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14-04-2025 

Da ineficácia do art. 56, §1º, da LRF em face da reforma promovida pela Lei 14.112/20

A assembleia geral de credores é considerada um dos mais importantes atos do processo de recuperação judicial, haja vista se tratar do momento em que o plano de reestruturação apresentado pelos recuperandos será discutido e votado por seus credores, decidindo assim o destino da atividade empresarial. Seu regramento é disposto por meio do artigo 35 e seguintes da Lei nº 11.101/05, sendo definidos não somente os temas que poderão ser discutidos, como também o procedimento necessário para sua convocação.

Entretanto, o tema em questão está envolto de certas problemáticas, sendo uma destas decorrente da redação empregada no artigo 56, § 1º, da LRF, que determina a convocação da assembleia dentro do prazo de 150 dias contados da data de deferimento do processamento da recuperação judicial, vide redação abaixo:

“Art. 56. (…)

§ 1º A data designada para a realização da assembleia-geral não excederá 150 (cento e cinquenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.”

Tal redação encontra-se na legislação recuperacional desde sua origem no ano de 2005, sendo utilizada de forma conjunta com o artigo 6, § 4º, responsável por determinar a duração do período de proteção previsto por lei, denominado stay period que, por sua vez, ditava o seguinte:

“Art. 6º (…)

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.”

Stay period não poderia ser prorrogado

Como se nota, originalmente o stay period não poderia — em hipótese alguma — ser prorrogado, criando assim, mesmo que de forma implícita, a necessidade de que o procedimento tivesse seu plano de reestruturação votado dentro de tal interstício temporal.

É notório o funcionamento harmônico de ambas as disposições na redação original da legislação recuperacional, haja vista existir determinação quanto a necessidade de realização da Assembleia Geral de Credores dentro do prazo de 150 dias, justamente para que ainda houvesse um ambiente negocial equitativo em razão da proteção legal.

Ocorre que, ao contrário do que foi idealizado pela legislação, os procedimentos recuperacionais — quase que de forma unânime — ultrapassavam o prazo originalmente previsto por lei, sendo inclusive objeto de estudo realizado pelo Observatório de Insolvência promovido pelo Núcleo de Estudos de Processos de Insolvência e da Associação Brasileira de Jurimetria[1] — observando especificamente processos distribuídos em varas especializadas na cidade de São Paulo —, onde constatou que, do momento de deferimento do processamento de uma recuperação judicial até o momento de votação da última assembleia de credores, há um intervalo temporal mediano de 386 dias e, considerando casos mais extremos, uma média de 507 dias.

Ou seja, mesmo com a existência de dispositivos em tese harmônicos, a vigência destes era relevada em razão da realidade vivenciada na prática forense, que se distanciava muito dos prazos previstos por lei, já que a interpretação restritiva da lei tornaria inviável a manutenção do stay period, prejudicando a reestruturação empresarial e expondo o patrimônio da empresa a medidas constritivas.

Reestruturação de dívidas

Pela comunhão de tais fatores, foi promovida a reforma da legislação por meio da Lei nº 14.112/20, responsável por diversos marcos no ordenamento da insolvência, inclusive, por ter admitido — mesmo que de forma minguada — a morosidade inerente ao procedimento de reestruturação de dívidas ante sua complexidade, restando possível uma nova prorrogação do prazo de 180 dias de suspensão das execuções.

No entanto, apesar de necessária, a reforma em questão mostrou-se precipitada ao deixar de analisar — dentre muitos outros temas — o conteúdo do artigo 56, § 1º, da LRF.

Com o novo texto de lei, o que já era praticado anteriormente restou parcialmente oficializado, sendo possibilitado o prolongamento do período de proteção para o intervalo de 360 dias, possibilitando um procedimento mais estruturado e com soluções que de fato atendam aos interesses da coletividade. Porém, o legislador restou omisso quanto à redação do dispositivo em questão, deixando-o inalterado e, com isso, criando uma desarmonia no ordenamento.

Ora, se passa a existir de forma “legal” a possibilidade de prorrogação do stay period, é uma consequência lógica que não se faça obrigatória a realização de uma assembleia geral de credores dentro do restritivo prazo de 150 dias.

Processo recuperacional precipitado

Ocorre que tal interpretação, por vezes, não é aplicada na prática forense, sendo utilizada como ferramenta para precipitar um processo recuperacional e forçar a realização de uma assembleia possivelmente infrutífera, mesmo que de forma completamente avessa ao objetivo do diploma como um todo.

Como já defendido no presente artigo, em uma interpretação teleológica, é latente o fato de que o objetivo de tal dispositivo é justamente garantir que a assembleia seja realizada dentro do período de proteção previsto pelo legislador e, com a possibilidade de prorrogação, nada impediria que esta fosse feita dentro dos 360 dias previstos por lei, já que tal alteração teria sido realizada justamente em razão da inerente complexidade de tais procedimentos.

Tal linha argumentativa, inclusive, não se faz apenas um devaneio, mas um posicionamento já abordado por tribunais Brasil afora, em especial pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, podendo ser destacado o trecho do acórdão abaixo colacionado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO JUDICIAL QUE PRORROGA O PERÍODO DE SUSPENSÃO DAS EXECUÇÕES AJUIZADAS CONTRA O DEVEDOR E PROIBIÇÃO DE CONSTRIÇÃO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL SOBRE OS BENS ESSENCIAIS À ATIVIDADE ECONÔMICA, ATÉ A REALIZAÇÃO DA ASSEMBLEIA-GERAL DE CREDORES – ‘STAY PERIOD’ – POSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DO DEVEDOR – OBSERVAÇÃO DO PRAZO DO § 4º DO ARTIGO 6º DA LEI 11.101/2005 – DECISÃO REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (…) Não há meios, assim, para o deferimento do pedido da empresa agravante para a “imediata retomada do curso das ações e execuções pendentes”, como também, para que seja “fixado prazo máximo para a prorrogação, limitado a 90 (noventa) dias contados da data do encerramento do ‘stay period’ original, que se encerrou, em 26/11/2019”, haja vista que, além, de o agravado não ter concorrido com a superação do lapso temporal, é necessário, outrossim, o estabelecimento de um prazo razoável pelo juízo de origem, para a realização da Assembleia-Geral de Credores (AGC), observando-se, no entanto, o limite de prazo máximo descrito no § 4º, do art. 6º, da Lei n. 11.101/2005, em dias corridos, ‘stay period’, contado a partir desta decisão. Decisão reformada em parte. Recurso parcialmente provido.”

(TJMS. Agravo de Instrumento n. 1401140-79.2020.8.12.0000, Chapadão do Sul, 5ª Câmara Cível, Relator (a):  Des. Geraldo de Almeida Santiago, j: 05/05/2023, p:  09/05/2023)

Razoabilidade para Assembleia Geral de Credores

Nota-se pela fundamentação apresentada pela 5ª Câmara Cível que, como é de se esperar, é necessária a utilização da razoabilidade para a realização de uma Assembleia Geral de Credores, desde que observado o stay period previsto pelo parágrafo 4º, do artigo 6º, da LRF.

Diante de tal perspectiva, torna-se latente a antinomia entre as determinações da Lei nº 11.101/05 e as inovações trazidas pela Lei nº 14.112/20, sendo forçada a coexistência de normas completamente contraditórias entre si e que ignoram por completo o principal objetivo dos procedimentos ali previstos, a superação da situação de crise econômico financeira e consequente atendimento dos interesses da coletividade de credores, dos colaboradores que dependem de tal atividade e, principalmente, da sociedade como um todo.

Como praxe, urge a necessidade de que tal conflito seja saneado de maneira célere, não podendo ser deixada sua aplicação — ou não aplicação — depender única e exclusivamente do Juízo responsável ou administrador judicial indicado, sendo necessária a uniformização do entendimento não apenas pelos tribunais, como também a retificação ou até mesmo exclusão do artigo 56, § 1º, do texto legal, por parte do legislador, visando garantir o atendimento aos princípios da lei e o bom andamento dos processos de recuperação judicial.

 

[1] Consulta disponível em: https://abj.org.br/pdf/ABJ_resultados_observatorio_1a_fase.pdf

 

Fonte: Conjur.

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