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20-10-2023 

DIP Financing: recuperação judicial e incentivos ao financiamento do devedor

Muito se tem falado sobre recuperação judicial no Brasil. Grandes empresas como Americanas e Oi recorreram ao instituto numa tentativa de soerguimento e, mais recentemente, a 123 Milhas também se valeu do mecanismo após se encontrar imersa em uma crise econômico-financeira. O caso da 123 Milhas, por sua vez, tem forte apelo midiático na medida em que milhares de clientes lesados são seus credores, além de fornecedores e colaboradores.

Nesse sentido, um dos sócios e fundadores da agência de viagens, o empresário Ramiro Júlio Soares Madureira, em depoimento em uma sessão da CPI das Pirâmides Financeiras, na Câmara dos Deputados, afirmou que a empresa deve precisar da ajuda do poder público para conseguir ressarcir todos os valores aos consumidores que se sentiram lesados pela companhia [1].

Ocorre que o poder público não é o agente responsável por promover a reestruturação financeira da empresa. Este fornece tão somente medidas judiciais passíveis de serem tomadas pela empresa devedora na tentativa de manter a companhia em funcionamento, isto é, o devedor pode propor pedido de recuperação judicial, o qual pode ser deferido pelo juízo se houver indícios de que a empresa pode se recuperar da crise que enfrenta.

 Referida ajuda não pode ser proporcionada pelo poder público, contudo há outros mecanismos, dentro da recuperação judicial, pelos quais se pode obter amparo para manutenção das atividades da empresa e para o pagamento dos credores. É nesse ínterim que se insere a figura do Debtor-in-Possession (DIP) Financing.

DIP Financing é uma modalidade de financiamento que supre o fluxo de caixa deficiente da empresa para que esta consiga arcar com as despesas operacionais durante o processo de recuperação judicial. Tal ferramenta é concedida usualmente por meio do pedido de tutela antecipada ao juízo, no lapso temporal que se insere entre o ajuizamento do pedido de recuperação judicial e a apresentação do plano pela empresa devedora. O instituto tem a intenção de conferir liquidez ao devedor até que o plano de recuperação judicial seja elaborado, debatido e votado. Isto tudo para impedir que a empresa tenha sua atividade inviabilizada no caso de a empresa não ter caixa suficiente e ativos disponíveis.

A aludida ferramenta foi disposta na Seção IV-A, no artigo 69 e ss. da Lei 11.101/2005, inserida pela Lei 14.122/2020. Antes da reforma da lei o mecanismo já era aplicado no Brasil com base na prática norte-americana, contudo, sem a previsão legal, os possíveis financiadores externavam insegurança com os riscos da operação e a falta de vantagens claras para compensar o risco.

A partir da reforma, o financiamento poderá ser concedido por qualquer pessoa, inclusive credores, sujeitos ou não à recuperação judicial, familiares, sócios e integrantes do grupo da recuperanda garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros – de forma a incluir também demais integrantes do seu grupo econômico, estejam ou não em recuperação judicial.

Um aspecto positivo do DIP Financing é que pode ser feito com agilidade nos casos em que não é preciso autorização judicial e dos credores para constituição de garantias do negócio jurídico, isto é, 1) quando envolve apenas a disposição de bens do ativo circulante; ou 2) quando a garantia está expressa no plano de recuperação judicial, nos termos do artigo 66 da LRF. Desse modo, a celeridade necessária à dinâmica comercial é atendida de forma a impedir a deterioração dos ativos da empresa.

Assim sendo, caso sejam constituídas garantias sobre o ativo não-circulante da empresa, será necessária autorização judicial. Se concedida a autorização e recebidos os recursos correspondentes pelo devedor, a garantia outorgada pelo devedor ao financiador de boa-fé não poderá ser anulada ou tornada ineficaz, em consonância com o artigo 66-A da LRF.

Como garantia para promover maior segurança jurídica aos financiadores, a reforma dispôs em seu artigo 84, inciso I-B que os valores efetivamente entregues ao devedor serão considerados créditos extraconcursais e terão preferência na ordem de pagamento no caso de convolação em falência. Contudo, a preferência não será absoluta sobre os créditos sujeitos à recuperação judicial e à falência, de modo que são pagos na mesma ordem de prioridade dos demais créditos da mesma categoria.

Além disso, a reforma da LRF estabeleceu em seu artigo 69-B que mesmo que haja modificação da decisão em grau de recurso da autorização do financiamento, não será alterada a sua natureza extraconcursal e as garantias constituídas em benefício dos financiadores serão sustentadas até o limite dos valores efetivamente desembolsados antes da convolação da recuperação judicial em falência. Ainda, o juízo poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre ativos da empresa, dispensando a anuência do detentor da garantia original, como dispõe o artigo 69-C.

O instituto introduzido pela reforma da LRF está presente nos principais casos do cenário brasileiro atual, o caso Americanas e o caso Oi, cada qual com suas peculiaridades. No caso Americanas, a empresa peticionou nos autos e requereu autorização judicial para realização do financiamento DIP dada a dificuldade de financiar suas operações. Dessa forma, declarou ser necessário o ingresso de recursos na forma de financiamento DIP que se daria na forma de emissão de debêntures, com disponibilização de dois mil debêntures de valor nominal unitário de R$1.000.000,00 cada, totalizando R$2.000.000.000,00. Neste caso, não houve a vinculação de garantias ao financiamento.

No caso Oi, por sua vez, a empresa peticionou nos autos e requereu autorização judicial para financiamento DIP visto que, no curto prazo, a empresa correria o risco de ver sua disponibilidade de caixa abaixo do mínimo necessário para regular a continuidade de suas operações. O DIP, no caso em cotejo, totalizaria o montante de US$ 275 milhões em parcela inicial de US$ 200 milhões e uma segunda parcela de US$ 75 milhões.

Como garantia, houve a alienação fiduciária de ações de titularidade da Oi S/A. Em ambos os casos, apesar de não ter havido constituição de garantia sobre bem do ativo não-circulante da empresa, foi requerida a autorização judicial. Isso porque tal prática propicia segurança jurídica da operação.

No que tange o caso da 123 Milhas, a empresa poderá receber o financiamento DIP, desde que resolvidas as pendências quanto à viabilidade de recuperação judicial outrora deferida. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

A reforma da LRF, portanto, é benéfica na medida em que estabelece com clareza o DIP Financing, outrora ausente da legislação. Tal estrutura é uma ferramenta importante porquanto a injeção de novos recursos possibilita à empresa em crise a captação de investimentos para manter o fluxo de caixa e, ainda, colabora para a sedimentação do princípio da preservação da empresa, disposto no artigo 47 da LRF.

 

 

[1] 123 Milhas: recuperação judicial ajudará empresa a ressarcir clientes | Metrópoles (metropoles.com). Acesso em 08/09/2023.

 

Fonte: Conjur.

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