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16-07-2025 

As tutelas de urgências aplicáveis ao processo de recuperação judicial

Na recuperação judicial, só há espaço para tutelas urgentes: tutela atípica (CPC, art. 305) e duas típicas (LREF, arts. 6º, §12, e 20-B, §1º), sempre com foco na preservação da empresa.

O CPC organiza as tutelas provisórias em dois tipos: a de urgência, voltada a evitar danos iminentes, e a de evidência, concedida quando o Direito se mostra claro. No universo da recuperação judicial, porém, essa simetria não se sustenta. O procedimento é excepcional, sistêmico e coletivo. Protege a atividade empresarial - não interesses isolados, ainda que legítimos.

Por isso, a tutela de evidência não encontra espaço aqui. Antecipar efeitos com base apenas na força documental de um direito colide com a lógica recuperacional. Toda medida excepcional precisa estar ancorada na urgência: real, contextual e pensada à luz da crise.

Nesse contexto, o jurista Daniel Carnio Costa1 propõe uma leitura refinada: as tutelas provisórias na recuperação judicial podem ser divididas em três espécies - a atípica, prevista no art. 305 do CPC, e duas típicas, previstas nos § § 12 do art. 6º e 1º do art. 20-B da LREF.

A distinção é técnica, mas essencial. Tutelas típicas são aquelas previstas em lei, com finalidade, requisitos e efeitos previamente delineados. Já as atípicas são construídas pelo julgador, moldadas conforme o caso concreto, desde que presentes os requisitos gerais de urgência e adequação.

Embora o CPC/15 tenha abandonado expressamente o modelo de tutelas típicas do sistema anterior, algumas resistiram - e seguem vigorando sob legislações especiais. A LREF é um exemplo expressivo: está fora do Código, mas plenamente integrada à lógica processual quando se trata de enfrentar a crise empresarial.

Ademais, uma regra permanece inalterada: o juiz somente pode conceder aquilo que foi expressamente pedido, cabendo-lhe apenas adequar a espécie de tutela de urgência ao caso concreto, já que essa definição influencia diretamente nas consequências procedimentais subsequentes.

É dentro dessa moldura que este artigo se desenvolve, explorando os fundamentos, as distinções e os efeitos práticos de cada modalidade de tutela na dinâmica do soerguimento empresarial.

Tutela cautelar em caráter antecedente (art. 305 do CPC): A salvaguarda universal

O art. 305 do CPC disciplina a chamada tutela provisória cautelar antecedente, que pode ser requerida antes mesmo do ajuizamento da ação principal. Nesse caso, o autor deve apresentar petição inicial com a exposição sumária da controvérsia, os fundamentos do pedido, o direito a ser protegido e a demonstração do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo2.

Concedida a medida, o autor deverá propor o pedido principal no prazo de 30 dias, sob pena de perda da eficácia da tutela concedida. Assim, o procedimento se desdobra em duas fases: uma primeira petição com o pedido cautelar, e uma segunda, posterior, com a formulação do pedido principal.

Importante lembrar que, no processo cautelar, o juízo a ser formado é de probabilidade, não de certeza. Por isso, a cognição é sumária - não se exige uma instrução probatória exaustiva como no processo de conhecimento. Ainda assim, isso não elimina a necessidade de produção de prova, apenas modula sua intensidade: é preciso haver elementos suficientes para sustentar um juízo de plausibilidade, não de convicção plena3. O juiz, portanto, deve conduzir a instrução com equilíbrio, evitando que a busca por segurança desvirtue a própria natureza da medida cautelar.

Essa lógica se aplica, com especial rigor, aos pedidos cautelares que antecedem o ajuizamento da recuperação judicial. Justamente por se tratar de medida excepcional - e de alto impacto sobre a coletividade de credores -, a jurisprudência tem exigido que o pedido venha acompanhado de provas robustas quanto à legitimidade do autor, nos termos do art. 48 da LREF. Ou seja, ainda que em sede de cognição sumária, é indispensável que o devedor comprove desde logo: (i.) que é empresário ou sociedade empresária regularmente registrada na Junta Comercial, (ii.) que exerce atividade empresarial há pelo menos dois anos, e (iii.) que não incorre nas vedações legais, como condenações por crimes falimentares ou uso anterior das ferramentas da LREF em prazo inferior ao permitido.

Por se tratar de tutela atípica, o ordenamento não estabelece de forma pré-definida qual deve ser o conteúdo da medida a ser concedida, tampouco delimita, de modo específico, os contornos do fumus boni iuris e do periculum in mora4. Assim, cabe ao juiz, diante das peculiaridades do caso concreto, avaliar se estão presentes os pressupostos gerais da tutela de urgência e se a medida pleiteada se mostra adequada, proporcional e coerente com a lógica do procedimento recuperacional.

A título exemplificativo, sob o manto dessa tutela encontram amparo diversos pedidos recorrentes em processos de recuperação judicial, tais como: a proibição do corte de energia elétrica nas instalações da devedora5; a manutenção de contratos com cláusulas ipso facto - que são aquelas que preveem a rescisão ou suspensão automática em razão da própria situação de crise ou falência, sem necessidade de aviso ou decisão judicial6; a dispensa da apresentação de certidões negativas de débito (CNDs) para participação em licitações; e até mesmo a suspensão de execuções promovidas por credores, viabilizando o ajuizamento do pedido de recuperação no prazo legal de 30 dias.

Tutela de urgência do art. 6º, § 12 da LREF: Antecipação dos efeitos do processamento da recuperação judicial

Ao contrário da tutela atípica prevista no art. 305 do CPC, o §12 do art. 6º da lei 11.101/2005 introduz uma tutela típica de urgência, moldada especificamente para o contexto da recuperação judicial, com efeitos e limitações expressamente previstos em lei.

Sua finalidade é permitir a antecipação de efeitos normalmente vinculados ao deferimento do processamento, desde que presentes os requisitos do art. 300 do CPC: probabilidade do direito e risco de dano ou de inutilidade do resultado do processo. Trata-se, portanto, de uma medida voltada à preservação da utilidade da recuperação ainda na fase pré-processual, impedindo que atos isolados comprometam a continuidade da atividade empresarial ou inviabilizem o próprio pedido de soerguimento.

A doutrina7 aponta que essa tutela cumpre três funções essenciais: (i.) garantir a manutenção das atividades da empresa em crise; (ii.) submeter os credores a um tratamento pautado por critérios isonômicos, conforme o princípio da par conditio creditorum; e (iii.) assegurar que o processo de recuperação judicial possa, de fato, alcançar sua finalidade.

Um fato curioso é que a doutrina não é isonômica ao prever a fase em que essa tutela poderia ser requerida. Daniel Carnio Costa é expresso ao afirmar que o cabimento dessa medida pressupõe necessariamente o prévio ajuizamento do pedido de recuperação. Ou seja, cumprimento dos requisitos do art. 48 e 51 da LREF.

Marcelo Barbosa Sacramone e Eduardo da Silva Mattos admitem uma certa flexibilidade ao procedimento, ao discorrer que, nos casos absolutamente urgentes, o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente deverá exigir o aditamento da petição inicial e a complementação da argumentação e da documentação exigida pelo art. 51 no prazo de 15 dias, a menos que prazo maior seja fixado judicialmente (art. 303, § 1º, do CPC)8.

Eduardo da Silva Mattos9 esclarece que a decisão liminar prevista no art. 6º, § 12, da LREF não configura propriamente uma antecipação dos efeitos do stay period, mas sim uma medida acautelatória destinada a garantir a efetividade do futuro procedimento recuperacional, considerando que a análise da documentação que acompanha a petição inicial pode demandar tempo, especialmente quando há necessidade de constatação prévia. Ele adverte, contudo, para o risco de abuso, uma vez que o prazo da suspensão cautelar não é descontado do stay period, o que pode gerar uma extensão indevida da suspensão em prejuízo dos credores.

Por isso, trata-se de uma medida excepcional, que deve ser aplicada com parcimônia e com destinação pontual, sob o risco de se tornar rotina processual e proporcionar vantagens indevidas ao devedor.

Independentemente da corrente à qual se alinhe, o fato é que esse mecanismo se revela eficiente para garantir o fôlego necessário ao empresário ou à sociedade empresária diante do cenário caótico que se instala com o início do procedimento concursal de soerguimento.

Tutela de urgência do art. 20-B, § 1º da LREF: Incentivo aos métodos de autocomposição na esfera da insolvência empresarial

A reforma promovida pela lei 14.112/20 incorporou dispositivos que incentivam a adoção de métodos autocompositivos tanto na fase pré-processual quanto ao longo da recuperação judicial, conforme previsto nos arts. 20-A e 20-B da LREF.

Essas normas ampliaram significativamente o espectro de disputas passíveis de mediação, abrangendo desde conflitos societários até litígios com concessionárias e órgãos públicos, além de permitirem a suspensão cautelar de execuções durante tentativas de composição. Embora certos temas - como a natureza dos créditos ou critérios de votação - permaneçam fora do alcance da autocomposição, a legislação caminha no sentido de criar um verdadeiro sistema de pré-insolvência10.

Essa tutela tem um propósito específico: evitar prejuízos ao empresário e à sociedade empresária decorrentes de atos de constrição, cobranças e alienações durante o período de negociação, e, ao mesmo tempo, viabilizar um ambiente estável para que as negociações avancem sem surpresas para nenhuma das partes envolvidas.

Nos termos da norma, é facultado às empresas em dificuldades que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial o direito de obter tutela de urgência cautelar, conforme o art. 305 do CPC. Tal medida tem por objetivo suspender as execuções ajuizadas contra a empresa pelo prazo de até 60 dias, possibilitando a tentativa de composição com seus credores, por meio de procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o CEJUSC - Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do tribunal competente ou câmara especializada.

Importante destacar que ficam vedadas a conciliação e a mediação acerca da natureza jurídica e da classificação dos créditos, bem como sobre os critérios de votação em assembleia-geral de credores, conforme expressamente previsto no § 2º do art. 20-B da LREF.

Nesse contexto, ressalta-se a existência de dois requisitos essenciais para a concessão da tutela. O primeiro é a efetiva instauração do procedimento de mediação ou conciliação no CEJUSC competente ou na câmara especializada, que deve envolver especificamente os créditos que o devedor pretende negociar. Ademais, a medida cautelar de suspensão vincula os credores convidados a participar desse procedimento instaurado, ainda que estes não tenham aceitado o convite11. Por outro lado, não vincula os credores que não foram formalmente convidados para o procedimento.

O segundo requisito refere-se às condições que o devedor deve demonstrar para a obtenção da tutela. Embora o FONAREF - Fórum Nacional de Recuperação e Falência tenha editado o enunciado 10, indicando que bastaria a apresentação dos documentos previstos no art. 48 da LREF, a jurisprudência vem consolidando o entendimento de que também é imprescindível a demonstração dos requisitos previstos no art. 51 da mesma lei, especialmente a prova da situação de crise econômico-financeira e a viabilidade da recuperação, para que a tutela seja concedida.

Por fim, é válido o alerta da doutrina de que o instrumento não poderia ser utilizado apenas para a suspensão das execuções, com expediente protelatório, sem que a devedora tenha, de fato, a intenção de negociar suas dívidas12.

Identificada eventual má-fé ou conduta abusiva por parte do devedor, é plenamente possível ao juiz revogar a medida cautelar concedida com fundamento no art. 20-B, §1º, da lei 11.101/200513. Isso pode ocorrer, por exemplo, diante da demonstração, por qualquer credor, de que a devedora não está promovendo, ou está de alguma forma procrastinando, o regular andamento do procedimento de mediação ou conciliação instaurado perante o CEJUSC do tribunal competente ou na câmara especializada.

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1 COSTA, Daniel Carnio. Tutelas de urgência em processos de recuperação judicial de empresas. Migalhas, 23 maio 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/insolvencia-em-foco/386887/tutelas-de-urgencia-em-processos-de-recuperacao-judicial-de-empresas. Acesso em: 14 jun. 2025.

2 Souza, Artur César de. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela de evidência / Artur César de Souza. - 2. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Almedina, 2017.

3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: Volume Único. 10ª Ed. - rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2018.

4 COSTA, op. cit.

5 Vide: TJ-SP - AI: 21677730720218260000 SP 2167773-07.2021.8.26 .0000, Relator.: Jane Franco Martins, Data de Julgamento: 25/02/2022, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 25/02/2022.

6 Vide: TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 0025327-39.2023 .8.19.0000 202300235461, Relator.: Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO, Data de Julgamento: 21/11/2023, PRIMEIRA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 8ª CÂMA, Data de Publicação: 24/11/2023).

7 CABRAL, Thiago Dias Delfino; GUIMARÃES, Filipe. A tutela provisória de natureza cautelar na recuperação - aspectos práticos e análise da disciplina das tutelas provisórias na Lei 11101/05 à luz do Princípio da Eficiência In: DIDIER JR., Fredie. Falência e Recuperação Empresarial / Fredie Didier Jr... [et al.] - 2ª ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.

8 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência / Marcelo Barbosa Sacramone. - 4. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2023.

9 MATTOS, Eduardo da Silva. Recuperação de empresas [livro eletrônico]: curso avançado em direito, economia e finanças / Eduardo da Silva Mattos, José Marcelo Martins Proença. - 1. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023.

10 CUEVA, Ricardo Villas Bôas; COSTA, Daniel Carnio. Os mecanismos de pré-insolvência nos PLs 1397/2020 e 4458/2020. Migalhas de Peso, São Paulo, 21 de outubro de 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/335268/os-mecanismos-de-pre-insolvencia-nos-pls-1397-2020-e-4458-2020.

11 Enunciado n.º 6 do FONAREF.

12 OLIVEIRA FILHO, Paulo Furtado, Das conciliações e mediações antecedentes ou incidentais ao processo de recuperação judicial. In: OLIVEIRA FILHO, Paulo Furtado de (coord.). Lei de Recuperação Judicial e Falência: pontos relevantes e controversos da reforma. São Paulo: Foco, 2021.

13 Enunciado n.º 8 do FONAREF.

 

 

Fonte: Migalhas.

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