NOTÍCIAS
30-03-2021
Justiça aceita pedido de clube de futebol
O Judiciário tem se mostrado cada vez mais flexível ao decidir sobre quem pode entrar em processo de recuperação judicial. O caso mais recente envolve o Figueirense, clube de futebol de Santa Catarina, que obteve o direito em decisão do desembargador Torres Marques, do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SC).
É a primeira decisão do país num processo envolvendo clube de futebol. Antes desse caso, no entanto, pelo menos outras duas associações sem fins lucrativos de outros segmentos já haviam obtido decisão favorável: a Universidade Candido Mendes, em maio do ano passado, e o Hospital Evangélico da Bahia, no mês de setembro.
Essa discussão existe porque a Lei de Recuperações e Falências (nº 11.101, de 2005) se refere a “empresário” e “sociedades empresárias”. A corrente que defende uma interpretação mais restritiva da norma afirma que as associações não podem ser enquadradas como empresas. Uma empresa, por exemplo, dizem, pode distribuir lucro - o que é vedado para as associações sem fins lucrativos.
Ganha cada vez mais força no meio jurídico, no entanto, uma outra corrente: a que defende que a associação pode ser considerada empresa se exercer uma atividade econômica de forma organizada, gerando receitas, empregos e impacto econômico-social.
O desembargador Torres Marques, do TJ-SC, segue essa linha mais flexível na decisão que beneficiou o Figueirense. “O mundo do futebol não pode ser considerado como mera atividade social ou esportiva, essencialmente por tudo que representa em uma comunidade e toda a riqueza envolvida (passes dos jogadores, patrocínios, direitos de imagem e de transmissão, entretenimento e exploração da marca)”, diz.
Torres Marques destaca que consta na Lei de Recuperações e Falências um rol de entes excluídos, aqueles que estão impedidos ao processo (instituições financeiras e sociedade de seguros, por exemplo). Nesse contexto, afirma, se preenchidos os demais requisitos legais, nada impede que as associações civis sejam submetidas ao processo.
O desembargador cita ainda a Lei Pelé (nº 9.615, de 1998). Essa norma estipula que as entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica sob a qual estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias.
O Figueirense apresentou pedido à Justiça de Santa Catarina para antecipar o chamado “stay period”, um benefício dos processos de recuperação, que permite a suspensão das ações de cobrança contra o devedor. Em primeira instância, o pedido havia sido negado. O objetivo do clube é buscar um acordo organizado com os credores dentro de uma recuperação extrajudicial.
Com a decisão do desembargador, o juiz fica obrigado a analisar o pedido sobre a concessão do “stay period”. A última movimentação do processo ocorreu na semana passada. O juiz Luiz Henrique Bonatelli solicitou os balancetes do clube para que possa avaliar a situação.
“A todos interessa que um agente econômico, gerador de riquezas no sentido mais amplo, queira e consiga se recuperar”, diz Luiz Roberto Ayoub, sócio do Galdino & Coelho, que atua para o Figueirense nesse caso, acrescentando que essa decisão servirá como precedente para novos casos. A própria banca, por exemplo, já foi procurada por outros clubes de futebol.
Ayoub também presta consultoria para a Candido Mendes. Dez meses depois de entrar com o pedido de recuperação judicial, a universidade - a primeira entre as associações a obter decisão favorável da Justiça - se prepara para a assembleia-geral de credores. Deve ocorrer no começo de abril. Estão em negociação cerca R$ 370 milhões.
Cristiano Tebaldi, pró-reitor de ensino da universidade, diz que esse processo está sendo essencial para a Candido Mendes. “A recuperação judicial foi adotada para proteção, recuperação e prosseguimento. Sem a proteção, estaríamos sujeitos a ações de execução e penhoras e isso tem o poder de paralisar uma empresa”, afirma.
Sem os credores batendo à porta, a universidade ganhou fôlego para se reestruturar. Contratou uma empresa de consultoria e trabalhou, ao longo do ano, para centralizar as operações, o que reduziu os custos em R$ 27 milhões, e conseguiu se reposicionar no mercado, aumentando os polos de ensino à distância e o número de alunos nessa modalidade.
Houve debate no projeto que tratou da reforma da Lei de Recuperações e Falências sobre a inclusão das associações entre os que poderiam ter acesso aos processos. Mas os bancos, na época, fizeram forte pressão e acabaram ganhando a queda de braço - esse trecho não vingou.
A nova lei, em vigor desde o dia 23 de janeiro, ainda assim, ampliou a base de quem pode pedir recuperação. Produtores rurais e as cooperativas operadoras de planos de assistência à saúde, agora, constam expressamente na lei. Essas cooperativas haviam sido vetadas pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o Congresso derrubou o veto.
Antes da nova lei, no entanto, já havia decisões, no Judiciário, para permitir a recuperação tando de produtores rurais como das cooperativas de saúde. As Unimeds Norte-Nordeste e Petrópolis, por exemplo, tiveram os seus pedidos de recuperação aprovados em 2020 e 2018, respectivamente. Já a Unimed Manaus conseguiu a aprovação da Justiça no mês de dezembro.
Fonte: Valor Econômico