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03-09-2025 

Caminhos mais seguros para a recuperação judicial no agronegócio

Caminhos mais seguros para a recuperação judicial no agronegócio

O agronegócio brasileiro, motor da economia nacional e vitrine de nossa capacidade produtiva, enfrenta um fenômeno que vem alterando silenciosamente suas bases: a explosão dos pedidos de recuperação judicial e extrajudicial de produtores rurais. O que poderia ser um instrumento legítimo de preservação da atividade passou, em determinados casos, a ser utilizado de forma estratégica para postergar dívidas e suspender execuções. O resultado é insegurança jurídica, encarecimento do crédito e risco para toda a cadeia produtiva.

Os números confirmam a gravidade. Os pedidos de recuperação judicial no primeiro trimestre de 2025, segundo dados da Serasa Experian, dispararam 44,6% em relação ao mesmo período de 2024, com alta de 21,5% em comparação com o último trimestre do ano passado. Já a inadimplência do crédito rural, dentro do principal fomentador do agro, o Banco do Brasil, alcançou 3,49% no segundo trimestre de 2025, o maior índice dos últimos anos. Esse dado, que pode parecer meramente técnico em uma primeira leitura, traduz uma realidade concreta e preocupante: mais produtores estão deixando de honrar compromissos, e isso pressiona diretamente cooperativas, agroindústrias e instituições financeiras, pilares que sustentam o ciclo produtivo do campo até a indústria.

A recuperação judicial, criada pela lei 11.101/05 para momentos de crise real, deveria atuar como último recurso para salvar empresas viáveis. No entanto, em algumas situações, ela vem sendo acionada de forma prematura, o que pode transformá-la em escudo contra credores e mecanismo artificial de postergação de dívidas. Embora não seja a regra, esse uso indevido compromete a função primordial do instituto e abala a previsibilidade contratual, fator indispensável para qualquer política de crédito estruturada.

No mesmo sentido, a recuperação extrajudicial, concebida como alternativa mais célere e negocial, também apresenta distorções em certos casos. Ao invés de representar espaço efetivo para consensos entre devedores e credores, pode acabar convertida em expediente formal, utilizado unilateralmente para impor condições. Com isso, perde-se parte da essência do instrumento e gera-se desconfiança entre parceiros comerciais que deveriam fortalecer a cooperação para viabilizar a continuidade da atividade rural.

As consequências práticas são imediatas e tangíveis. Instituições financeiras, ao perceberem o aumento do risco, reagem restringindo linhas de crédito, elevando spreads, reduzindo prazos e exigindo garantias mais robustas. Cláusulas contratuais cada vez mais rígidas, os chamados covenants, tornam-se a regra. Esses dispositivos funcionam como condicionantes permanentes dos contratos, podendo exigir que o devedor mantenha determinados índices de liquidez, limite seu grau de endividamento ou apresente periodicamente informações financeiras auditadas. Exemplos típicos no agro incluem manutenção de cobertura de seguro rural, realização de operações de hedge para proteção de preço, limites à antecipação de recebíveis e restrições a novos investimentos sem anuência do credor. Para cooperativas e agroindústrias, que dependem de fluxo constante de pagamentos, esse cenário implica custos maiores e operações mais burocráticas.

Há, contudo, alternativas viáveis. Antes de o litígio desembocar em um processo judicial ou mesmo em uma recuperação extrajudicial formal, instrumentos como o standstill e a repactuação de covenants podem oferecer soluções pragmáticas.

O standstill, em termos simples, é um acordo pelo qual os credores se comprometem a suspender temporariamente medidas de cobrança ou execução, criando um período de respiro que permite ao devedor reorganizar seu fluxo de caixa, não extingue a obrigação, não altera o crédito salvo ajuste expresso, e costuma vir acompanhado de contrapartidas como cronograma de entrega de informações, marcos de desempenho, manutenção de garantias e abstenção de novos endividamentos relevantes, sendo comum a previsão de término automático do período de suspensão em caso de descumprimento. 

Já a renegociação de covenants possibilita ajustes proporcionais a novas realidades econômicas, evitando o descumprimento formal do contrato e, em contrapartida, garantindo mais transparência e governança às operações.

É justamente nesse ponto que se evidencia a necessidade de mais rigor jurídico na condução de tais negociações. Se bem estruturados, esses mecanismos preservam relações comerciais e reduzem a probabilidade de judicialização oportunista. Quando conduzidos de forma frágil ou desatenta, no entanto, podem apenas adiar o problema, deixando o credor ainda mais exposto em eventual pedido de recuperação formal.

Ainda assim, a reação isolada não é suficiente. Mais do que alternativas paliativas, o setor precisa reforçar de maneira consistente sua blindagem contratual. Garantias extraconcursais, como alienações fiduciárias e cessões fiduciárias de recebíveis, assumem protagonismo no atual cenário, pois permitem que credores mantenham capacidade de reação mesmo quando o devedor ingressa em recuperação. A ausência desse tipo de proteção pode significar, em última análise, a perda de liquidez e o colapso do planejamento financeiro das agroindústrias e cooperativas.

Outro pilar indispensável é o monitoramento contínuo da saúde financeira dos produtores. Acompanhamento de balanços, cruzamento de informações de mercado, análise de riscos climáticos e operacionais e o uso de dados em tempo real já não podem ser encarados como diferencial competitivo, mas como exigência mínima de sobrevivência em um ambiente de crédito cada vez mais volátil. Antecipar sinais de fragilidade do devedor é, hoje, tão importante quanto estruturar boas garantias.

Tratar o aumento das recuperações judiciais e extrajudiciais apenas como reflexo da conjuntura econômica seria reduzir um fenômeno jurídico e estrutural a uma mera estatística conjuntural. O que está em jogo é a confiança sistêmica na cadeia do agronegócio, que se fragiliza quando esses institutos são utilizados de forma oportunista. Em síntese, a recuperação, seja judicial ou extrajudicial, deixou de ser recurso excepcional e se consolidou como elemento central da engrenagem de crédito no agro. O setor não pode mais indagar se deve se preparar, mas sim como e com que rapidez fará isso, sob pena de ver desmoronar o alicerce de confiança que sustenta a maior cadeia produtiva do país.

 

 

Fonte: Migalhas.

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