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07-05-2020
Covid-19 e recuperação judicial: Impactos e medidas de mitigação
Vista pela ONU como a maior crise global desde a Segunda Guerra Mundial, que pode conduzir a economia global ao seu pior desempenho, desde a Grande Depressão de 1929, como registrou o FMI, os desafios a serem enfrentados decorrentes da pandemia do covid-19 são diversos, dentre eles, a busca por meios de mitigação de seu impacto nas sociedades empresárias.
Conforme amplamente noticiado, diversas empresas tiveram suas atividades econômicas suspensas, em decorrência de decretos expedidos pelo Poder Executivo (Federal, Estadual ou municipal), que ordenaram a paralização da execução de serviços não essenciais.
No Brasil, a indústria foi o setor mais afetado, com 43% das empresas reportando impactos da pandemia do covid-19 sobre seus negócios no mês de março. Em seguida, o comércio (35%) e os serviços (30,2%). A expectativa, para todos os setores, é de aumento dos efeitos negativos nos próximos meses: 68,5% da indústria, 59,1% do comércio e 49,7% dos serviços.
Diante desse cenário, já se prevê um relevante aumento de novos pedidos de recuperação judicial pelas sociedades empresárias, sobretudo pelas pequenas e médias empresas, as mais afetadas pela paralisação, em razão de seu menor fluxo de caixa.
Nos Estados Unidos da América a situação revela-se ainda mais grave, do ponto de vista da saúde pública. A pandemia afetou gravemente diversas cidades norte americanas e isso tem provocado forte desaceleração da economia estadunidense. Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de Economia) afirmou recentemente ser necessária a adoção de “stay period” efetivo para evitar o colapso da economia norte americana, tendo em vista que os empresários e as pessoas daquele país também estão com suas atividades paralisadas, sem meios para obter recursos para quitação de seus débitos.
As restrições e os impactos econômicos decorrentes da pandemia devem afetar as reestruturações de dívida pelas empresas, tendo o potencial de agravar a crise econômico-financeira dos devedores em reestruturação, bem como de causar o descumprimento das obrigações assumidas perante seus devedores.
Em razão disso, há uma série de medidas que estão sendo discutidas e implementadas para mitigar os impactos causados pela pandemia nas reestruturações das empresas.
Recomendações do Conselho Nacional de Justiça
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em 31.03.20, orientações para todos os juízos com competência para julgamento de ações de recuperação judicial em decorrência dos impactos dos econômicos do covid-19. No total, são seis orientações aos tribunais:
1. Priorizar, nas ações de recuperação empresarial e falência, a análise de decisões em favor de credores ou empresas em recuperação;
2. Suspender a realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais enquanto durar a pandemia de Covid-19, exceto casos urgentes, nos quais se recomenda a realização de reuniões virtuais;
3. Prorrogar os prazos de duração da suspensão chamada stay period nos casos em que houver necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores;
4. Autorizar que todas as empresas que já estejam em fase de cumprimento do plano de recuperação, aprovado pelos credores, em prazo razoável, apresentem planos modificativos, desde que comprovem que tiveram suas atividades e capacidade de cumprir suas obrigações afetadas pela crise da pandemia causada pelo Covid-19 e desde que estejam adimplentes com suas obrigações. Além disso, o CNJ sugere que, caso alguma empresa descumpra o seu plano de recuperação em decorrência da pandemia, que os juízos considerem a situação como “caso fortuito” ou “força maior”.
5. Determinar aos administradores judiciais que continuem a promover a fiscalização das atividades das empresas recuperandas de forma virtual ou remota, e a publicar na internet os relatórios mensais de atividade;
6. Avaliar com cautela o deferimento de medidas de urgência, despejo por falta de pagamento e atos de execução patrimonial para satisfazer obrigações inadimplidas durante a pandemia.
Ressalte-se que essas orientações não são vinculativas, tratando-se apenas de sugestões aos juízes, razão pela qual as disposições acima previstas não deverão ser aplicadas de forma obrigatória.
Projeto de lei 1.397/20: Propostas de alterações provisórias de dispositivos da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência)
O PL 1.397/20 foi apresentado pelo deputado Federal Hugo Leal, em 01.04.20, no qual são propostas medidas de caráter emergencial, mediante alterações, de cunho transitório, de dispositivos da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência), com vigência até 31.12.20, ou enquanto estiver vigente o decreto legislativo 6, de 20 de março de 2020 (Reconhecimento do estado de calamidade pública em razão da pandemia causada pelo covid-19).
Em resumo, chame-se atenção para as seguintes propostas de alterações, de caráter eminentemente provisório, às disposições da lei 11.101, de 2005 (Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência):
1. Suspensão, por 90 (noventa) dias, de todas as obrigações estabelecidas em planos de recuperação judicial ou extrajudicial já homologados;
2. Autorização para que as empresas, no prazo de 90 (noventa) dias acima mencionado, possam apresentar aditivo ao plano já homologado, inclusive para sujeitar créditos constituídos após o pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, que deverá ser aprovado em assembleia de credores;
3. Autorização para homologação dos planos de recuperação extrajudicial pelo Judiciário, caso aprovados por maioria simples, e não mais por 3/5 dos créditos sujeitos a seus efeitos;
4. Determinação de que a falência de um devedor só possa ser decretada se vencido e inadimplido crédito no valor mínimo de R$ 100.000,00, e não mais apenas 40 salários mínimos, conforme estabelecido no art. 94, I, da Lei; e
5. Quanto às microempresas e empresas de pequeno porte, determinação de que todos os créditos detidos por microempresas e empresas e pequeno porte, independentemente da garantia ou natureza do crédito, estejam sujeitos aos efeitos dos procedimentos regulamentados pela Lei, conferindo-lhes condições mais favoráveis, em razão da vulnerabilidade de tais devedores.
Durante o regime transitório que perdurará até o dia 31 de dezembro de 2020, entre outras medidas, o PL 1.397/20 propõe que não sejam aplicáveis as disposições dos arts. 49, § 1º, e 73, IV, da lei 11.101/05. Ou seja, o descumprimento do Plano de Recuperação Judicial já homologado não implicaria em convolação da Recuperação Judicial em Falência.
Essas propostas contidas no referido projeto de lei são de caráter temporário (é dizer, somente seriam válidas até o dia 31 de dezembro deste ano).
Recentes decisões judiciais proferidas em benefício das empresas em recuperação judicial
Em análise de recentes decisões judiciais proferidas no âmbito de processos de recuperação judicial, nota-se que as disposições da Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência já têm sido flexibilizadas, em prol das empresas que se encontram em recuperação judicial, diante dos notórios impactos econômicos decorrentes da pandemia do covid-19.
Em um processo recuperação judicial, em trâmite em Itaquaquecetuba – SP, o juiz de Direito Antenor da Silva Cápua, da 1ª vara Cível de Itaquaquecetuba/SP, autorizou a redução do pagamento de créditos trabalhistas devidos por empresa em recuperação judicial. A recuperanda (empresa de distribuição) solicitou, devido a pandemia da covid-19, a suspensão do pagamento dos créditos trabalhistas, sendo retomados somente após o término da pandemia.
Na recuperação judicial do Grupo Odebrecht (maior processo dessa natureza em curso no Brasil), o juiz que preside o feito autorizou a realização de assembleia-geral de credores por meio remoto, a despeito de não existir autorização legal para essa modalidade, tendo sido a conclave realizada em inédito formato virtual no dia 22.04.20.
Outro ato judicial relevante foi a decisão proferida no agravo de instrumento 2058816-43.2020.8.26.0000, em trâmite perante a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP.
A empresa recuperanda, com fundamentos dirigidos à crise humanitária sem precedentes, a calamidade pública, a teoria da imprevisão e a já citada Resolução do CNJ, requereu a suspensão dos pagamentos das faturas com vencimento a partir de março de 2020, relativos aos serviços essenciais (água, luz, telefonia, internet, gás natural), enquanto perdurar o estado de calamidade pública.
O desembargador Relator deferiu o pedido liminar da empresa recuperanda, para determinar a impossibilidade de corte dos serviços essenciais de água, luz, gás natural, telefonia e internet fornecidos às recuperandas, em relação a débitos com vencimento nos meses de março e abril de 2020.
Segundo o relator, "embora ainda desconhecidos os reflexos da pandemia do coronavírus, é certo que as medidas de prevenção e controle perpetradas pelo poder público para salvaguarda da vida e saúde das pessoas, alteraram o cenário da recuperação judicial".
Perceba-se o conteúdo da decisão judicial acima referida, que ordenou à concessionária de serviço público a obrigação de fornecer o produto sem a devida contraprestação pecuniária, ignorando que esta empresa também está sofrendo os efeitos econômicos da pandemia.
Considerações finais
Como se percebe, há uma tendência (legislativa e do próprio Poder Judiciário) de interpretação dos dispositivos previstos na Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência favoravelmente à manutenção das empresas em recuperação judicial e à suspensão de exigibilidade de obrigações constantes de planos de recuperação já aprovados, tudo isso com a intenção de mitigar os impactos econômicos decorrentes da pandemia do covid-19, que certamente agravou, ainda mais, a crise econômico-financeira que os devedores brasileiros enfrentam há alguns anos.
No entanto, embora seja importante adotar algumas medidas conservatórias durante o estado de calamidade decorrente dessa pandemia, é preciso anotar que a doutrina brasileira já vem esboçando preocupação acerca das constantes flexibilizações que alguns juízes tem adotado para preservar empresas, ignorando essas decisões que muitas vezes estão conservando apenas um “CNPJ”, pois essas organizações empresariais não desempenham atividade alguma, sob o pesado custo de lesar gravemente a comunidade de credores, que ficam sem receber seus créditos e assistem a destruição do patrimônio do devedor.
Fonte: Migalhas