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02-05-2023
Juízo da recuperação: particularidades das hipóteses do artigo 6º, §§ 7º-A e 7º-B
Ao contrário da falência, não há para a recuperação judicial previsão normativa quanto à existência de um juízo universal, ao qual são afetadas todas as decisões relativas a bens e negócios da empresa em crise. Contudo, em atenção às características previstas na Lei nº 11.101/05 (LRF), em especial o prazo de suspensão de execuções e de ações (artigo 6º, I, II, III) e a necessidade de se atender aos princípios da preservação da empresa e da tutela do crédito, a jurisprudência e a doutrina entendem ser defensável afirmar a existência de uma universalidade mitigada.
Existiam, antes da reforma promovida pela Lei nº 14.11/20 na LRF, debates na jurisprudência quanto à definição dos exatos limites de atuação do juízo da recuperação e outros juízos, sobretudo no caso de créditos não sujeitos.
A reforma de 2020 apesar de não ter inovado nessa questão, trouxe normas que contribuem para delimitar com maior precisão os limites de atuação do juízo da recuperação em situação em que houver constrição de ativos de interesse da recuperanda por outros juízos.
Nesse sentido, foram inseridos no artigo 6º da LRF os parágrafos 7º-A e 7º-B, disciplinando essa interface quando diante de créditos previstos no art. 49, §§3º e 4º da LRF ou de créditos fiscais, respectivamente. Em ambos os casos, o legislador indicou que o juízo da recuperação poderá intervir em ato de constrição determinado por outro juízo sempre que aquele recair em bem de capital essencial.
Analisando esses dois dispositivos de lei é possível identificar semelhanças em sua estrutura normativa, a despeito de se referirem a situações muito distintas. Isso porque, conforme já mencionado, permitem a intervenção do juízo da recuperação em decisão de outro juízo que determinou a constrição sobre ativo específico de interesse da recuperanda. Além disso, em ambas as hipóteses, menciona-se que serão implementadas mediante a cooperação jurisdicional disciplinada pelo artigo 69 do CPC e que deverá ser observado o disposto no artigo 805 do CPC.
A situação do artigo 6º, §7º-A, da LRF se refere às hipóteses do artigo 49, §3 [2], ou seja, do credor que, em regra, detém direito de propriedade sobre a coisa, cujo uso é permitido à recuperanda em razão de contrato prévio à recuperação judicial celebrado entre elas, e, também, à do artigo 49, §4º [3], que dispõe sobre restituição de dinheiro provenientes de aditamentos de contrato de câmbio. O legislador afirma que muito embora tais créditos não estejam sujeitos que os efeitos do artigo 6º, I, II e III, da LRF, em especial a suspensão de ações ou execuções, reconhece a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam especificamente em bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o período do stay period.
Na hipótese do artigo 6º, §7º-A, a coisa que foi alvo de constrição judicial é usada pela recuperanda, apesar de ser de propriedade de terceiro, com fundamento em relação contratual.
Diante das particularidades da situação fática descrita nesse dispositivo, compreende-se o motivo pelo qual o legislador permitiu de forma excepcional que o juízo da recuperação pudesse intervir sobre atos constritivos de outros juízos. A previsão normativa advinda do artigo 6º, §7º-A da LRF parece pretender equilibrar, de forma proporcional, os princípios que se encontram em choque nessa situação de conflito de interesses: a tutela do direito de propriedade e a segurança jurídica advinda dos acordos contratuais celebrados pelo livre exercício da autonomia da vontade, de um lado, com o comprometimento de devedor e credores com a persecução do princípio da preservação da empresa, de outro. Por esse motivo, compreensível a limitando a atuação do juízo recuperacional apenas aos bens de capital de terceiro que forem essenciais à atividade da recuperanda, permitindo, quanto aos demais, regular prosseguimento dos atos de constrição.
A situação do artigo 6º, §7º-B da LRF, que se refere aos créditos fiscais, é distinta. O referido dispositivo observa que os débitos fiscais não estão sujeitos aos efeitos do stay period, em especial a suspensão de ações ou execuções, reconhecendo a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam em bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial.
Remete, portanto, à execução individual, em que a recuperanda está sendo demandada por crédito fiscal. Nesse caso, os bens que serão alvo da constrição serão da própria recuperanda e não de terceiros. Além disso, a atuação que foi admitida ao juízo da recuperação é distinta: deverá determinar a substituição do bem constrito por outro, e não simplesmente determinar a suspensão da constrição. Por outro lado, a intervenção do juízo da recuperação perdurará até o encerramento da recuperação judicial.
A despeito dessas particularidades, também o artigo 6º, §7º-B limita a atuação do juízo da recuperação judicial a bens de capital essenciais. As repercussões, todavia, são distintas.
A aplicação supletiva do Código de Processo Civil às execuções fiscais orienta a realização de penhora seguindo a ordem disposta no seu artigo 835, que estabelece, prioritariamente, o dinheiro como bem a ser constrito. Dessa forma, como regra, os atos de constrição em execuções fiscais poderão incidir em dinheiro e, também, se referir a mais de um exequente.
Notório o grande impacto que constrições de dinheiro pode impor à capacidade operacional da recuperanda, em especial sua possibilidade de pagamento de curto prazo de fornecedores e de trabalhadores, sem os quais poderá se mostrar inviável o prosseguimento de suas atividades. Nesse ponto, chama a atenção que o legislador determinou que a aplicação dos dispositivos em análise — artigo 6º, §§ 7º-A e 7º-B, deve ser feita com observância do disposto no artigo 805 do CPC [4].
Ainda que a menção ao artigo 805 do CPC não faça tanto sentido na situação do §7º-A, já que não se cogita da substituição do ativo, auxilia o entendimento da situação descrita no §7º-B. Isso porque, ao se referir ao artigo 805 do CPC, indica que a atuação do juízo da recuperação deve zelar pela observância desse dispositivo ao procurar a substituição do bem sujeito ao ato de constrição determinado em execução fiscal individual.
Por se tratar de regra aplicada a toda execução individual, independentemente do bem a ser alvo de penhora, orientando-a a se realizar da forma menos gravosa, e, também, como o bem a ser alvo de constrição será sempre o da recuperanda, a menção ao artigo 805 do CPC pela reforma de 2020 chama a atenção que essa orientação também deve ser considerada ao conformar a atuação do juízo da recuperação judicial, indicando que compete a ele a análise quanto à forma menos gravosa. Esse entendimento, que preserva os interesses do exequente mas permite ao executado submeter-se a situação de execução menos gravosa, parece ser mais aderente ao princípio da preservação da empresa, positivado no art. 47 da LRF.
Fonte: Conjur.