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02-12-2024
Financiamento DIP: possibilidade real para reestruturação de empresas em recuperação judicial
A Lei nº 14.112/20, ao alterar a Lei nº 11.101/05, promoveu um substancial aprimoramento do arcabouço jurídico da recuperação judicial, com destaque para as inovações relativas ao financiamento de empresas em dificuldades financeiras.
As novas disposições nela contidas objetivaram otimizar os mecanismos de fomento ao crédito para devedores em recuperação judicial, trazendo maior segurança jurídica e incentivos econômicos àqueles que aceitam e desejam investir nos processos de reestruturação da empresa.
Nesse viés, a importância da reforma legal surge em um cenário de compreensão de que empresas em estresse financeiro possuem uma maior dificuldade de obtenção de recursos para seu soerguimento. Afinal, ante a probabilidade de inadimplemento comercial e crise financeira experienciada, tem-se como comum e até mesmo previsível o afastamento de possíveis investidores.
Desta forma, vale conferir maior destaque para uma das ferramentas contidas na Lei nº 14.112/20, o financiamento DIP, também denominado de DIP financing (Debtor in Possession. Esse mecanismo, pode ser definido como uma modalidade de crédito direcionada às empresas em processo de recuperação judicial para que possam obter novos recursos (dinheiro novo) no objetivo de sanarem seus déficits de caixa, investirem em projetos de reestruturação, negociarem novos contratos e adquirirem ativos.
Abstrai-se do constructo doutrinário de Manoel Justino Bezerra Filho [1] a concepção de que qualquer empresa possui a necessidade, ao menos primária, de obtenção de crédito para desenvolvimento de suas atividades, gestão de seus recursos e para retorno econômico para sociedade (BEZERRA FILHO, 2021, p. 386). É certo que a obtenção de dinheiro novo é condição sine qua non para o soerguimento de uma empresa em recuperação judicial.
Com isso, a recente reforma da Lei de Falências, concretizada pela Lei nº 14.112/20, ora no cerne da presente discussão, trouxe importantes avanços para o instituto do Financiamento DIP.
Ao dedicar uma seção específica ao tema, a LFR consolidou o entendimento jurisprudencial ao qualificar os créditos presentes no financiamento DIP como extraconcursais [2], bem como, ao prever tratamento diferenciado aos credores colaborativos ou também chamados de credores parceiros (artigo 67, § único), posto que, ao injetarem dinheiro novo em empresa em severa crise, assumem um risco elevado. Nesse contexto explica Fábio Ulhoa Coelho (2021. p. 248):
Entre os credores de uma sociedade empresária em recuperação judicial, deve-se aos que colaboram com o reerguimento da empresa, ao continuarem a fornecer bens ou serviços necessários à manutenção da atividade econômica do devedor. São os credores colaborativos estratégicos. Eles merecem um tratamento especial, no plano de recuperação judicial, porque assumem mais riscos que os demais credores; e a atitude de assumir riscos majorados beneficia à coletividade de credores, como um todo.
Para além do privilégio expresso contido no artigo anterior, constam na seção IV-A outras inovações significativas que trazem maior segurança financeira e jurídica àqueles que se envolvem nas operações financeiras, tais como:
- Autorização judicial para a “celebração de contratos de financiamento com o devedor, garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros” (artigo 69 – A);
- Inalterabilidade da natureza extraconcursal do crédito já desembolsado, ainda que haja “modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento” (artigo 69-B).
- Autorização judicial para “a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original”. Limitada ao excesso “resultante da alienação do ativo objeto da garantia original”. (artigo 69 -C).
- Havendo convolação em falência “antes da liberação integral dos valores de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido”. E preservação das garantias constituídas. (69 – D).
- Possibilidade de qualquer pessoa financiar as atividades da devedora e figurar como garantidor nos contratos de financiamento celebrados pela empresa em recuperação judicial (artigo 69 – E e F).
As alterações legais conferem maior atratividade ao DIP e podem ser a chave para a reestruturação de empresas em estresse financeiro, uma vez que os credores possuem maior garantia de recebimento e podem negociar condições mais vantajosas. Trata-se de concessão de superprioridade ao crédito DIP, o que representa um incentivo significativo para a obtenção de financiamento.
Por óbvio, é preciso ressaltar que essas prerrogativas não são suficientes para garantir a plena confiança dos credores [3], haja vista a probabilidade de inadimplência que, embora reduzida por força da lei, não é por todo eliminada. No entanto, não se pode olvidar que a nova legislação trouxe avanços significativos e reais para a concessão de crédito de uma forma segura e mais efetiva, o que facilita sobremaneira a participação de credores colaboradores.
Concessão do financiamento DIP: aplicação concreta e entendimento jurisprudencial
Ao abordar a temática da proteção jurídica dos credores no financiamento DIP, o Superior Tribunal de Justiça construiu entendimento de que a Lei nº 14.112/20 confere aos credores maior previsibilidade e segurança na realização do financiamento às empresas em recuperação judicial.
Assim, ao julgar os ED no Agravo em REsp de nº 2.159.279-MT (2022/0197973-4), asseverou que o legislador, ao dispor sobre o financiamento DIP, se preocupou em “afirmar aos credores que suas garantias estão preservadas, destacando o valor da segurança jurídica para todo o sistema, inclusive para incentivar os tão necessários financiamentos empresarias”.
Conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o financiamento DIP emerge como um instrumento eficaz para a obtenção de novos recursos financeiros por parte de empresas em recuperação judicial. Tal mecanismo não apenas viabiliza a continuidade das operações da empresa recuperanda, contribuindo para sua reestruturação financeira, mas também oferece aos credores que concedem o financiamento garantias específicas e privilegiadas, assegurando a recuperação de seus créditos em condições mais favoráveis em relação aos demais credores.
Seguindo a Corte Cidadã, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem autorizado a contratação e formalização de financiamento na modalidade “DIP Financing”, vide decisão proferida na segunda recuperação judicial da empresa “OI S.A”, entendendo que:
“O financiamento DIP (Debtor in Possession Financing), veio para fomentar a concessão de financiamento às empresas em recuperação judicial no período compreendido entre o ingresso do pedido de recuperação judicial e a aprovação do plano, oferecendo, de outro lado, maior segurança ao financiador. (…) O Financiamento DIP é considerado uma das mais importantes ferramentas para o sucesso do processo de recuperação de uma empresa, beneficiando não somente o devedor, mas todas as partes envolvidas com a manutenção da atividade empresarial, engendrando nítida função social.” (TJ-RJ – AI: 00310304820238190000 202300242922, Relator: Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO, Data de Julgamento: 10/10/2023, PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 8ª CÂMA, Data de Publicação: 17/10/2023
De certo, a análise jurisprudencial evidencia que as inovações legislativas, ao detalharem os requisitos, as garantias e os procedimentos para a concessão do financiamento DIP, reduzem as incertezas e os riscos envolvidos nessas operações, incentivando a participação de novos agentes no mercado e fortalecendo a estruturação financeira das empresas em recuperação.
No mesmo sentir o Tribunal de Justiça de Minas Gerais [4], recentemente, entendeu pela autorização do financiamento DIP, posto que “trata-se de mecanismo para que a empresa em recuperação judicial adquira capital de giro com maior celeridade e facilidade – Considerando que o instituto da recuperação judicial objetiva a manutenção da fonte produtora, os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores, respaldando-se na função social da empresa (…)”
Observa-se que a jurisprudência pátria vem compreendendo o financiamento DIP como um grande aliado às empresas em recuperação judicial, posto que, na prática, ao conferir maior segurança econômica e jurídica aos investidores, acaba por auxiliar a reestruturação das empresas, preservando empregos, estimulando a atividade econômica e fortalecendo o mercado de crédito.
Conclusões
As recentes alterações legislativas introduzidas, proporcionaram um aprimoramento significativo do marco regulatório do financiamento DIP no Brasil. As novas disposições normativas conferem maior segurança jurídica tanto aos credores/financiadores quanto às empresas em recuperação judicial, ao estabelecer um ambiente mais propício à concessão de crédito.
Em análise geral, observa-se que o financiamento DIP (Debtor in Possession) exerce um papel crucial na economia brasileira, reverberando em diversos setores. Ao injetar capital em empresas em recuperação judicial, o DIP contribui significativamente para a preservação de empregos e renda [5].
Além disso, o financiamento DIP fomenta a atividade econômica ao permitir que as empresas continuem produzindo bens e serviços. Ao evitar a falência em massa, o DIP preserva o tecido empresarial do país, estimulando a competitividade e a inovação.
Por fim, outro impacto relevante para pontuar acerca do DIP é o fortalecimento do mercado de crédito. Ao demonstrar que é possível recuperar empresas em dificuldades financeiras, o DIP incentiva os credores a investirem em operações de recuperação judicial.
É esperado que o DIP continue a ganhar espaço no mercado, o que o torna uma possibilidade real para a reestruturação das empresas em recuperação judicial.
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Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº. 11.101/2005. Brasília, DF, Senado, 2005.
BRASIL. Lei nº. 14.112/2020. Brasília, DF, Senado, 2020.
Bezerra Filho, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência [livro eletrônico]: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo / Manoel Justino Bezerra Filho; Eronides A. Rodrigues dos Santos, coautoria especial. — 15. ed. rev., atual.e ampl. — São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas. 14. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
LISBOA, Marcos de Barros et al. A racionalidade econômica da Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. In: PAIVA, Luiz Fernando Valente de (org.). Direito falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 4ª edição. São Paulo: SaraivaJur, 2023.
Sardenberg, Rubens. A lei n. 14.112/20 e o novo marco legal do dip-financing no Brasil: uma análise das mudanças normativas e a geração de incentivos para uma ampliação destas operações, com base no instrumental teórico da Análise Econômica do Direito (AED) / Rubens Sardenberg. – 2023.
DIP Financing como solução na recuperação judicial: https://www.jota.info/artigos/dip-financing-como-solucao-na-recuperacao-judicial
[1] Bezerra Filho, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência [livro eletrônico]: Lei 11.101/2005 : comentada artigo por artigo / Manoel Justino Bezerra Filho ; Eronides A. Rodrigues dos Santos, coautoria especial. — 15. ed. rev., atual.e ampl. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
[2] Sacramone, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência / Marcelo Barbosa Sacramone. – 4. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2023. pgs. 561-562
[3] DIP Financing como solução na recuperação judicial < https://www.jota.info/artigos/dip-financing-como-solucao-na-recuperacao-judicial> Acesso em: 04 de nov. 2024.
[4] (TJ-MG – AI: 00431924320238130000, Relator: Des.(a) Adriano de Mesquita Carneiro, Data de Julgamento: 05/07/2023, 21ª Câmara Cível Especializada, Data de Publicação: 11/07/2023)
[5] “LISBOA, Marcos de Barros et al. A racionalidade econômica da Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. In: PAIVA, Luiz Fernando Valente de (org.). Direito falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
Fonte: Conjur.