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09-01-2020
Entenda a visão do Superior Tribunal de Justiça sobre recuperação judicial
A Lei de Falência e Recuperação Judicial (LFR) está em vigor no Brasil desde 2005 e sua finalidade é evitar que empresas com dificuldades financeiras fechem as portas. Para isso, oferece a elas a oportunidade de operar enquanto negociam com os credores sem o risco de terem suas dívidas executadas.
O impacto da recuperação judicial vai além da empresa contemplada ao permitir, por exemplo, a manutenção de empregos, a movimentação da economia, a saúde financeira de fornecedores. É um tema que reúne interesses dos setores privado, público e da sociedade.
A realidade mostra, no entanto, que mesmo com a lei uma quantidade relevante de empresas ainda não consegue evitar a falência. Uma pesquisa da USP realizada por amostragem revela que 46% das grandes e médias companhias que entram em recuperação judicial não conseguem sair da crise.
Outro levantamento, realizado pelo Observatório de Insolvência da PUC-SP, a partir de pedidos de recuperação judicial feitos entre 2010 e 2018 no estado de São Paulo, mostra que quase 60% das empresas não conseguiram sair da recuperação depois dos anos de monitoramento fixados por lei.
Evento “Visão do STJ sobre temas societários e recuperação judicial”
Com o objetivo de compreender melhor o processo e pensar caminhos para aperfeiçoar os resultados, a Trevisan e o IREE organizaram um evento com o Superior Tribunal de Justiça, que é última instância de decisão sobre os pedidos recuperação judicial.
O evento “Visão do STJ sobre temas societários e recuperação judicial”, realizado no dia 11 de outubro de 2019, reuniu sete ministros do STJ e debatedores ilustres em apresentações ao longo de toda uma manhã em São Paulo.
“É uma honra muito grande, neste momento de aflição por que passa o Brasil, conhecer o que pensa a corte e seus ilustres membros a respeito da recuperação judicial e do direito societário, de como a corte tem agido para pacificar as relações para pavimentar um caminho seguro ao ambiente de negócios no Brasil”, disse o presidente do IREE, Walfrido Warde.
Warde alertou que o Brasil tem tratado mal as suas empresas ao não conseguir diferenciar as companhias de seus dirigentes nos processos.
“Temos vilipendiado as empresas de maneira sistemática, alargado a sua responsabilidade sem divisar empresas de seus dirigentes, de seus administradores e de seus controladores. A nossa legislação vem conflitando com a jurisprudência protetiva do Superior Tribunal de Justiça”, afirmou.
O encontro teve apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e da OAB-SP.
Sob coordenação do ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro e do presidente do IREE, o encontro contou com abertura feita por Antoninho Trevisan, presidente do conselho de administração da Trevisan Escola de Negócios.
Trevisan ressaltou a importância do papel dos juristas no estímulo ao desenvolvimento econômico.
“Quando olhamos o custo da criação de uma empresa, e quando ela entra num processo de desgaste, eu rezo para que ela se recupere. Eu louvo esse esforço enorme do STJ para torná-las efetivamente empresas recuperadas, fortes e que possam gerar mais empregos”, disse Trevisan.
A mediação ficou aos cuidados de Fernando Marcelo Mendes, presidente da Ajufe, Carlos Renato de Azevedo Ferreira, diretor do IREE, Fernando Calza de Salles Freire, conselheiro federal da OAB-SP e Elizabeth Martos, coordenadora da pós-graduação da Trevisan.
A seguir, uma amostra das apresentações realizadas. O material completo com fotos, slides e o vídeo na íntegra pode ser acessado aqui.
“Insolvência transnacional”, por ministro Paulo de Tarso Sanseverino
O ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino abordou em sua palestra a complexidade de se tratar a crise de insolvência de grandes empresas sediadas em diversos países, por serem amparadas por diferentes jurisdições.
Sanseverino destacou os principais casos envolvendo insolvência transnacional no Brasil, como o da empresa OGX, da Sete Brasil e da Oi.
“O tema é instigante e há necessidade de regulamentação no direito brasileiro. As soluções encontradas no direito comparado são satisfatórias, especialmente a lei modelo da Uncitral, que provavelmente será transposta para aqui”, disse.
Segundo o ministro, as medidas mais importantes a ser adotadas são os protocolos de cooperação internacional entre os tribunais. “A segurança jurídica é um princípio fundamental nessa época de revolução tecnológica e de globalização.”
“Soluções negociadas para a insolvência empresarial”, por ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
O ministro do STJ Ricardo Villas Bôas Cueva defendeu em sua apresentação que o Brasil aumente seu repertório de soluções negociadas para alcançar também empresários pessoas físicas e pequenas e médias empresas. Segundo ele, é uma medida a se tomar depois da reforma da Lei de Falência e Recuperação Judicial.
“A situação das empresas que buscam a recuperação judicial no Brasil indica que teremos que avançar para modelo de recuperação extrajudicial negociada, a exemplo de outros países”, disse.
Cueva apresentou como exemplo os modelos dos Estados Unidos, da Alemanha, do Chile, de Portugal e da França. “Não há uma solução perfeita, não tem milagre. A preferência pelas soluções negociadas é proporcional ao fracasso do processo falimentar.”
“Tributação do deságio na recuperação judicial”, por ministra Regina Helena Costa
A ministra do STJ Regina Helena Costa tratou em sua palestra da tributação do deságio, ou do desconto, na recuperação judicial. A ministra chamou atenção para a disfunção que existe hoje entre a lei de recuperação judicial e a legislação tributária.
Helena Costa explicou que, apesar da Lei de Recuperação Judicial apontar para a possibilidade dos credores oferecerem descontos para o pagamento de dívidas das empresas devedoras, o Fisco não aceita o desconto para o efeito de aliviar a base de cálculo dos tributos de que ele é credor.
“Não é possível entender que uma empresa em recuperação tenha o mesmo tratamento que uma empresa em plenas condições econômicas”, disse.
Segundo ela, a chance para corrigir essa disfunção é o projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados, que determina que a receita obtida pelo devedor na renegociação de dívidas não formará a base de cálculo dos tributos.
“A questão é saber se o governo vai observar a redução de receita ou se vai querer um sistema mais aperfeiçoado de justiça tributária.”
“Segurança jurídica e tributação”, por ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria
O ministro do STJ Luiz Alberto Gurgel de Faria fez uma apresentação sobre o princípio de segurança jurídica e a tributação.
“O tema da segurança jurídica é muito importante no Direito e na Economia, pois se não tem um ambiente de segurança jurídica para trabalhar e empreender, os investimentos serão bem menores.”
Gurgel destacou o papel de todos os poderes para garantir a segurança jurídica, e explicou com diversos exemplos que o princípio da segurança jurídica está implícito na nossa legislação.
“Mediação nas relações societárias”, por ministro Marco Buzzi
O ministro do STJ Marco Buzzi defendeu em sua palestra que haja mais ousadia para a adoção de métodos alternativos de resolução de conflito.
Segundo ele, as estruturas que temos no Brasil não dão conta de resolver todos os conflitos que a sociedade traz.
“A ministra Ellen Gracie sempre dizia que não há outro caminho melhor, mais barato, mais eficiente e mais factível do que a mediação como uma forma de aportar socorro ao Judiciário que aí está. Porque o brasileiro tem mania de jurisdicionalizar tudo”, disse.
Buzzi chamou atenção para a importância da existência do Cejusc (Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas) como um exemplo de estrutura alternativa à judicialização.
“A recuperação judicial do produtor rural”, por ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro
O ministro do STJ Paulo Dias de Moura Ribeiro dedicou a sua apresentação a explicar que existe uma grande preocupação do STJ a respeito das regras para a recuperação judicial do produtor rural.
Segundo ele, não há dúvida a respeito do produtor rural, quando inscrito na junta comercial, poder pedir a recuperação judicial. Mas no caso do produtor rural não inscrito, ainda há incertezas no processo.
O ministro destacou a importância de um projeto no Senado de autoria do ex-senador Ronaldo Caiado (DEM), que inclui um dispositivo na LFR para garantir que as disposições da norma também poderão ser usadas pelos produtores rurais.
“É extremamente importante pensar com muita cautela nisso pela repercussão econômico do setor”, disse.
“Projeto de alteração da Lei de Recuperação Judicial e Falências”, por ministro Luis Felipe Salomão
O ministro Luis Felipe Salomão abordou em sua palestra a importância do projeto de alteração da Lei de Recuperação Judicial e Falências para aperfeiçoar a legislação e melhorar os resultados.
“Nós aprovamos no plenário do Conselho Nacional de Justiça três propostas já encaminhadas na área de recuperação empresarial e falência. Uma visa a especialização de juízes, outra a verificação prévia das recuperações, e também estabelecemos recomendação para utilização da mediação”, disse.
Segundo o ministro, agora o trabalho tem sido realizado para identificação de gargalos, e detalhou as questões envolvidas.
Fonte: Consultor Jurídico