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25-09-2024
Consolidação substancial compulsória: reviravolta na jurisprudência?
Em sua redação original, a Lei 11.101/05 era omissa a respeito da consolidação processual ou substancial. Acredita-se que o legislador de então não havia previsto as complexas relações empresariais então existentes e a solução litisconsorcial unitária ou facultativa de sua crise.
Como a realidade é distante da teoria, coube a jurisprudência a busca de soluções que, conforme já examinamos [1], foram nos mais variados sentidos, gerando como consequência insegurança jurídica ao processo recuperacional e aquilo que se convencionou denominar jurisprudência lotérica, isto é, cada órgão julgador trilhava caminho diverso, cabendo a sorte o destino das empresas em crise. A situação agravava-se diante da ausência das câmaras especializadas,
Diante desse quadro, a Lei 14.112/20 buscou pacificar o entendimento jurisprudencial acerca de diversos temas dentre os quais justamente a consolidação processual e substancial.
Todavia, à época, já adiantamos nosso entendimento de que a regulamentação não seria suficiente vez que determinados temas restaram omissos, razão pela qual, provavelmente, ainda dependeriam de pacificação jurisprudencial [2].
Dentre os pontos omissos, em nosso entender, a possibilidade da consolidação substancial compulsória ou na linguagem processual: a possibilidade do juiz impor o ingresso de empresas que não estariam no polo ativo da recuperação judicial como condição para o exercício do direito de ação. O sempre polêmico litisconsórcio ativo necessário.
Questão não é simples
De um lado, se colocam aqueles que defendem a autonomia da pessoa jurídica e, portanto, a impossibilidade do juízo obrigar uma empresa, esteja ou não em crise, a ingressar em recuperação judicial, caso o grupo de que faça parte ingresse.
Do outro, aqueles que defendem que, nas hipóteses de fraude e. desde que presentes os requisitos legais, pode o julgador impor ao controlador o ingresso de todas as empresas do grupo econômico em benefício dos credores. A autonomia cederia lugar ao interesse da coletividade.
Como terceira via, parte da doutrina se posicionava no sentido de que a primeira corrente estaria correta, mas que o não ingresso da empresa seria motivo suficiente para os credores rejeitarem o plano e, como via de consequência, com o decreto de falência, poder-se-ia via incidente de desconsideração de personalidade jurídica atingir a terceira. Do ponto de vista patrimonial, a solução funcionaria, mas iria em sentido contrário, salvo melhor juízo, ao princípio da preservação da empresa.
Inicialmente, nos posicionamos no sentido da segunda corrente, isto é, de que, em hipóteses de fraude, o juiz poderia impor a formação do litisconsórcio necessário ativo e determinar a consolidação substancial compulsória, sendo indiferente tratar-se de grupo econômico de direito ou de fato.
Na ocasião defendemos inclusive o entendimento de que essa compulsoriedade poderia atingir até mesmo empresas que não tivessem, em tese, o mesmo sócio, desde que se demonstrasse a existência de fraude.
Tal entendimento foi inicialmente adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Todavia, posteriormente, foi revisto e o entendimento que se pacificou no sentido da primeira corrente.
Diante desse quadro, aparentemente, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que não deveria ocorrer a consolidação substancial compulsória envolvendo terceiros.
Mas dois fatos novos trouxeram luz ao debate
O polêmico PL 03/2024, duramente criticado pela doutrina em grande parte de seus aspectos, traz inovações que merecem reflexão.
Um ponto importante do mencionado projeto de lei para a consolidação substancial é a competência do juízo da recuperação judicial para a desconsideração da personalidade jurídica.
Com efeito, ao assim determinar, nos parece que, por via transversa, o projeto passa a autorizar expressamente a inclusão de um terceiro como responsável pelo pagamento das obrigações objeto do processo, o que, do ponto de vista prático, faz com que, em concreto, ele se torne, coobrigado em verdadeiro litisconsórcio ativo.
Se não bastasse esse fato, o STJ, em recente decisão, por meio de sua 3ª Turma (REsp nº 2.001.535–SP), entendeu que em condições excepcionais e verificada a confusão patrimonial e a importância que todas as empresas integrem a lide para o sucesso da recuperação judicial, o juízo pode determinar a formação do litisconsórcio necessário ativo.
Ou seja, ao manter acórdão da relatoria do eminente desembargador do TJ-SP Maurício Pessoa, o Superior Tribunal de Justiça, ainda que por maioria de votos, entendeu que o juízo recuperacional pode determinar a inclusão de terceira empresa como condição para o processamento da recuperação judicial.
Aliás, a ilustre magistrada Aline Mendes de Godoy nesse exato sentido decidiu pouco antes do pronunciamento da Corte Superior (Processo nº 5000707-40.2024.8.24.0019), antevendo a mudança do entendimento jurisprudencial, demonstrando que efetivamente a construção da jurisprudência é feita a partir dos debates em primeiro grau de jurisdição.
Portanto, o eterno debate entre a autonomia da vontade das partes e necessidade de controle de legalidade por parte do Judiciário ganha novos contornos e demonstra que está longe da pacificação.
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[1] Consolidação processual e substancial na Reforma da Lei 14.112/2020. In: LASPRO, Oreste Nestor de Souza; GIANSANTE, Gilberto. (Org.). Recuperação judicial e falência: atualizações da Lei nº 14.112/2020 à Lei nº 11.1001/2005. 1.ed.São Paulo-SP: Quartier Latin do Brasil, 2021, v. , p. 209-254.
[2] https://www.conjur.com.br/2022-dez-19/direito-insolvencia-consolidacao-substancial-voluntaria/
Fonte: Conjur.