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23-04-2024
Da inconstiucionalidade material da exigência de CND para o CEBAS e gozo da imunidade de contribuições sociais
O trânsito em julgado da vitória do SEMESP sobre certidões na educação não afeta exigências para CEBAS, segundo entendimento jurídico.
A divulgação pelo SEMESP - Sindicato de Entidade Mantenedoras de Ensino Superior do trânsito em julgado da vitória obtida na ação 5014658-25.2018.4.03.61001, por intermédio da Covac Sociedade de Advogados, onde ficou decidido pela Justiça Federal a impossibilidade da exigência de apresentação de certidões regularidade junto à Fazenda Federal, à Seguridade Social e ao FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, para fins de credenciamento e recredenciamento institucional junto ao MEC - Ministério da Educação, na forma estabelecida no artigo 20, inciso I, alíneas "c" e "d" e artigo 25, § 3º e § 4º, do decreto 9.235/17, trouxe à baila inúmeras consultas de Entidades Beneficentes de Assistência Social acerca dos efeitos de tal julgado sobre a exigência de apresentação das mesmas certidões em processo de certificação ou renovação de CEBAS, e para manutenção da imunidade do art. 195, §7º da Constituição, na forma do art. 3º, inciso III da LCP 187/21.
A resposta óbvia e ligeira a todos que nos consultaram foi a mesma, que não, trata-se de escopos constitucionais e exigências em diplomas legais tão diversos, que essa decisão não funciona como precedentes para fins de CEBAS.
Contudo, a consulta acima referida serviu de provocação a necessária meditação jurídica sobre a validade sistêmica da exigência do art. 3º, III da LCP 187/21 como condição para o CEBAS e para a manutenção da imunidade. Nesse sentido, o texto de abertura da recente obra coletiva "Comentários à LC 187/21 Marco Legal da Beneficência"2, assinados pelos drs. Claudia Fonseca Morato Pavan e Marcos Vinicius Ottoni, já alertavam sobre o assunto:
"A LCP 187/21 foi além ao vincular o gozo da imunidade à inexistência de passivos tributários federais e perante o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço- FGTS. A proporcionalidade dessa medida e sua referibilidade será aferida, com o tempo, pelo Judiciário. Isso porque muitas vezes, esses lançamentos decorrem de postura fiscais ilegítimas, e não da verdadeira existência de passivo."(NUNES et al, 2023, p. 16-29)
E antes de chegar ao judiciário é importante que a comunidade jurídica que atua com o tema, notadamente a advocacia tributária e do terceiro setor, amadureça a análise jurídica capaz de suportar futuros questionamentos judiciais, sendo esse o propósito do presente texto.
Para esse desiderato, é mister desinterditar o tema da exigência da CND para gozo da imunidade de contribuições dos mitos jurídicos que tendem a limitar o raciocínio da questão, destacando-se desses dois aspectos centrais a) a eventual declaração de constitucionalidade material da exigência de CND para gozo da imunidade no bojo das ADIs 2028 e 4480; b) e da ideia de vedação Constitucional do devedor da seguridade social receber benefícios ou incentivos fiscais do Poder Público na forma do §3º do art. 195 da Constituição, como autorizador da exigência do art. 3º, III LCP 187/21.
Quanto ao primeiro aspecto supra, importa situar os julgamentos do STF no RE 566.622/RS, ADI/DF 2028 (originadores do Tema 32) e principalmente da ADI 4480/DF, pois essa última debruça-se sobre a lei 12.101/09, a qual a LCP 187/21 tem extrema verossimilhança de texto. E da análise das decisões do STF, pode se afirmar que emergiu dos citados julgados a necessidade de LC, a inconstitucionalidade formal, inclusive esse foi o comando que desaguou no processo legislativo que criou a LCP 187/21, como resta claro no trecho da justificação do PL 134/19 do deputado Bibo Nunes (PSL/SP):
Este Projeto de LC, para sua elaboração, considera a decisão do STF proferida no RE 566.622 - Rio Grande do Sul, que em síntese concluiu:
"Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar".
E considerando que a LCP 187/21, é resposta do Congresso Nacional as decisões do STF, percebe-se que esse não se ocupou de limiar o seu poder legislador a qualquer tese da inconstitucionalidade material, pois não foi essa a baliza posta pelo STF.
A contrário senso, o STF por diversas vezes nos julgamentos mencionados infirmou a inconstitucionalidade material da exigência de contrapartida, como resta claro do trecho do voto do ministro Gilmar Mendes, no seu voto condutor vencedor do julgado da ADIn 4480 abaixo:
2.2.2 Da inconstitucionalidade material dos dispositivos impugnados
A parte requerente afirma que os arts. 13 e 14 da lei 12.101/09 afrontam o art. 203, caput, da CF/88, tendo em vista que limitam a possibilidade de atendimento das pessoas que necessitam de assistência social. Sustenta, para tanto, que a Constituição não especifica ações de assistência social, mas grupos, instituições e valores que poderão ser objeto dessas ações. Nesse contexto, os citados positivos, ao exigirem a aplicação de determinado percentual da receita na concessão de bolsas de estudo, para fazer jus à imunidade, desnaturam o conceito de entidades beneficentes de assistência social, além e limitarem e direcionarem sua ação. A parte requerente afirma que os arts. 13 e 14 da lei 12.101/09 afrontam o art. 203, caput, da CF/88, tendo em vista que limitam a possibilidade de atendimento das pessoas que necessitam de assistência social. Sustenta, para tanto, que a Constituição não especifica ações de assistência social, mas grupos, instituições e valores que poderão ser objeto dessas ações. Nesse contexto, os citados positivos, ao exigirem a aplicação de determinado percentual da receita na concessão de bolsas de estudo, para fazer jus à imunidade, desnaturam o conceito de entidades beneficentes de assistência social, além e limitarem e direcionarem sua ação. Inicialmente, registro que os citados dispositivos, já analisados no tópico anterior, foram considerados eivados de inconstitucionalidade formal por tratarem de matéria reservada à lei complementar. Cabe ressaltar, no entanto, que não se vislumbra nenhuma afronta ao art. 203 do texto constitucional a ensejar inconstitucionalidade material. Quanto a esse ponto, verifico que os dispositivos impugnados não restringem o conceito de assistência social previsto no citado dispositivo constitucional que determina a prestação de assistência social a quem dela necessitar, mas apenas apresentam requisitos para a oferta dessa assistência. Inicialmente, registro que os citados dispositivos, já analisados no tópico anterior, foram considerados eivados de inconstitucionalidade formal por tratarem de matéria reservada à lei complementar. Cabe ressaltar, no entanto, que não se vislumbra nenhuma afronta ao art. 203 do texto constitucional a ensejar inconstitucionalidade material. Quanto a esse ponto, verifico que os dispositivos impugnados não restringem o conceito de assistência social previsto no citado dispositivo constitucional que determina a prestação de assistência social a quem dela necessitar, mas apenas apresentam requisitos para a oferta dessa assistência. (STF - ADI: 4.480 DF, relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 27/3/20, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/4/20)
Portanto, emerge dos pronunciamentos do STF a consideração que a regulamentação do art. 195, §7º da Constituição deve se dar em sede de LC, obedecendo ao comando do art. 146, inciso II da Constituição, mas que a caracterização da entidade como beneficente de assistência social exige um envolvimento dentro da política pública de assistência social, insculpida no artigo 203 da Constituição, dentro do contexto Constitucional da Seguridade Social, que impõe contrapartidas efetivas de seus componentes.
Ou seja, o art. 195, §7º da Constituição não pode ser interpretado apenas como uma simples imunidade, um direito que somente serve para limitar o poder de tributar, igual ao do artigo 150, VI, "c" da Constituição, o próprio "locus" do texto já nos revela diferenças significativas, pois o último está na seção das "Limitações ao Poder de Tributar", o primeiro no Capítulo da Seguridade Social, e além de uma imunidade o seu detentor assume um compromisso efetivo na promoção dessa política pública, é por essa razão que não é sustentável a tese de inconstitucionalidade material da exigência de contrapartidas.
Situe-se ainda que na ADIn 4.480 declara-se a inconstitucionalidade do art. 13, III, §1º, I e II, §§ 3º e 4º, I e II, §§ 5º, 6º e 7º; do art. 14, §§ 1º e 2º; do art. 18, caput; art. 29, VI; e do art. 31 da lei 12.101/09, com a redação dada pela lei 12.868/13, por necessidade de LC na forma do art. 142 da Constituição e a inconstitucionalidade material do art. 32, § 1º, da lei 12.101/09, por afronta ao direito ao contraditório e ampla defesa consagrado no art. 5º, LV da Constituição.
Por outro lado, quanto ao inciso III do art. 29 da lei 12.101/09, exigência que guarda similaridade ao inciso III, art. 3º da LCP 187/21, objeto da presente análise, é importante destacar que a exordial da ADIn 4.480, nos termos expostos no relatório do voto do relator aborda o tema nos seguintes prismas:
Sustenta ainda que o artigo 29 está eivado de várias inconstitucionalidades, ao argumento de que "o dispositivo, como um todo, pretende complementar a caracterização da entidade beneficente de assistência social imune às contribuições para a seguridade social, com renovada ofensa ao disposto no art. 146, II, da CF/88". Aduz, ainda, que o caput do mesmo artigo "institui uma isenção, com claros efeitos limitativos da imunidade instituída pelo art.195, § 7º". Já o inciso III do art. 29 seria inconstitucional por condicionar o gozo da imunidade à comprovação de regularidade fiscal, "tornando o ente imune refém da burocracia estatal". Da mesma forma, o inciso VI do artigo 29 seria inconstitucional por impor ônus que "objetiva simplesmente dificultar e desestimular que entidades beneficentes de assistência social gozem da imunidade a que fazem jus". Isso porque não haveria razões de ordem prática que justificassem a exigência de conservação e guarda de documentos por período superior ao do prazo decadencial para a constituição de eventuais créditos tributários. Sustenta também a inconstitucionalidade do inciso VII do mesmo artigo, em razão de condicionar a fruição da imunidade ao cumprimento da legislação tributária acessória. (STF - ADI: 4.480 DF, relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 27/3/20, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/4/20)
No voto vencedor o min. Gilmar Mendes afasta a inconstitucionalidade apenas sob o aspecto formal, não se detendo sobre o aspecto material da exigência do inciso III do art. 29 da lei 12.101/09, nos seguintes termos:
Nesse contexto, entendo que os incisos I e V do art. 29 se amoldam ao inciso I do art. 14 do CTN ("não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título"); e o inciso II do artigo 29 ajusta-se ao inciso II do artigo 14 do CTN ("aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais"). E, como consequências dedutivas do inciso III do art. 14 do CTN ("manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão"), tem-se os incisos III, IV, VII e VIII do art. 29 da lei 12.101/09. Portanto, não vislumbro a alegada inconstitucionalidade formal do art. 29 e incisos I, II, III, IV, V, VII e VIII. (STF - ADI: 4.480 DF, relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 27/3/20, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 15/4/20)
Portanto, podemos concluir que na ADIn 4.480 não há qualquer precedente que possa ser aplicado à análise judicial da constitucionalidade do inciso III do art. 3º da LCP 187/21, seja porque na ADIn 4.480 a questão foi analisada só sobre o aspecto formal, questão inclusive superada pela Lei Complementar, seja porque o acordão passa a margem da constitucionalidade material da exigência de CND como condição de gozo da imunidade, sob o prisma da proporcionalidade e referibilidade.
Em relação a ideia de vedação Constitucional do devedor da seguridade social receber benefícios ou incentivos fiscais do Poder Público na forma do §3º do art. 195, da Constituição, como autorizador da exigência do art. 3º, III LCP 187/21, não se sustenta, porque como explicitado no art. 1º e art. 3º da LCP 187/21, as regras desse normativo referem-se a "limitação ao poder de tributar da União em relação às entidades beneficentes, no tocante às contribuições para a seguridade social", e são regras para se fazer "jus à imunidade de que trata o art. 195, §7º da Constituição Federal". Jamais podem ser enxergados como mero benefício ou incentivo fiscal, trata-se de regras para uma imunidade subjetiva, portanto, ontológicos ao tipo, precedentes a qualquer resultado benéfico.
A imunidade não pode ser tratada como benefício ou incentivo fiscal, logo as exigências para o seu gozo não estão enquadradas na regra do §3º do art. 195, da Constituição, a imunidade é por definição uma limitação ao poder de tributar, é uma garantia ao contribuinte logo uma regra para se atingir a imunidade não pode ser tratada como mero benefício fiscal.
Ademais, a exigência do inciso III do art. 3º da LCP 187/21 vai além das contribuições sociais, já que a exigência abarca impostos e o FGTS, logo a regra do §3º do art. 195, da Constituição e a jurisprudência que usa dela para legitimar a exigência de CND em outras situações, como Prouni por exemplo, não se subsumem ao presente caso.
Assim, constatado que não há precedentes no STF e dispositivos constitucionais que validem a exigência da CND para fins de CEBAS e gozo da imunidade de contribuições, devemos examinar tal exigência sobre os critérios da referibilidade constitucional e proporcionalidade da exigência, ou seja, é preciso responder ao questionamento: cabe como exigência de uma imunidade subjetiva - como ocorre no art. 195, §7º da Constituição, cuja natureza é de retribuição ontológica - a adoção de uma exigência extrínseca a natureza jurídica do sujeito dessa imunidade um critério inteiramente manipulável pelo ente a qual a imunidade pretende limitar o poder de tributar? E, ainda, é preciso questionar: tal exigência é razoável numa relação entre sujeito imune e o ente tributante?
Para tentar ser objetivo na resposta, começo resgatando a súmula 612 do STJ que afirma:
Súmula 612: O CEBAS - certificado de entidade beneficente de assistência social, no prazo de sua validade, possui natureza declaratória para fins tributários, retroagindo seus efeitos à data em que demonstrado o cumprimento dos requisitos estabelecidos por lei complementar para a fruição da imunidade
Ou seja, o CEBAS tem natureza declaratória, ele reconhece e declara situação jurídica pré-existente, ele não constitui direito, ele apenas o declara, logo os requisitos para se declarar as entidades beneficentes de assistência social têm que ser intrínsecos à personalidade jurídica da entidade, que assim reconhecida, será imune e por consequência não terá débito fiscal. Assim, ter a CND como condição para o CEBAS e a imunidade, com o exige o art. 3º, III da LCP 187/21, é trazer um elemento extrínseco para um conceito de imunidade subjetiva e não tem razoabilidade sob a perspectiva de essencialidade do direito à imunidade, já que essa como limitação ao poder de tributar não pode ter como exigência requisito que empodere o poder a que se quer limitar.
Ora, a falta de razoabilidade fica patente se pensarmos na situação que uma entidade que cumpre todos os requisitos para o CEBAS faz o pedido e não tem como enquanto o processo estiver tramitando recursos para recolher as contribuições as quais será imune, como não tem a CND essa condição que se persegue nunca será atingida, ao passo que se a CND não fosse requisito, como os efeitos da concessão do CEBAS retroagem a data do pedido a entidade seria declarada imune de forma retroativa, direito inclusive garantido no próprio art. 36 da LCP 187/21, o que lhe daria a CND.
O exemplo do parágrafo anterior deixar claro que a exigência de CND não tem referibilidade ao direito constitucional da imunidade do art. 195, §7º e desnatura a imunidade como limitação ao poder de tributar na exata medida que cria um poder ao ente tributante capaz de esvaziar o gozo da imunidade.
Por outro lado, a exigência de CND para concessão do CEBAS e gozo da imunidade também é desproporcional a imunidade que se quer resguardar. Mutatis mutandis, aplica-se raciocínio similar ao que a Corte Especial do STJ usou para afastar a exigência de CND como condição ao pedido de recuperação judicial:
DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57 DA LEI 11.101/05 (LRF) E ART. 191-A DO CTN - CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".
O art. 57 da lei 11.101/05 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN.
O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação.
Recurso especial não provido. (REsp 1.187.404/MT, relator ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/6/13, DJe de 21/8/13.)
Ora, o raciocínio da Corte Especial do STJ no julgado supra é em bom português que exigir de uma empresa que está a pedir recuperação judicial a exibição da certidão de regularidade fiscal é negar sua condição fática de empresa em situação financeira periclitante e, portanto, não é razoável frustraria o escopo da lei de proteger a ordem econômica, raciocínio que fica claro no seguinte trecho do voto do relator Luis Felipe Salomão:
Na verdade, o valor primordial a ser protegido é o da ordem econômica, bastando analisar com mais vagar os meios de recuperação da empresa legalmente previstos (como, por exemplo, os incisos III, IV, V, XIII e XIV do art. 50 da LRF), para se perceber que, em alguns casos, é exatamente o interesse individual do empresário que é sacrificado, em deferência da preservação da empresa como unidade econômica de inegável utilidade social.
Cumpre sublinhar também que, em se tratando de recuperação judicial, a nova lei de falências traz uma norma-programa de densa carga principiológica, constituindo a lente pela qual devem ser interpretados os demais dispositivos.
Refiro-me ao art. 47, que serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".
Com feito, a hermenêutica conferida à lei 11.101/05, no particular relativo à recuperação judicial, deve sempre se manter fiel aos propósitos do diploma.
Vale dizer, em outras palavras, nenhuma interpretação pode ser aceita se dela resulta circunstância que - além de não fomentar - inviabilize a superação da crise empresarial, com consequências perniciosas ao objetivo de preservação da empresa economicamente viável, à manutenção da fonte produtora e dos postos de trabalho, além de não atender a nenhum interesse legítimo dos credores.
Por essa ótica, como já se percebe, a interpretação literal do art. 57 da LRF e do art. 191-A do CTN inviabiliza toda e qualquer recuperação judicial, e conduz ao sepultamento por completo do novo instituto. (REsp 1.187.404/MT, relator ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/6/13, DJe de 21/8/13.)
A exigência de CND para certificação CEBAS e gozo da imunidade, além de não ter referibilidade no instituto constitucional da imunidade, também incorre em desproporcionalidade na medida que se constitui requisito extrínseco capaz de frustrar a declaração de uma entidade ontologicamente beneficente de assistência social, portanto, sem obrigação constitucional de recolher contribuição social, a que se nega o direito por existir débitos que a imunidade impõe que não deveria existir.
A melhor imagem da inconstitucionalidade material produzida pela exigência do art. 3º, inciso III da LCP 187/21, por falta de referibilidade no instituto da imunidade e de proporcionalidades supra expostas, é a do cachorro correndo atrás do rabo, no caso um rabo posto por quem se queria limitar o poder de tributar.
Portanto, é pertinente a discussão em juízo da inconstitucionalidade material do inciso III do art. 3º da LCP 187/21 frente ao alcance e escopo do art. 195, §7º da Constituição e a entidades que agora estão sendo exigidas a juntarem sua certidões de regularidade fiscal nos processos de renovação ou concessão de CEBAS não precisam esperar pelo controle de constitucionalidade concentrado por meio de ADIn, dos entes competentes para tanto, podem fazer o questionamento pelo controle difuso de constitucionalidade garantido na Constituição brasileira por ações preventivas que afastem essa exigência dos seus processos CEBAS.
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1 ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. REGULARIDADE FISCAL. CERTIDÃO. EXIGÊNCIA ILEGAL. RECURSO DESPROVIDO.
1. A leitura da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/96 permite concluir pela ausência de amparo legal para exigência de comprovação de regularidade fiscal junto aos entes públicos para o funcionamento das Instituições de Ensino Superior. Veja-se do teor do artigo 46 da LDB que, ao tratar do processo de credenciamento, nada se menciona acerca da exigência de comprovação de regularidade fiscal e parafiscal.
2. O Decreto nº 9.235/2017, ao condicionar o credenciamento à apresentação das certidões de regularidade fiscal, excedeu os limites do poder regulamentar, na medida em que impôs exigência não prevista em lei.
3. Entende a jurisprudência que tal exigência configura meio coercitivo e indireto para cobrança de tributos, o que não é indevido. Precedentes (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010748-20.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal CECILIA MARIA PIEDRA MARCONDES, julgado em 26/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/03/2020 / AgInt no REsp 1462419/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 16/03/2018).
4. Apelação desprovida.
2 Nunes, Renato et al. Comentários à Lei Complementar nº 187/2021 - Marco Legal da Beneficência. 1ª Ed, São Paulo: Quartier Landin, 2023.
Fonte: Migalhas.