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11-09-2020 

Decisão do Supremo exige certidão fiscal de empresa em recuperação

Uma decisão do ministro Luiz Fux, que assumiu ontem a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), caiu como uma bomba no mercado de recuperações judiciais. Ele afirma que a empresa precisa estar em dia com as suas obrigações fiscais para que o processo de recuperação seja aceito na Justiça.

A apresentação de Certidão Negativa de Débitos (CND) consta na Lei de Falências e Recuperações Judiciais (nº 11.101, de 2005) como um dos requisitos ao processo. Mas essa regra, desde sempre, foi flexibilizada pelos tribunais estaduais e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Advogados dizem que são raríssimos os casos de empresas em crise com o pagamento dos tributos em dia. “A primeira coisa que se deixa de pagar é tributo. Quando o contribuinte chega no momento de pedir recuperação judicial é porque ele está numa situação muito grave, já não consegue mais pagar fornecedores e corre o risco de atrasar salários”, afirma Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados.

Os juízes vinham flexibilizando a regra que exige a apresentação da CND com o argumento de que não havia um parcelamento de dívidas tributárias adequado para as empresas em recuperação judicial.

Até 2014 não existia nenhum. Naquele ano foi editada a Lei nº 13.043, que passou a permitir o pagamento em até 84 vezes. Mas esse parcelamento foi considerado insuficiente, pior do que qualquer Refis oferecido na época, e não pegou no mercado.


As decisões levavam em conta o artigo 47 da Lei nº 11.101, de 2005. Consta que o processo de recuperação judicial tem como finalidade viabilizar a preservação da empresa e a sua função social - mantendo empregos e, com o pagamento dos credores, fazendo a economia girar. Esse artigo, se aplicado o princípio da proporcionalidade, se sobrepõe ao 57, que trata da obrigação de regularidade fiscal.

O procurador Paulo Mendes, que coordena a atuação da PGFN no Supremo, afirma que essa jurisprudência acabou fazendo com que um crédito com prerrogativas de pagamento fosse desconsiderado. Ele diz que essa situação deixou o Fisco no “pior dos mundos”.

“Porque não pode participar do processo de recuperação, não há margem legal para isso, e porque não consegue receber. As execuções fiscais ficam todas suspensas. Não se consegue cobrar crédito público de empresa em recuperação judicial”, diz Mendes.

A decisão do ministro Luiz Fux, em sentido contrário à jurisprudência, foi proferida em caráter liminar. Ele julgou pedido da Fazenda Nacional contra acórdão da 3ª Turma do STJ que dispensou a apresentação de CND por uma indústria paulista que produz equipamentos para o setor sucroenergético (Reclamação 431 69). A empresa acumula um passivo fiscal de mais de R$ 40 milhões.

Fux afirma que na época em que a Corte Especial do STJ fixou entendimento para afastar a exigência da CND não havia ainda sido editado o parcelamento de 2014 e que depois o colegiado não revisitou o tema.

O caso julgado pela turma, acrescenta, faz parte desta segunda etapa - após o parcelamento de 2014. Fux, entende, com base na Súmula Vinculante nº 10, editada pelo STF, que somente a Corte Especial do STJ teria competência para definir a questão.

Essa súmula proíbe órgão fracionário de tribunal de afastar a incidência de lei ou ato normativo do poder público, mesmo que não declare expressamente a sua inconstitucionalidade.

O ministro chama a atenção ainda que foi editada, recentemente, uma outra possibilidade de parcelamento - mais benéfico que o de 2014. Trata-se da Lei nº 13.988, de abril deste ano. A norma permite que a União negocie os pagamentos, podendo oferecer descontos de até 70% em juros e multas e parcelamento em até 145 meses.

“É possível vislumbrar, em âmbito federal, a expedição da certidão de regularidade fiscal ao devedor que realiza a transação tributária com o Fisco nos termos da nova lei”, frisa Fux na decisão.

Essa decisão, se replicada, vai obrigar as empresas a baterem na porta do Fisco. Pelo artigo 57 da Lei de Falências, o documento de regularidade fiscal precisa ser apresentado no momento em que é juntado nos autos o plano de pagamento aprovado pelos credores sujeitos ao processo de recuperação.

Significa que, após entrar com o pedido de recuperação, a companhia terá que trilhar dois caminhos: a negociação com os credores particulares e com o Fisco. Só assim ela conseguirá, no momento de validação do plano - quando ocorre a concessão da recuperação judicial - estar em dia com o Fisco e não ter empecilho para seguir com o processo.

Mas esse caminho pode não ser fácil nem eficaz. A advogada Juliana Bumachar, do Bumachar Advogados Associados, cita o exemplo de um de seus clientes que não conseguiu aderir ao parcelamento.
Ela detalha que a companhia, quando entrou com o pedido de recuperação, apresentou liminar para aderir ao parcelamento da lei de 2014 e, paralelamente, pediu a liberação de penhora sobre seus bens.

Praticamente todo o seu estoque de matéria-prima estava retido e se a penhora fosse mantida a companhia dificilmente sobreviveria. “Era necessária para o giro da empresa”, diz Juliana. A empresa conseguiu a liberação dos bens, mas justamente por esse motivo, o parcelamento acabou sendo negado.

As empresas que já estão em processo de recuperação judicial são as que mais correm riscos com a decisão do ministro Fux, diz a advogada Ana Carolina Monteiro, do escritório Kincaid Mendes Vianna.

“Imagine uma empresa que está com o plano homologado e pagando os seus credores”, diz. “A partir do momento em que se traz essa obrigatoriedade, a homologação do plano fica suspensa até que ela consiga regularizar a situação fiscal. Se não conseguir corre o risco de ir à falência.”

Advogados que atuam na área de insolvência consideraram a decisão de Fux como “inoportuna” e “precipitada”. Especialmente porque há um projeto de lei, o PL 6.229, em tramitação no Congresso para reformar a Lei de Falências e Recuperações Judiciais.

Consta um capítulo específico sobre as dívidas fiscais. O Fisco ofereceria um parcelamento mais vantajoso e, como contrapartida, no caso de inadimplência, poderia pedir a falência da empresa. Esse projeto foi aprovado na Câmara e, agora, está em análise no Senado.

Fonte: Valor

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