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26-11-2025 

Crítica ao Enunciado 25 da 4ª Jornada de Direito Processual Civil

O Enunciado 25 aprovado na 4ª Jornada de Direito Processual Civil declara nula a cláusula contratual que prevê vencimento antecipado de obrigação em razão do ajuizamento de recuperação judicial. Embora bem-intencionado na proteção da empresa em crise, o enunciado apresenta problemas técnicos sérios que merecem reflexão cuidadosa.

O primeiro ponto que chama atenção é a inadequação temática. Uma jornada de direito processual civil se dedica tradicionalmente a questões procedimentais e processuais. A validade de cláusulas contratuais pertence ao direito material. É matéria de direito civil e direito empresarial. O tema mereceria tratamento em foro mais apropriado, como uma jornada de direito civil ou de direito empresarial.

As próprias diretrizes das jornadas estabelecem limites claros. Os enunciados devem auxiliar na interpretação do direito vigente. Não podem contrariar jurisprudência consolidada. Não podem inovar no ordenamento jurídico. São orientações interpretativas valiosas, recomendações de especialistas para facilitar a compreensão das normas existentes. Nada além disso.

A criação de normas jurídicas compete ao Poder Legislativo. Essa competência é constitucional e indelegável. Nem mesmo o Poder Judiciário pode inovar livremente no ordenamento. Os enunciados, por sua natureza, devem respeitar esse limite fundamental. Atuam como bússola interpretativa, não como fonte criadora de direito novo. O Enunciado 25 parece ultrapassar essa fronteira ao criar uma nulidade inexistente na lei.

Questões técnicas da nulidade

A invocação de nulidade levanta questões técnicas importantes. A teoria geral dos atos jurídicos estabelece requisitos específicos para a nulidade. É necessária a incapacidade absoluta do agente, ou objeto ilícito ou impossível, ou forma não prescrita em lei, ou ausência de manifestação de vontade, ou expressa vedação legal. Nenhum desses requisitos está presente nas cláusulas de vencimento antecipado.

A empresa em recuperação judicial preserva sua plena capacidade jurídica. Ela continua celebrando contratos. Continua praticando atos negociais. Continua administrando seus bens. A Lei de Recuperação Judicial é expressa nesse sentido. O devedor permanece na posse e administração de seu patrimônio. Não perde capacidade jurídica. Não se torna incapaz. Mantém todos os seus direitos e obrigações.

O objeto dessas cláusulas é perfeitamente lícito. Cláusulas de vencimento antecipado são aceitas no mercado de crédito mundial. São pactuadas regularmente não apenas no Brasil mas em todos os sistemas jurídicos desenvolvidos. O objeto é lícito, possível e determinado. Não há ilicitude alguma em estabelecer evento que antecipe o vencimento de obrigações. Essa é prática comercial legítima e reconhecida globalmente.

Caso se identifique algum vício, a categoria jurídica adequada seria a anulabilidade, não a nulidade. Essa distinção é fundamental. A nulidade é absoluta, insanável e pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. A anulabilidade é relativa, pode ser sanada e depende de provocação do interessado. São institutos completamente diferentes na estrutura do direito civil. Confundi-los gera insegurança jurídica grave.

Validade x eficácia

Há outro equívoco importante. O enunciado confunde validade com eficácia. São planos distintos do negócio jurídico. A cláusula que prevê vencimento antecipado subordinado a evento futuro e certo é plenamente válida. O que pode variar é sua eficácia, conforme ocorra ou não o evento previsto. Uma cláusula pode ser válida, mas ter sua eficácia suspensa ou diferida no tempo. Misturar esses conceitos compromete a clareza técnica.

A Lei de Recuperação Judicial não proíbe expressamente cláusulas de vencimento antecipado motivadas pelo ajuizamento da recuperação. A lei apenas determina que o credor não pode desistir da ação de cobrança já proposta. Não trata de invalidade de cláusulas contratuais. A nulidade, conforme a sistemática do Código Civil, exige expressa vedação legal. Essa vedação simplesmente não existe.

É importante distinguir os efeitos legais da recuperação judicial da questão da validade de cláusulas contratuais. O período de suspensão estabelecido na lei suspende direitos por expressa determinação legal. Esse é um efeito automático do processo de recuperação. A nulidade de cláusula contratual, por sua vez, exige a presença de vício no ato jurídico. São institutos com naturezas completamente diversas. Não podem ser confundidos.

A liberdade contratual e a autonomia privada são princípios fundamentais do direito civil brasileiro. Quando partes capazes negociam livremente sobre objeto lícito, essa manifestação de vontade merece proteção jurídica. Qualquer limitação a essa liberdade deve decorrer de expressa previsão legal. Não pode resultar de interpretação extensiva ou criação por via de enunciado.

Preservação da empresa

A invocação do princípio da preservação da empresa é certamente relevante e louvável. Contudo, princípios orientam a interpretação de normas existentes. Não criam nulidades de forma autônoma. A nulidade exige previsão legal expressa e a presença de vícios específicos. A aplicação direta de princípios para invalidar cláusulas contratuais livremente pactuadas gera enorme insegurança jurídica no mercado de crédito.

As consequências práticas desse enunciado são preocupantes. Se enunciados acadêmicos passam a criar nulidades inexistentes na lei, o sistema jurídico perde previsibilidade. Os agentes econômicos perdem segurança para contratar. O mercado de crédito se retrai. As empresas encontram mais dificuldade para captar recursos. Isso prejudica justamente aquilo que o enunciado pretende proteger: a atividade empresarial.

O Enunciado 25, apesar do mérito em chamar atenção para a proteção da empresa em crise, suscita questões técnicas que não podem ser ignoradas. A inadequação temática é evidente. A ultrapassagem dos limites próprios dos enunciados é manifesta. A confusão entre nulidade e anulabilidade é clara. A mistura entre validade e eficácia é inegável. A ausência de vedação legal expressa é comprovada.

Essas reflexões pretendem contribuir para o debate sobre tema tão relevante. Reconhecem a importância do trabalho desenvolvido pelos membros da Comissão. Mas sugerem que o tema merece discussão mais aprofundada. A comunidade jurídica se fortalece quando debate com franqueza e rigor técnico. O aprimoramento constante é o que dignifica nossa profissão e protege a segurança jurídica que todos buscamos.

 

Fonte: Conjur.

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