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16-04-2025
Da garantia pessoal prestada pelo produtor rural em recuperação judicial
A Lei nº 14.112/2020 trouxe significativa reforma na Lei de Recuperação Judicial/Extrajudicial e Falência (Lei nº 11.101/2005). Em especial, destaca-se a previsão legal para que o produtor rural seja legitimado a requerer recuperação judicial desde que comprove o exercício de atividade rural nos termos do artigo 48, §§ 3º e 4º, da Lei nº 11.101/2005. Contudo, questionamentos judiciais surgem quanto à sujeição ou não das garantias pessoais prestadas pelo produtor rural aos efeitos de sua da recuperação judicial e, consequentemente, à (im)possibilidade do credor demandar execução individual em relação a estas garantias.
O artigo 49, § 6º, da Lei nº 11.101/2005, é claro ao definir que “somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos”.
Marcelo Barbosa Sacramone [1] adverte que a exigência legal de que apenas o crédito decorrente da atividade rural se sujeitaria aos efeitos da recuperação judicial do produtor rural recai sob a justificativa de que os “credores não conheceriam a circunstância de que o devedor poderia ser caracterizado como empresário futuramente e, portanto, não seriam surpreendidos com o processo de recuperação judicial”, assim, “procurou o legislador evitar que quaisquer créditos em face desse produtor fossem sujeitos à negociação coletiva”.
Nesse contexto, é preciso diferenciar o crédito propriamente dito da sua garantia pessoal.
A garantia pessoal “se dá pela formação de um vínculo obrigacional, em virtude do qual o garante deverá cumprir a obrigação, caso essa não seja cumprida pelo devedor”, conforme explica Fillipe Levada [2], possuindo natureza acessória à obrigação principal.
Desvinculação de garantias
A Lei nº 11.101/2005 põe a salvo dos efeitos da recuperação judicial/falência as garantias. Isto fica claro no artigo 6-C (“é vedada atribuição de responsabilidade a terceiros em decorrência do mero inadimplemento de obrigações do devedor falido ou em recuperação judicial, ressalvadas as garantias reais e fidejussórias, bem como as demais hipóteses reguladas por esta Lei”), artigo 50, § 1º (“na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”) e no artigo 59 (“o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do artigo 50 desta Lei.).
Aliás, a Súmula 581/STJ estabelece que: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”
É nítido, portanto, a desvinculação das garantias com o crédito principal sujeito aos efeitos da recuperação judicial, permitindo-se que o credor busque a satisfação de seu crédito por meio de execução individual contra o avalista/fiador produtor rural, ainda que este esteja em recuperação judicial, pois a garantia por ele prestada não se relaciona à atividade rural.
TJ-SP decide por prosseguimento de ações individuais
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pioneiro em questões envolvendo processos de recuperação judicial/falência, tem decidido que as execuções individuais contra avalistas produtores rurais em recuperação judicial devem prosseguir regularmente, já que a garantia de aval não se relaciona com a atividade rural. A citar, colhe-se do voto proferido pelo desembargador Sergio Gomes no Agravo de Instrumento 2133555-45.2024.8.26.0000, o qual didaticamente esclarece que o produtor rural, “ao assinar o título na qualidade de avalista, prestou garantia pessoal, autônoma e independente para a hipótese de inadimplemento do débito pela devedora principal, não se relacionando com o exercício de sua atividade rural.”
A correta interpretação pelos tribunais pátrios no sentido de respeitar a autonomia das garantias e afastamento dos efeitos da recuperação judicial, visa conferir maior segurança jurídica ainda mais no cenário atual, em que apenas em 2024 a distribuição de recuperações judiciais por produtores rurais teve um crescimento de 138% em relação a 2023.
Com isso, a melhor interpretação da Lei nº 11.101/2005, tendo por base o princípio da preservação da empresa, mas, também, a segurança e equilíbrio do mercado de crédito, é no sentido de que permanece hígida a garantia pessoal prestada pelo produtor rural em recuperação judicial, o que permite que o credor prossiga com a execução individual em relação ao produtor rural que prestou a garantia pessoal.
[1] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 49.
[2] LEVADA, Filipe. 3. Classificações das Garantias In: LEVADA, Filipe. Garantias Autoexecutáveis. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/garantias-autoexecutaveis/1620615793. Acesso em: 9 de Abril de 2025.
Fonte: Conjur.