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28-09-2020
Créditos tributários e a nova Lei de Falências e Recuperações
Em tempos de uma ainda incipiente retomada da economia brasileira, que tenta se reerguer depois do baque experimentado com a disseminação da pandemia do novo coronavírus, ganha força o debate acerca da renovação da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperações), com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 6.229/2005, que reformula e moderniza a referida lei e a legislação correlata.
O projeto, aprovado no final do mês de agosto de 2020, será agora analisado pelo Senado Federal (sob o nº de projeto 4.458/2020). Vale ressaltar que, ao longo dos últimos anos, foram apensadas ao projeto outras tentativas de mudança da legislação de falências e recuperações, notoriamente o Projeto de Lei nº 10.220/2018, de autoria do Poder Executivo, no governo do então presidente Michel Temer.
A seguir, comentamos os principais aspectos tributários do projeto. Vale destacar que todos os tópicos discutidos constam da atual redação do projeto e deverão ser acompanhados conforme sua tramitação no Congresso Nacional.
Suspensão de execuções fiscais durante a falência
A versão original do projeto previa relevante alteração na Lei de Falências e Recuperações, ao submeter ao procedimento recuperacional também os créditos de natureza tributária, suspendendo-se as execuções fiscais contra o devedor. Com efeito, até hoje, mesmo com o deferimento da recuperação, continuam correndo normalmente as execuções fiscais, não ficando os créditos tributários sujeitos à recuperação.
Referida modificação sistêmica não foi levada adiante no projeto aprovado pela Câmara. Não obstante, o projeto prevê que, decretada a falência, ficarão suspensas as execuções fiscais contra o devedor, sem prejuízo de seu prosseguimento contra corresponsáveis.
Substituição de atos de constrição patrimonial
O projeto ajusta a regra de não suspensão das execuções fiscais no curso da recuperação judicial, para permitir ao juízo recuperacional a substituição de atos de constrição sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial. A medida parece uma alternativa adequada para equilibrar a capacidade de geração de receita (princípio da preservação da empresa) com o interesse creditório do Fisco, o qual, muito embora não se submeta ao procedimento recuperacional, tampouco deve ignorá-lo.
Ganho de capital na alienação de ativos
O mesmo fundamento parece nortear a regra, prevista no projeto, que permite ao devedor parcelar, com atualização monetária, o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro (IRPJ/CSLL) incidentes sobre ganhos de capital na venda de ativos.
Ainda sobre a tributação diferenciada sobre o ganho de capital percebido por empresas em recuperação judicial, o projeto insere inovadora previsão de aproveitamento de prejuízos fiscais relativos ao IRPJ e à CSLL, que poderão ser usados para abater até a totalidade dos lucros obtidos pela sociedade devedora na alienação de filiais, unidades produtivas e bens do ativo, inclusive do ativo permanente.
Como se sabe, até 30% dos lucros auferidos por pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração do lucro real podem, em cada ano-calendário, ser compensados com prejuízos fiscais acumulados — a conhecida "trava dos 30%", a qual sempre foi objeto de controvérsias, pelo fato de possivelmente gerar uma falsa impressão de acréscimo patrimonial para as empresas. Nesse contexto, é de se louvar a iniciativa do projeto de afastar o limite de compensação de 30% dos lucros do período, que poderá beneficiar os contribuintes sujeitos à apuração pelo lucro real.
Neutralidade tributária sobre renegociação de dívidas
Um dos mecanismos essenciais à recuperação judicial diz respeito à renegociação de dívidas da sociedade devedora, que pode implicar a redução ou eliminação de passivos (haircut) e, por consequência, o reconhecimento contábil de receitas. Via de regra, a renegociação ou perdão de dívidas enseja a incidência das contribuições ao PIS e para o financiamento da seguridade social (PIS/Cofins) sobre as receitas geradas. O projeto prevê, contudo, que as receitas decorrentes da renegociação no processo de recuperação judicial não serão computadas na base de cálculo de PIS/Cofins.
Ademais, embora tais receitas devam compor a apuração do IRPJ/CSLL, a parcela dos lucros correspondente a elas também não ficará sujeita ao limite de 30% para compensação de prejuízos fiscais, sendo, ainda, dedutíveis as despesas com obrigações assumidas no plano de recuperação.
Parcelamento de débitos fiscais
Outra bem-vinda medida prevista no projeto, alinhada a outras recentes inovações na legislação tributária, diz respeito à possibilidade de o devedor em recuperação judicial parcelar seus débitos para com a Fazenda Nacional (inclusive de natureza não tributária) em até 120 parcelas (144 para microempresas e empresas de pequeno porte), atendidos alguns patamares mínimos — por exemplo, em parcelas de 0,5% do valor total da dívida até a 12ª parcela. A adesão se dará por termo de compromisso.
Em relação a débitos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), o projeto permite a liquidação de até 30% com o abatimento de prejuízos fiscais acumulados, parcelando-se o saldo restante em até 84 vezes.
É de se notar, por outro lado, que se o devedor optar por incluir débitos em discussão administrativa ou judicial nessas modalidades de parcelamento, deverá comprovar a desistência de impugnações, recursos e ações judiciais, conforme o caso, bem como a renúncia quanto às alegações de direito correspondentes. Tal como se dá nas modalidades habituais de parcelamento (Refis e outros), a medida é bastante questionável, por forçar o contribuinte a abandonar questionamentos possivelmente legítimos e válidos.
Há disciplina específica para o parcelamento, ainda, para tributos retidos na fonte e para o imposto sobre operações financeiras (IOF).
Lembramos, finalmente, que o parcelamento é hipótese de suspensão do crédito tributário, nos termos do CTN, de modo que, a prevalecer essa previsão do projeto, deverão ser suspensas as execuções fiscais em curso contra o devedor.
Transação de débitos tributários inscritos em dívida ativa
Por fim, destacamos a inovadora permissão prevista no projeto para que o devedor em recuperação judicial apresente proposta de transação tributária à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), medida alinhada com os recentes avanços na disciplina da transação em matéria tributária, relegada por décadas, conquanto autorizada pelo Código Tributário Nacional (CTN). O projeto, inclusive, remete às normas sobre o assunto estabelecidas pela Lei nº 13.988/2020.
Nesse sentido, segundo o projeto, a empresa devedora poderá propor a liquidação de seus débitos fiscais inscritos em dívida ativa em até 120 meses, com limite máximo de 70% de reduções. A apresentação da proposta suspenderá o andamento das execuções fiscais.
Para a admissibilidade da proposta, a PGFN deverá levar em consideração princípios como o da isonomia; capacidade contributiva; preservação da atividade empresarial; razoável duração dos processos e outros, além de se pautar por parâmetros como a recuperabilidade do crédito; e proporção entre passivo fiscal e total das dívidas da sociedade.
Conclusão
Há muito pela frente até que o projeto seja de fato aprovado e convertido em lei; até lá, diversas medidas podem ser alteradas ou excluídas, podendo outras ser acrescidas à proposta. De todo modo, o debate quanto à reformulação do atual regime jurídico das recuperações e falências e sobre o tratamento conferido a passivos fiscais já se encontra bastante amadurecido, sendo promissores os avanços que já revela o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. Se finalmente aprovado e convertido em lei, o projeto poderá representar uma ampla modernização da legislação recuperacional e falimentar, tornando a relação entre Fisco e contribuinte mais adequada ao princípio da preservação da empresa, sem prejuízo à proteção e eficácia na recuperação dos créditos fazendários, mediante a implementação de mecanismos já consagrados na legislação fiscal (como os parcelamentos) e outros mais modernos (caso da transação tributária).
Fonte: ConJur