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24-07-2020 

As inovações do Projeto de Lei 1.397/20 frente à insolvência generalizada

Por Matheus Menelli de Oliveira

 

Enquanto ainda vivenciamos todos os efeitos maléficos da pandemia gerada pelo novo coronavírus, a sociedade ainda experimenta muito pouco da gravíssima crise financeira e econômica que está por vir. Sabemos muito acerca do grande impacto social e sanitário provocado pela doença chamada Covid-19, mas ainda não é possível prever todos os efeitos que a paralisia do consumo e da circulação de riquezas pode acarretar no médio e longo prazo.

Muito embora no atual estado em que nos encontramos seja prudente manter o foco na diminuição do alastramento e do contágio pelo novo vírus, também é certo que devemos desde já projetar os impactos que serão sentidos na roda econômica no Brasil e no mundo. Por mais que não possamos projetar todos os efeitos, algumas situações já podem ser esperadas, entre elas a diminuição na circulação de riquezas no meio empresarial, financeiro e consumerista, gerando repercussões na escala micro e macroeconômica, especialmente na liquidez das sociedades empresárias.

Nesse passo, outro fato que é preciso ser mencionado é a grande importância que as empresas têm para uma sociedade capitalista de mercado. Além da produção de bens e serviços essenciais para a vida das pessoas, tais agentes econômicos constituem uma fonte de fomento e execução do progresso econômico, além de exercerem grande função social perante a comunidade, os seus funcionários e os seus consumidores. Ou seja, a sobrevivência das sociedades empresariais trata-se de algo muito caro para um país, tendo em vista a sua repercussão social e econômica.

Assim, vê-se que o nosso país não se preparou da forma mais adequada para garantir a sobrevivência dos milhares de agentes econômicos em tempos de crise. De certa forma, além de uma estrutura legal mais flexível, o próprio sistema de insolvência não projetou a possibilidade de existirem remédios jurídicos especiais para tempos extraordinários. Em verdade, empresas de todos os tamanhos estão tendo que pagar juros, aluguéis e outras obrigações, ainda a vencer, sem dispor de capital ou crédito para tanto, necessitando grandemente de um instrumento estatal para estancar o sangramento, mesmo que temporário.

Realmente, o que se faz necessário são providências de alívio financeiro e estímulo econômico que possibilitem que as agendas de pagamento das empresas sejam sincronizadas com o tempo econômico de seus faturamentos. Contudo, além de medidas financeiras, faz-se fundamental a criação de ferramentas processuais e pré-processuais que objetivem evitar a insolvência e recuperar as empresas em crise. Se por um lado não se pode desprestigiar os direitos dos credores, por outro deve-se garantir a existência e a sobrevivência dos agentes econômicos.

A discussão acerca dos melhores remédios jurídicos vem ocorrendo desde março deste ano, mas ainda sem uma solução definitiva. O PL nº 1.397/2020, de autoria do deputado federal Hugo Leal, mostra-se a solução mais tangível para o presente momento, visto que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e encontra-se em tramitação no Senado Federal.

Alguns dos instrumentos previstos no mencionado projeto de lei são: a proibição temporária de atos executórios, bem como dos pedidos de falência, a criação de um período de suspensão legal onde o devedor não se encontra em mora, a permissão da celebração de contratos de financiamento com qualquer agente financiador, a inauguração do instituto da negociação preventiva, bem como algumas alterações nas recuperações extrajudicial e judicial.

De fato, várias das inovações são muito bem-vindas e, inclusive, poderão ser internalizadas como instrumentos definitivos do sistema recuperatório e falimentar brasileiro. Contudo, algumas das ferramentas ali previstas, dependendo do tempo de tramitação do projeto de lei, poderão ser intempestivas, visto que, a cada dia, a crise se agrava e os pedidos de recuperação judicial e falência se amontoam nos tribunais.

Falando mais especificamente da suspensão legal, também chamada de yellow flag, inclusive já utilizada em outros países, trata-se de um verdadeiro adiamento da exigibilidade das obrigações, sejam elas comerciais ou tributárias. Assim, afastar-se-ia a mora temporariamente, garantindo um fôlego aos agentes econômicos, operando de forma automática (ex lege). Nesse caso, os credores seriam obrigados a buscar soluções extrajudiciais, incluindo-se a renegociação. A princípio, o prazo de duração seria de 30 dias, contados da vigência da Lei, e sujeitaria os créditos vencidos após o dia 20 de março de 2020.

Diferentemente do instituto da moratória, utilizado por países como Nova Zelândia, Portugal, Áustria, Bélgica, Suíça e Turquia, a suspensão legal seria uma medida para evitar, temporariamente, a exigibilidade das obrigações. Entretanto, tal ferramenta faz-se necessária no presente momento, no qual diversas empresas não possuem fluxo de caixa para honrar as suas obrigações contraídas, e não daqui a alguns meses.

O instrumento da yellow flag, tem como um dos seus grandes incentivadores o professor David Skeel, da University of Pennsyvania. Contudo, o próprio professor, em artigo recente, reconheceu que nos casos de grande demora para a sua aplicação, tal instrumento perderia a sua eficácia, visto que a maioria das empresas em dificuldade já estariam falidas ou em vias de falir.

O professor David Skeel esclarece que a suspensão legal teria sido mais desejável logo no começo da crise, propiciando um adiamento da exigibilidade das obrigações. Veja-se:

"Although a universal standstill would have been desirable at the outset of the crisis — providing a temporary halt on payment obligations — it no longer seems desirable. The same standstill that would benefit those who owe mortgage or rent payments and have other obligations would impose a corresponding hardship on those to whom the payments are owed. At this point in the crisis, a more nuanced approach seems more appropriate. Any federal solution should take account not just of the hardship of the crisis for debtors, but also the hardship to the debtor’s creditors, many of which are small businesses themselves. To be sure, the parties could renegotiate their obligations during a temporary standstill, but renegotiations also can take place in the absence of a standstill or in bankruptcy.

(...)

The more general point is this: a simple standstill could cause more harm than good, by further delaying

the restoration of revenues to landlords, suppliers and others to whom the debtor owes money. Any temporary bankruptcy or bankruptcy-like regime needs to take full account both of debtors’ and of their creditors’ vulnerability".

Ademais, o professor argumenta que nesse momento, em que já é perceptível a falta de capital e de crédito, faria mais sentido que o governo criasse um ambiente propício ao DIP Financing, visto que muitas empresas já recorreram ao Judiciário para se reestruturarem.

O DIP (deptor-in-possesseion) Financing trata-se de uma modalidade de financiamento para as empresas que já estão em recuperação judicial e que já possuem um plano aprovado ou em vias de aprovação. Com a finalidade de manter o fluxo de caixa, esse crédito garantiria que as operações empresariais continuassem, ensejando, portanto, um futuro pagamento de todos os credores. E, por mais que tal ferramenta já exista no Brasil, trata-se de um mercado de crédito muito pouco estimulado, devendo ser mais bem regulado e, acima de tudo, incentivado.

Por último, vale dizer que através do projeto de lei em tramitação vem à tona a possibilidade de o direito brasileiro regular, de uma vez por todas, os casos de insolvência transnacional de empresas, em razão da grande possibilidade da ocorrência de casos semelhantes aos de OI, OGX e Grupo Schahin. Certamente, as modificações não seriam suficientes, mas poderiam abrir uma oportunidade de discussão acerca da adoção de algumas medidas presentes na Lei Modelo da UNCITRAL, de forma a alinhar o Brasil aos países mais desenvolvidos no tratamento da crise da empresa transnacional.

Por fim, caso não seja aprovado o PL nos termos em que estão, ou mesmo algum outro projeto legislativo similar, o ordenamento jurídico atual deverá começar a ser analisado com outros olhos. De certa forma, incumbirá aos operadores do direito interpretar de forma lógica, ontológica, teleológica e extensiva a Lei 11.101/05, visto que as relações sociais se modificam da mesma forma que as peculiaridades dos diferentes tempos. Ou seja, muito embora o Direito positivado não se altere, certamente as normas necessitaram de uma interpretação mais maleável, que se coadune com as peculiaridades momentâneas.

Concluindo, vê-se que, por mais que esta seja uma das mais graves crises sanitárias, sociais e econômicas da história, também é certo que se trata de uma das maiores oportunidades de modernização e atualização do sistema de preservação de empresas brasileiro, seja por meio de incentivos financeiros ou mesmo pela introdução de mecanismos inovadores que tendem a evitar a insolvência generalizada das empresas. Por mais que as possíveis alterações legislativas tenham um caráter provisório (até 31 de dezembro de 2020), o fato é que se está diante de uma grande chance de atualização das ferramentas de prevenção das crises empresariais, como a introdução da negociação preventiva, internalização de medidas previstas na Lei Modelo da UNCITRAL, além do fomento do DIP Financing. Inclusive, há a possibilidade da implementação permanente de vários desses novos instrumentos, já testados em outros ordenamentos jurídicos, os quais poderão vir a socorrer as empresas na crise econômica que se avizinha.

Fonte: ConJur

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