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01-07-2021
Decisão do STJ mexe com riscos da recuperação judicial, dizem juristas
Ao cancelar o Tema 987 dos recursos repetitivos e liberar a Fazenda Nacional para pedir penhora de bens de empresas em recuperação judicial, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça acabou por mexer com os riscos envolvidos no processo de soerguimento, no intuito de que seu equacionamento seja totalmente garantido pela nova Lei de Falências (Lei 14.112/2020).
Essa é a opinião de especialistas consultados pela ConJur em relação à decisão da última quarta-feira (23/6). Por unanimidade, a 1ª Seção acolheu a proposta do relator do repetitivo, ministro Mauro Campbell, para cancelar o repetitivo, encerrar a suspensão nacional dos processos e determinar que a resolução se dê a partir das recentes mudanças legislativas.
O Tema 987 visava definir a possibilidade de, em sede de execução fiscal, praticar atos constritivos contra empresas em recuperação judicial. Há uma divergência de entendimentos no STJ.
Os ministros da 1ª Seção se apoiam em precedente da 2ª Turma, que entende que a constrição é possível principalmente quando evidenciada a inércia da empresa recuperanda em adotar as medidas necessárias à suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Já a 2ª Seção, que julga Direito Privado, delegava ao juízo da recuperação judicial — chamado juízo universal — a competência para definir essa possibilidade.
O que nova Lei de Falências fez foi encontrar um caminho intermediário. O juiz da execução fiscal pode determinar constrição de bens contra a empresa em recuperação judicial. O juízo universal não pode desfazer essa constrição, mas tem o poder de substitui-la, se ela recair sobre bens de capitais essenciais à manutenção da atividade empresarial de modo a ameaçar o soerguimento.
Com a volta da tramitação de todas as ações sobre o tema, advogados apontam pontos positivos e negativos. Por um lado, todas as cartas agora estão na mesa, o que traz clareza e segurança ao processo de soerguimento. Por outro, a constrição de bens por dívidas tributárias pode ser prejudicial tanto a devedores quanto credores, em desequilíbrio ao plano de recuperação.
Melhor saber logo
O advogado Domingos Fernando Refinetti, sócio do WZ Advogados, explica que a grande discussão sobre o tema sempre foi se créditos fiscais deveriam se sujeitar à recuperação judicial. Pela lei, eles continuam fora. Assim sendo, quanto antes se definir como serão tratados, melhor para todo mundo.
"O impacto causado pelas execuções fiscais paradas pode parecer favorável, mas na realidade aquele ônus da empresa em recuperação perante o Fisco continua", afirma. "Qualquer decisão que viesse, agora ou depois, teria impacto. Quanto antes esse impacto puder ser mensurado, melhor", acrescenta o advogado.
Ele explica que outra novidade da nova Lei de Falências foi acrescentar na Lei 10.522/2002 a previsão de que a empresa em recuperação judicial possa liquidar seus débitos com a Fazenda Pública mediante parcelamento da dívida em até 120 vezes ou fazer a transação com créditos próprios relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Fazenda.
"Isso também significa uma mudança de mentalidade", diz. "O devedor agora passa a considerar mais seriamente como equacionar suas dívidas fiscais, e o credor tem uma visibilidade maior dos débitos fiscais e de como a empresa os trata. E como a Fazenda será notificada da existência de créditos, poderá tomar as medidas necessárias para viabilizar as transações e repactuações, no sentido de impedir que as execuções fiscais sejam um elemento que inviabilize a recuperação", diz.
Para Adriana Conrado Zamponi, sócia de Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, o que o STJ fez foi determinar o cumprimento da lei, que é baseada em práticas que já vinham sendo implementadas na recuperação judicial. Ela destaca que a nova lei impõe dever de cooperação entre o juízo universal e o da execução, num equilíbrio de poderes de decisão com o objetivo de abrir quase que uma conversa entre eles.
"A verdade é que juiz da execução fiscal não tem conhecimento de como está a empresa financeiramente. Isso o juízo da recuperação judicial tem. Mês a mês, o administrador judicial tem que apresentar relatório em que analisa a contabilidade e as atividades econômicas da empresa em recuperação. E também quem sabe do plano proposto e aprovado, que muitas vezes estabelece ativos da empresa que foram vendidos para pagamento dos credores", explica.
"No fundo, a recuperação judicial tem um viés de coletividade", acrescenta a advogada. A finalidade do procedimento é garantir a saúde financeira da sociedade, preservar empregos e minimizar o impacto na economia, pois quando uma empresa quebra, muita gente é afetada: clientela, fornecedores, empregados etc.
"Dentro desse mundo do processo de recuperação, a ideia da lei, de dizer que pode continuar com a execução fiscal e pode ter atos constritivos, deixando esse poder de eventual substituição para o juízo da recuperação, é uma boa saída", analisa.
Dificuldades práticas
Para Maria Fabiana Dominguez Sant’Ana, sócia do PGLaw, a primeira dificuldade prática para a aplicação da lei reside no fato de que, geralmente, empresas em recuperação judicial não têm bens livres para dar em substituição às penhoras de bens de capitais essenciais que possam ocorrer no âmbito da execução fiscal.
Completa esse cenário o fato de a definição do que são bens de capitais essenciais não ser dada por lei, mas por doutrina e jurisprudência — em regra, bens usados na produção por uma empresa. Como dinheiro não se enquadra nessa hipótese, abre-se a possibilidade de penhora de faturamento.
"Da forma como está, se for levado a ferro e fogo, vai ser bastante complicado para a recuperação judicial parar de pé. Nos casos em que o passivo fiscal for muito alto, a dívida é praticamente impagável, mesmo que se transacione. Em alguns casos, vai ficar inviável", afirma.
Ela também destaca que a nova lei deve derrubar a Súmula 480 do STJ, segundo a qual o juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa. Entende que, "em relação as execuções ficais, ela fica um pouco deteriorada, defasada".
Sócio do Wambier, Yamasaki, Bevervanço e Lobo Advogados e professor de Direito Empresarial da UFPR, Arthur Mendes Lobo segue a mesma linha. Avisa que as empresas em recuperação terão dificuldades em encontrar bens para dar em substituição a penhoras feitas pelo Fisco. "Isso pode prejudicar ou abalar o que foi determinado previamente pelo plano de recuperação judicial. A dificuldade vai ser caso a caso."
Ele avisa ainda que, mesmo quanto à possibilidade de penhora de faturamento da empresa, a situação depende de definição do mesmo STJ, que tem três recursos afetados para definição de tese em repetitivos. O objetivo é definir a necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para que ocorra, se pode ser considerada medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela Lei 6.830/1980 e se implica violação do princípio da menor onerosidade.
"Esses recursos são importantíssimos para que se parametrize os requisitos e o alcance da penhora de faturamento. Vão definir como vai se dar essa penhora, para que o juiz da recuperação substitua a penhora sobre um bem que, por exemplo, esteja sendo usado para garantir um novo financiamento da empresa. Trocar essa garantia penhorada pela penhora do faturamento, que parece ser algo plausível, vai depender das forças econômicas da empresa para a recuperação do débito", diz.
Caso a caso
Em comum no discurso dos especialistas está a impossibilidade de fornecer uma solução generalizada para uma questão que deve ser resolvida caso a caso. Maria Fabiana Dominguez Sant’Ana destaca que a desafetação promovida pelo STJ sobre o tema não significa que o Fisco está agora liberado para pegar todo e qualquer bem da empresa em recuperação judicial que tenha dívidas fiscais. Tudo vai depender.
"Para onde a balança vai pesar vai ser caso a caso. Vai depender do bem penhorado, do tipo de grau de dificuldade financeira da empresa, do valor da dívida tributária. Em dívidas tributárias milionárias, como será possível garantir o pagamento com ativos da empresa sem impossibilitar a atividade econômica dela? Fato é que a definição vai ser a caso a caso", concorda Adriana Conrado Zamponi.
Domingos Fernando Refinetti diz que a experiência recente é do chamado late turn around: empresas que, quando pedem recuperação judicial, já não têm caixa, ativos, dinheiro, nada. Quando é assim, qualquer constrição é extremamente prejudicial.
"Espero que os benefícios da lei sejam usados para que os devedores comecem a pensar na reorganização das empresas, na reestruturação mais cedo. E utilizar os benefícios da lei para conseguir que a sobrevivência de empresas seja sadias, saudável", diz. "E com toda a sinceridade, se houver empresas que não conseguem sobreviver, é um pouco a natureza das coisas", complementa.
REsp 1.694.261
Fonte: ConJur