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01-09-2025 

Colisão de competências na recuperação e o decreto 11.995/24

O artigo destaca a colisão de competências na recuperação judicial, criticando o leading case do decreto 11.995/24 por usurpar direitos dos credores e ameaçar a segurança jurídica.

1.Introdução

A lei 11.101/05, que introduziu a recuperação judicial no ordenamento jurídico brasileiro, tem como objetivo a superação da crise econômico-financeira do devedor para garantir a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade produtiva. No entanto, a coexistência desse regime com as execuções fiscais, que buscam a satisfação de débitos da Fazenda Pública, gera tensões e conflitos de competência. O STJ tem atuado para pacificar esses conflitos, delimitando a atuação de cada juízo.

Contudo, a edição recente do decreto 11.995/24, que regulamenta a adjudicação de imóveis rurais para a reforma agrária, adiciona uma nova camada de complexidade e incerteza. O decreto tem sido questionado por sua inconstitucionalidade e seu impacto na ordem de credores e na segurança jurídica.

O artigo é elaborado a partir da minha atuação como advogado, em conjunto com o dr. Marcelo Franklin, em que buscamos reverter o "leading case" da aplicação do famigerado Decreto, com violação direta aos arts. 6º§7º-B, 60 e 69 da LRF, e ao art. 185 da Constituição Federal.

2. A jurisprudência do STJ e do TJRJ sobre o conflito de competência

A jurisprudência do STJ e do TJ/RJ se consolidou no sentido de preservar a competência do Juízo da recuperação judicial para controlar atos de constrição sobre bens essenciais para a manutenção da atividade empresarial.

Conforme o entendimento firmado em precedentes como o CC 181.190/AC1 e no AgInt no CC 175.426/ES2, compete ao Juízo da recuperação judicial, no exercício de um juízo de controle, "determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial".

A adjudicação de um bem essencial impede essa prerrogativa de controle por parte do juízo recuperacional.

A lei 14.112/20 delimitou as competências, firmando que o juízo da execução fiscal pode determinar atos de constrição judicial, mas a competência para exercer o controle sobre esses atos pertence ao juízo da recuperação judicial.

Se o juízo da execução fiscal não submeter o ato constritivo ao juízo da recuperação, a empresa em recuperação deve instá-lo a fazê-lo ou levar a questão diretamente ao juízo recuperacional, que deverá exercer seu juízo de controle sobre o ato. O objetivo do juízo universal é verificar o comprometimento dos bens e, se for o caso, propor uma alternativa viável de satisfação do crédito fiscal.

A caracterização de um conflito de competência perante o STJ pressupõe a materialização de uma "oposição concreta" do Juízo da execução fiscal à efetiva deliberação do Juízo da recuperação judicial a respeito do ato constritivo.

A usurpação de competência se configura com a coexistência de dois pressupostos: a existência de efetiva constrição de algum bem ou valor da recuperanda e a inobservância ou desrespeito, pelo juízo da execução, de uma decisão do juízo da recuperação judicial que tenha reconhecido a essencialidade de bem ou valor constrito para a manutenção da atividade empresarial.

O ato de adjudicação proferido por outro juízo sem a deliberação do Juízo recuperacional, adentra sua competência e usurpa a autoridade que a lei lhe confere, conforme já reconhecido pelo TJ/RJ.3 4

3. A inconstitucionalidade do decreto 11.995/24: Ameaça à função social e à estabilidade econômica

O decreto 11.995/24, que dispõe sobre a obtenção de terras para a reforma agrária, é manifestamente ilegal e inconstitucional, pois contraria a Constituição Federal ao tratar da desapropriação de terras para fins de reforma agrária, matéria que exige lei em sentido formal.

O Decreto é apontado por contrariar o art. 185 da Constituição Federal, que veda a desapropriação de "propriedade produtiva" para fins de reforma agrária. O STF, no julgamento da ADI 38655, decidiu que o cumprimento da função social é um requisito para que um imóvel produtivo não possa ser desapropriado. Contudo, o decreto, em seu art. 5º, inciso I, dispõe de forma contrária à Constituição, ao prever que "a desapropriação de imóveis rurais, por interesse social para fins de reforma agrária, quando verificado o descumprimento da função social da propriedade, conforme normas editadas pelo INCRA".

O próprio INCRA nunca gozou de competência ou atribuição para regulamentar a função social da propriedade rural, de modo que não pode expedir normas infralegais capazes de caracterizar qualquer um dos elementos que constituem o atendimento à função social da propriedade.

A aplicação retroativa do decreto a um caso iniciado antes de sua vigência viola o princípio da segurança jurídica, o ato jurídico perfeito e a irretroatividade das normas.

Um parecer aprovado pela CRA - Comissão de Agricultura e reforma agrária do Senado Federal já reconheceu a ilegalidade e a inconstitucionalidade do decreto. Destaque-se que, desde abril de 2024, deputados e senadores articulam a sustação do decreto nos projetos de decretos legislativos 167, 171 e 198/24.

No caso concreto, o ato ignora a viabilidade econômica do empreendimento, que gerou emprego direto para mais de 4 mil trabalhadores e uma receita estimada em mais de R$ 1 bilhão para a economia regional.

O CNA - Conselho Nacional da Agricultura e a FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná manifestaram, publicamente, preocupação com a utilização da adjudicação como instrumento de obtenção de terras. As entidades apontam que a prática gera grave instabilidade institucional e econômica no campo, expondo produtores a perdas patrimoniais sem a devida garantia de avaliação justa, indenização prévia ou decisão judicial6.

A adjudicação, portanto, não serve para pacificar conflitos sociais, mas os agrava, colocando em risco a paz social e a segurança dos trabalhadores.

4. A usurpação de competência e a subversão da ordem de credores

A adjudicação de bens essenciais, ao ser proferida em outro juízo, usurpa a competência do juízo da recuperação judicial e subverte a ordem legal de credores. A lei 11.101/05, em seu art. 83, estabelece a hierarquia de credores, conferindo privilégio aos créditos trabalhistas em relação à Fazenda Pública.

No caso, a adjudicação, ao ignorar a preferência legal desses credores, desequilibra a ordem de pagamentos.

No caso em análise, a adjudicação inviabiliza o cumprimento do plano de recuperação e, por conseguinte, o pagamento dos devedores. Os pagamentos previstos no plano de recuperação dependem diretamente da receita gerada pelo arrendamento das propriedades.

A expropriação de um bem de capital essencial, sem que os demais credores sejam devidamente pagos, representa um prejuízo direto aos credores que votaram e aprovaram o plano.

Ao fim e ao cabo, a adjudicação determinada pelo Justiça Federal pode frustrar o pagamento de credores trabalhistas, que ostentam crédito de natureza alimentar, com garantia de recebimento antes da Fazenda Pública. Essa incongruência do sistema coloca em risco não apenas a titularidade da terra, mas também a paz social e a continuidade de projetos produtivos essenciais para o desenvolvimento regional.

5. Conclusão

A questão da colisão de competências entre o juízo da recuperação judicial e o juízo da execução fiscal, agravada pela edição do Decreto nº 11.995/2024, revela uma profunda incongruência no sistema jurídico que exige a imediata atenção do Poder Judiciário.

A orientação do STJ, embora busque uma solução para o conflito, ainda se mostra insuficiente diante de atos como a adjudicação, que, na prática, inviabilizam o exercício da prerrogativa de controle do juízo recuperacional.

A adjudicação de bens essenciais à luz de um decreto de constitucionalidade questionável representa um risco iminente à segurança jurídica, pois desconsidera princípios como o ato jurídico perfeito, a irretroatividade das normas e a própria hierarquia de leis.

Mais do que isso, a medida lança dúvidas sobre a estabilidade das relações contratuais e a confiança no sistema jurídico.

Em última análise, a questão transcende a mera disputa patrimonial, afetando a função social da empresa e a preservação dos empregos.

A subversão da ordem de credores, com a frustração do pagamento de credores trabalhistas em detrimento da satisfação de créditos fiscais, demonstra uma falha na coordenação entre os diferentes regimes jurídicos.

A relevância da questão, portanto, reside na necessidade de se reafirmar a supremacia da segurança jurídica e da preservação da empresa, como valores que garantem a estabilidade social e o desenvolvimento econômico, em detrimento de medidas isoladas que, ao invés de solucionar problemas, apenas os agravam.

É imperativo que o Poder Judiciário atue de forma firme e coesa para garantir o respeito aos princípios constitucionais e à legislação vigente, preservando a essência do instituto da recuperação judicial e a função social da propriedade.

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Referências

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC n. 181.190/AC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 30/11/2021, DJe de 7/12/2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AgInt no CC n. 175.426/ES, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 31/5/2022, DJe de 6/6/2022.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0020951-73.2024.8.19.0000 - Des(a). SÉRGIO SEABRA VARELLA - Julgamento: 1/8/2024 - QUARTA CAMARA DE DIREITO PUBLICO.

ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento nº 0040220-98.2024.8.19.0000 - Des(a). MÔNICA FELDMAN DE MATTOS - Julgamento: 01/10/2024 - SEXTA CAMARA DE DIREITO PUBLICO (ANTIGA 21ª CÂMARA CÍVEL).

"Função social é requisito para impedir desapropriação de terras produtivas, decide STF". Supremo Tribunal Federal. Notícias. Publicado em 05/09/2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=513467&ori=1 (Acesso em 13/08/2025).

https://cnabrasil.org.br/noticias/decreto-do-governo-federal-causa-inseguranca-juridica-no-campo

 

 

Fonte: Migalhas.

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