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03-12-2024 

Justiça autoriza reabertura de recuperação judicial para a venda de fábrica do devedor

A Justiça de Santa Catarina, em uma decisão inédita, permitiu a reabertura de uma recuperação judicial para a venda de um ativo do devedor. Trata-se da reestruturação da Wetzel, fabricante de peças para os setores elétrico, automotivo e de construção, iniciada em fevereiro de 2016 e encerrada de forma definitiva em novembro de 2022.

A decisão foi dada pelo juiz Uziel Nunes de Oliveira, da Vara Regional de Falências, Recuperação Judicial e Extrajudicial de Jaraguá do Sul. Segundo especialistas, não há precedente em que o próprio devedor conseguiu reabrir processo de insolvência já transitado em julgado para a venda de uma fábrica (unidade produtiva isolada - UPI). Em São Paulo, o Grupo Itaiquara Alimentos tenta seguir caminho semelhante (leia mais em TJSP julga pedido de grupo do setor de alimentos).

A Wetzel pediu a reabertura do caso para vender uma fábrica de produção de ferro, avaliada em R$ 143 milhões. O leilão só teve um interessado, a Schulz, fabricante de compressores de ar, que levou a operação por R$ 115,2 milhões, conforme fato relevante publicado no dia 26 de novembro. O montante servirá para pagar todo o passivo concursal, que estava parcelado em 10 anos, e alguns credores extraconcursais.

Ainda sobrará cerca de R$ 44 milhões para o fluxo de caixa, segundo o administrador judicial, Agenor Daufenbach Júnior, sócio da Glaudius Consultoria. Com a alienação da unidade, que representa um terço da atividade e do faturamento, a projeção é manter o lucro deste ano para o ano que vem em cerca de R$ 350 milhões, segundo o diretor presidente da Wetzel, Rodrigo Moretti.

A decisão divide a opinião de especialistas. Alguns defendem ser um “precedente perverso” que pode autorizar a reabertura e prolongamento de recuperações judiciais. Já outros entendem que, como a Lei de Recuperações Judiciais e Falências, a nº 11.101/2005, não veda o procedimento, ele seria permitido. E que promove o soerguimento da empresa, que é o objetivo principal da ação.

O intuito da Wetzel com a venda da UPI - prevista no plano aprovado pelos credores - dentro da recuperação é não repassar dívida para o comprador. O benefício consta no artigo 60 da lei, incluído pela reforma em 2020, através da Lei nº 14.112. O dispositivo prevê que “não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista”.

A Justiça superou algumas barreiras que poderiam impedir o leilão da fábrica. Ela era oferecida como alienação fiduciária - tipo de garantia em que se transfere a titularidade do bem até o pagamento da dívida - para o Banco Daycoval e a corretora Singulare. Também servia de caução em execução fiscal movida pela Fazenda Nacional que estava suspensa por transação tributária.

Nenhum dos três se opôs à venda, mas o Daycoval exigiu ter a dívida extraconcursal paga com o leilão, o que teve aval do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC). O órgão tampouco se opôs à reabertura do caso ou à alienação pois os valores “serão utilizados para pagar os credores concursais e extraconcursais, além de compor o fluxo de caixa, reduzindo as despesas financeiras e bancárias da devedora”.

Um outro credor extraconcursal, a Recupere Serviços de Cobrança, também queria preferência no pagamento, por ter penhora contra a Wetzel. Cristiane Guerra Rech, do Guerra & Rech Advogados Associados, que atua pela Recupere, diz que a situação de reabertura do caso é rara. “Empresas em reestruturação não costumam se desfazer dos ativos para antecipar o pagamento das obrigações. Não haveria óbice, em princípio, para a Wetzel proceder com a venda, desde que cumpra o plano”, afirma ela, acrescentando que a venda dentro do processo dá segurança ao comprador e transparência aos credores.

Para o juiz pesou que a recuperação judicial tem a “intenção de propiciar o soerguimento da pessoa jurídica”, ainda que seja “remédio amargo para os credores”. Na visão dele, é “inconciliável” preservar esses princípios e o formalismo processual.

“Apesar das inclinações deste julgador, em homenagem ao bem maior a ser tutelado, ao menos por ora, não se observa qualquer óbice ao processamento do pedido apresentado pela empresa recuperanda, mesmo após a prolação de sentença de encerramento da ação de recuperação judicial”, afirma (processo nº 0301750-45.2016.8.24.0038).

O advogado Daniel Carnio, ex-juiz e sócio do Daniel Carnio Advogados, que atuou no caso pela Wetzel, diz que a venda de UPIs costuma ocorrer durante o prazo de fiscalização pelo Judiciário de dois anos. Mas, nessa ação, “não surgiu o momento adequado com o preço valorizado”.

O objetivo, afirma, foi se beneficiar da blindagem contra a sucessão. “Se a compra for feita fora da recuperação judicial, corre o risco de as penhoras recaírem sobre esses imóveis e os ativos serem alvo de desconsideração da personalidade jurídica. Mas na recuperação uma das grandes vantagens da lei é a de proteger o adquirente”, diz. Também atuaram os escritórios Mendes e Bichara Sociedade de Advogados e Mubarak Advogados Associados.

Na visão de Carnio, não há, juridicamente, possibilidade de algum credor rediscutir o plano em razão da mudança da capacidade de pagamento da empresa. “O processo foi reaberto só para vender o ativo e boa parte dos credores já foram pagos”, afirma. O pagamento do restante da dívida será feito simultaneamente com os credores extraconcursais da alienação fiduciária, diz.

Com a aprovação do plano de reestruturação, em 2017, a dívida de R$ 92 milhões da Wetzel caiu para R$ 48 milhões. Desses, R$ 26 milhões foram pagos e restam R$ 21,7 milhões a pagar.

O diretor Rodrigo Moretti ressalta que uma das condições da venda é a manutenção dos 400 trabalhadores na fábrica por pelo menos um ano. E que a venda ajudará a manter viva uma empresa de mais de 90 anos. “Com o investimento em tecnologia nos parques fabris, estamos prevendo um faturamento muito similar, mesmo sem contar com a unidade ferro”, afirma.

Ana Carolina Monteiro, consultora de reestruturação do MM&LC Advogados, diz que não considera a decisão errada, mas que é um “precedente perverso”. “Se deixa o devedor reabrir a recuperação, por que os credores não poderiam fazer a mesma coisa?”, questiona. “A própria lei deu uma saída que é a venda de UPI de forma extrajudicial. Ou seja, a intervenção do juízo é desnecessária”, adiciona.

Para ela, a venda, mesmo extrajudicial, atrairia a blindagem da sucessão de dívida. Lembra que a lei foi reformada em 2020 para limitar o prazo de fiscalização e evitar o prolongamento das recuperações judiciais.

Para o administrador judicial, a permissão dada pelo juiz é possível pelo princípio da isonomia. Isso porque há a possibilidade dos credores se manifestarem nos autos após o encerramento da recuperação judicial, quando há descumprimento do plano, sendo desnecessário qualquer “preciosismo processual”. “Não há prejuízo a ninguém, todos os interessados não se opuseram e foi dada toda a publicidade”, afirma. Segundo Agenor, a expectativa é que ainda este ano sejam feitos os pagamentos aos credores.

Fonte: Valor Econômico 

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