros acumulados ao longo dos anos, em razão de dificuldades no cumprimento das obrigações contratuais, muitas delas com origem no elevado número de jogadores, técnicos e demais colaboradores contratados pelos clubes.
Na forma do artigo 14 da referida lei, foi estabelecido o concurso de credores para os clubes de futebol por meio do ingresso na via judicial do RCE, cujo requerimento deve ser efetuado perante a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado em que o clube tenha sua sede (§ 2º), o qual consiste em concentrar as ações de execução de natureza civil e as receitas, bem como a distribuição desses valores aos credores de forma ordenada, perante o juízo centralizador.
Através de tal regime é possível o pedido de suspensão das execuções em curso, bem como das constrições, penhoras e arrestos, com prazo de sessenta dias para apresentação do plano de pagamento dos credores, o qual poderá prever um prazo de seis anos com possível prorrogação, acompanhado de documentos contábeis dos últimos três exercícios sociais, sendo possível também o ingresso do RCE na Justiça do Trabalho, para a unificação das ações trabalhistas e apresentação de Plano Especial de Pagamento Trabalhista.
As obrigações de natureza tributária, não cumpridas por clubes de futebol e que compõem o passivo fiscal, não são abrangidas pelo RCE, permanecendo a possibilidade do Fisco exigir a cobrança de tributos de sua competência.
Alguns clubes de futebol foram em busca da via judicial para requerer o RCE e obtiveram o deferimento do pedido e respectivo processamento, permitindo assim o reordenamento dos débitos e compromissos perante seus credores.
Cabe também ressaltar que a referida lei trouxe benéfica evolução legislativa aplicada aos clubes de futebol, com a possibilidade de manutenção das atividades e ingresso na via judicial de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, na forma prevista na Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/2005), que permite a empresas em dificuldade econômico-financeira uma reorganização de suas dívidas, e para os clubes de futebol também proporciona a renegociação e o equacionamento do passivo.
Apesar da natureza diferenciada dos clubes de futebol diante das sociedades empresárias, pois estes têm por objetivo a prática esportiva, tornou-se possível o pedido de recuperação judicial em razão de exercerem atividade econômica e também pelas previsões contidas na mencionada Lei nº 14.193/2021, mais especificamente no artigo 13, inciso II e no artigo 25, caput, com o seguinte teor:
"Art. 13. O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:
(....)
II - por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005".
"Art. 25. O clube, ao optar pela alternativa do inciso II do caput do art. 13 desta Lei, e por exercer atividade econômica, é admitido como parte legítima para requerer a recuperação judicial ou extrajudicial, submetendo-se à Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005".
Além destes dispositivos, o artigo 35 da referida lei trouxe previsão consubstanciada em acréscimo de parágrafo único ao artigo 971 do Código Civil, o qual permitiu considerar os clubes como associações empresárias, e desta forma possibilita o ingresso do pedido de recuperação judicial, não sendo requisito obrigatório a transformação prévia do clube em Sociedade Anônima do Futebol.
Cumpre destacar que alguns clubes de futebol do país já obtiveram em juízo o deferimento do processamento da recuperação judicial, com o reconhecimento da atividade econômica desenvolvida pelos clubes e a legitimidade para efetuar o pedido de recuperação judicial.
Entre os resultados que a recuperação judicial pode proporcionar, estão a readequação do pagamento das dívidas de natureza civil e trabalhista, com a obtenção de benefícios que permitem a suspensão das ações judiciais movidas contra o clube de futebol por um prazo inicial de cento e oitenta dias, podendo haver uma prorrogação de igual prazo, além da apresentação de um plano de recuperação que poderá prever carência no início dos pagamentos, alongamento por alguns anos para o pagamento do passivo, aplicação de deságio e terá como consequência a novação das dívidas.
O passivo fiscal não pode ser incluído e não está sujeito aos efeitos da recuperação judicial, pois o crédito tributário não se sujeita ao concurso de credores, mantendo suas garantias e privilégios de persecução pelas vias próprias, nos termos do artigo 187, do Código Tributário Nacional e artigos 5º e 29, da Lei n° 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal).
Para a obtenção de resultados positivos, a recuperação judicial deve ser precedida de criteriosa análise técnica, tanto nos aspectos financeiro e contábil, como também de gestão, planejamento e objetivos concretos pretendidos, além do que o futebol é uma das paixões do povo brasileiro, e o envolvimento de torcedores e dirigentes no acompanhamento da situação financeira dos clubes também deve ser considerado para fins de ingresso da recuperação judicial, pois será necessária a divulgação da real situação do clube perante toda a comunidade envolvida em suas atividades.
A recuperação judicial é uma importante ferramenta para a reorganização das finanças dos clubes de futebol, trazendo possibilidades relevantes para a solução das dívidas, sem prejudicar a continuidade de suas atividades.
Fonte: Conjur.