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24-06-2025
De ato cooperativo a dívida condominial, STJ fixa posições sobre recuperação judicial
As turmas de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça fortaleceram a jurisprudência sobre recuperação judicial nos últimos meses, com precedentes de destaque na seara do Direito Empresarial.
A pedido da revista eletrônica Consultor Jurídico, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou dez casos recentemente julgados e uma afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos.
Os julgados mostram o alcance da jurisprudência, que aborda desde questões relacionadas à classificação dos créditos até possibilidades de deferimento da recuperação judicial e interpretação da legislação mais recente, Lei 14.112/2020.
Veja os principais julgados:
Recuperação judicial de fundação de direito privado (REsp 2.036.410)
Associações e fundações civis sem fins lucrativos não preenchem os requisitos da lei para pedir recuperação judicial.
A posição foi firmada pela 3ª Turma do STJ em 1º de outubro e pode ser unificada em breve, já que a 4ª Turma começou a julgar, em junho, um recurso que trata do mesmo tema — houve pedido de vista.
A conclusão até o momento é de que não cabe a recuperação judicial para fundações que desempenham papel empresário, exercendo atividade econômica, ainda que sem auferir lucros. O relator foi o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Advogados consultados pela ConJur destacaram que essa interpretação restritiva do artigo 1º da Lei 11.101/2005 evita distorções jurídicas e afasta o risco de concorrência desleal no mercado brasileiro.
Recuperação judicial para cooperativa médica (REsp 2.183.710)
A Lei 14.112/2020 incluiu as cooperativas médicas no regime de recuperação judicial. Por esse motivo, elas estão legitimadas a requerer o benefício. O precedente é da 4ª Turma do STJ, fixado em junho de 2025.
O relator do recurso especial, ministro Marco Buzzi, fez referência à decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 7.442, julgada em outubro de 2024, quando declarou constitucional o parágrafo 13 do artigo 6º da Lei 11.101/2005.
A norma diz que não se aplica a vedação do artigo 2º, inciso II, da lei quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica, o que foi suficiente para resolver a questão pela mera aplicação da lei.
Recuperação judicial e ato cooperativo (REsp 2.091.441)
O ato cooperativo não deve ser executado na recuperação judicial. Foi assim que decidiu a 3ª Turma do STJ, em um caso de um credor que pedia o reconhecimento de crédito concedido a associados de uma cooperativa como parte de seus dividendos.
A empresa, em recuperação judicial, pediu na Justiça para que os créditos concedidos aos seus cooperados não sejam executados pelas empresas credoras. O pleito acabou atendido no recurso especial.
Relator, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva entendeu que é melhor, para fins de segurança jurídica, afastar a relação de consumo entre cooperativa e cooperado. Como a empresa é gerida pelos próprios cooperados, isso faz deles donos e usuários ao mesmo tempo.
Dívida condominial na recuperação judicial (REsp 2.189.141)
A 3ª Turma do STJ definiu como devem ser tratados os créditos de dívida de condomínio quando a devedora se encontra em recuperação judicial ou falência. A relatoria é do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Se a devedora estiver em recuperação judicial, a dívida de condomínio anterior ao pedido formulado à Justiça é concursal e deve ser paga na forma do plano aprovado pelos credores. Já o crédito vencido posteriormente é extraconcursal e podem ser exigidos em execução individual.
Se a recuperação judicial for convolada em falência, os créditos condominiais que estavam habilitados serão considerados débitos do falido e, portanto, serão pagos na falência de acordo com o artigo 83 da Lei 11.101/2005.
Já os débitos vencidos após o pedido de recuperação judicial serão considerados créditos extraconcursais na falência, assim como aqueles que venceram após o decreto de falência.
Por fim, se a decretação da falência não for antecedida de recuperação judicial, os débitos condominiais vencidos antes da quebra serão dívidas do falido e deverão ser pagas segundo a ordem legal. Já os débitos posteriores serão extraconcursais.
Representante comercial (REsp 2.168.185)
O crédito devido à empresa que presta serviços de representação comercial se equipara aos créditos derivados da legislação do trabalho na recuperação judicial ou na falência.
O precedente é da 3ª Turma do STJ, sob relatoria para o acórdão do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, autor do voto divergente vencedor. Para ele, não cabe diferenciar o representante comercial que exerce a função como pessoa física e o que exerce como pessoa jurídica.
Assim, seus créditos habilitados na recuperação judicial são da classe I, dos créditos trabalhistas, que tem preferência na ordem de pagamento, e não da classe IV (microempresa ou empresa de pequeno porte).
Efeito do depósito elisivo (REsp 2.186.055)
O depósito elisivo se compatibiliza com ações de falência cuja causa de pedir é o inadimplemento. Assim, ele pode ser usado para evitar a quebra da empresa se o motivo for o descumprimento de uma obrigação financeira prevista no plano de recuperação judicial.
A conclusão por maioria de votos é da 3ª Turma do STJ, conforme o voto vencedor da ministra Nancy Andrighi. O colegiado deu interpretação ampliada para o uso do depósito elisivo previsto no artigo 98 da Lei 11.101/2005.
A falência foi requerida porque a devedora atrasou três prestações previstas no plano, após o biênio de supervisão judicial. A princípio, essa situação não atrairia o uso do depósito elisivo, mas a 3ª Turma entendeu pela viabilidade dessa interpretação.
Letra de crédito imobiliário (REsp 1.773.522)
Créditos de emissão de letra de crédito imobiliário (LCI) não podem ser classificados como créditos com garantia real nos processos de falência. Assim, inserem-se como quirografários (sem preferência para pagamento).
O entendimento é da 4ª Turma do STJ, conforme voto do relator do recurso especial, ministro Antonio Carlos Ferreira. Ele apontou no acórdão que, embora a LCI seja lastreada em crédito garantido por hipoteca ou alienação fiduciária, o direito real sobre os bens dados em garantia pertence à instituição financeira que fez a emissão.
“Não é possível equiparar o lastro ao direito real de garantia, por falta de vinculação direta do bem dado em garantia de terceiro à relação decorrente da emissão da letra de crédito imobiliário. Em decorrência do princípio da taxatividade, os direitos reais de garantia devem ser previstos em lei”, disse.
Crédito de fundo garantidor (FGC) (REsp 1.867.409)
Para a 4ª Turma do STJ, os créditos do FGC por sua atuação em regime de administração especial (intervenção do Banco Central em uma instituição financeira) são quirografários na falência, sem preferência de pagamento.
O voto do ministro João Otávio de Noronha explicou que o conceito de sub-rogação impõe que o FGC assuma a mesma posição jurídica dos credores originários, sem alteração na classificação de seus créditos.
Conflito de competência e stay period (CC 196.846)
Encerrado o período de blindagem na recuperação judicial (stay period), o juízo cível pode continuar com a execução individual de créditos extraconcursais do devedor em que isso represente a invasão da competência do juízo universal.
A conclusão foi alcançada em julgamento da 2ª Seção do STJ, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze. O colegiado buscou fazer mais uma harmonização na relação entre os dois juízos, a partir da interpretação da Lei 14.112/2020.
Assim, o juízo universal só pode interferir nos atos de constrição patrimonial determinados pelo juízo cível durante o stay period. Passado o período, ambos devem observar o princípio da menor onerosidade ao devedor.
Competência para IDPJ (CC 200.775)
O parágrafo único do artigo 81-A da Lei n. 11.101/2005 não dá ao juiz da falência a competência exclusiva para determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa falida. A conclusão é da 2ª Seção do STJ, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi.
A intenção do legislador, na verdade, foi estabelecer que a personalidade jurídica da sociedade falida somente poderá ser decretada com a observância dos requisitos do artigo 50 do Código Civil e dos artigos 133 e seguintes do Código de Processo Civil.
Afetação para tese repetitiva (REsp 2.090.060)
A 2ª Seção do STJ ainda vai definir se é devida a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais – em caso de acolhimento do incidente de impugnação ao crédito – nas ações de recuperação judicial e de falência.
O julgamento será feito sob relatoria do ministro Humberto Martins, sob o rito dos recursos repetitivos. O colegiado vai definir a tese, que será vinculante.
Fonte: Conjur.