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24-10-2018
Disposições iniciais do projeto de lei 10.220/18
Texto de autoria de Paulo Furtado
É louvável a positivação dos objetivos da nossa legislação de insolvência, por meio da inclusão do art. 2º-A à lei 11.101/2005.
No PLC 71/2003, relatado pelo senador Ramez Tebet, já haviam sido estabelecidos os objetivos da futura Lei 11.101/2005, que viria a substituir o Decreto-lei 7661/45: 1 - Preservação da empresa; 2 - Separação dos conceitos de empresa e empresário; 3 - Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis; 4 - Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; 5 - Proteção aos trabalhadores; 6 - Redução do custo do crédito no Brasil; 7 - Celeridade e eficiência dos processos judiciais; 8 - Participação ativa dos credores; 10 – 11 - Maximização do valor dos ativos; 12 - Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; 13 - Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial.
Caso tais objetivos houvessem sido positivados em 2005, como agora se pretende, a invocação indiscriminada do art. 47 da lei 11.101 certamente teria sido muito menor, pois quem milita na área sabe que os intérpretes recorrem "ad nauseam" ao princípio da preservação da empresa para sustentar a manutenção de empresas que não mais reúnem condições de prosseguir no mercado e que deveriam falir, sem prejuízo de seus ativos serem rapidamente arrecadados, alienados e novamente empregados por outros empresários.
No projeto de lei 10.220/2018, são claramente estabelecidos os seguintes objetivos da nossa legislação de insolvência, por meio da inclusão do art. 2o-A à Lei 11.101/2005: 1 - preservação de empresas viáveis ("devedor viável"); 2 - liquidação de empresas inviáveis (por meio do processo de falência); 3 - preservação dos ativos (e "realocação eficiente de recursos na economia"); 4 - fomento ao empreendedorismo ("retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica"); 5 - preservação e estímulo ao mercado de crédito.
Mas não basta enunciar objetivos. Eles somente serão atingidos se previstos os meios adequados para a sua consecução e se os intérpretes das normas pautarem sua atuação de acordo com os objetivos positivados. Como os intérpretes finais destas normas são os juízes, nenhuma legislação de insolvência terá seus objetivos alcançados sem contar com uma magistratura com condições materiais e humanas de bem aplicar a lei.
Nesse sentido, é positiva a ideia de juízos regionais especializados em falências e recuperações, pois ao longo do tempo tendem a aplicar a legislação de forma mais rápida e adequada, desenvolvendo os meios mais eficientes à obtenção dos resultados buscados pelo legislador.
Porém, não se pode esquecer que o Brasil é uma República Federativa e que os Estados têm competência para disciplinar sua organização judiciária, de modo que a imposição de regionalização e de competência concentrada na Comarca da Capital, como se pretende introduzir com os parágrafos 1o. e 3o. do art. 3º., suscita discussão quanto à sua inconstitucionalidade.
Embora nas capitais estejam os processos de insolvência mais complexos - o que resulta, ao longo do tempo, em maior experiência dos juízes destas comarcas -, não se pode exigir que um Estado da Federação adote um único critério econômico para instituir juízo especializado em insolvência (passivo superior a 300.000 salários mínimos) e fique impedido de considerar outros aspectos que considerar relevantes (número de empregados, arrecadação tributária etc).
Outro aspecto do projeto que suscita debate diz respeito à competência atribuída ao Conselho Nacional e Justiça (CNJ) pelo teor do art. 3º-A e parágrafos. De acordo com esse dispositivo, o CNJ poderá realizar avaliação sobre a distribuição de competência em matéria falimentar, o que é positivo. Porém, sua atuação deverá ser compatível com a autonomia dos Estados na sua organização judiciária.
O CNJ poderá realizar pesquisas para avaliar os resultados, atuando para melhorar a aplicação da lei no âmbito judicial, recomendando o aperfeiçoamento da estrutura material e funcional existente (mais ou menos juízos especializados, quadro mínimo de servidores por processo etc).
Porém, a Constituição Federal não atribuiu ao CNJ competência para formação e aperfeiçoamento de juízes, como consta do projeto de lei. Esta relevante atribuição é reservada à Escola Nacional de Formação e de Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM), que funciona junto ao Superior Tribunal de Justiça e atua em conjunto com as Escolas Estaduais de Magistratura. O CNJ e a ENFAM têm atuações complementares, ao passo que o projeto de lei contém norma que parece concentrar atribuições em um único órgão, em desacordo com a Constituição Federal.
Em resumo, a incorporação dos objetivos da nossa legislação de insolvência ao Direito Positivo merece apoio, assim como é salutar a especialização de juízos como instrumento adequado para que tais objetivos sejam alcançados, respeitadas a autonomia dos Estados na sua organização judiciária, bem como da ENFAM e das Escolas Estaduais de Magistratura nos cursos de formação e aperfeiçoamento dos juízes.
Fonte: Migalhas